De São Paulo, SP.
O filme dirigido por Charles Fergunson, que todos deveriam assistir, “Inside Job” (Um problema de dentro, em tradução livre) desmistifica de forma brilhante a história por trás da crise econômica global que começou em 2008.
Numa das passagens mais fortes e esclarecedoras, o CEO de um grande banco americano, rodeado por seus colegas, num momento de rara franqueza e no auge da crise financeira, diz em um coquetel patrocinado pelo Secretário do Tesouro dos EUA – Henry Paulson: “Não conseguimos controlar nossa ganância. Vocês deveriam nos regular mais”.
A ganância é definida como um desejo excessivo por bens e riquezas. Na sua forma mais predatória, a ganância obscurece a racionalidade, distorce a capacidade de julgamento, muda as perspectivas e anula qualquer preocupação com os danos colaterais que possa causar.
Conforme expôs muito bem Michael Lewis, um jornalista econômico que escreve para o New York Times, autor de inúmeros best-sellers: “É uma verdadeira loucura alguém que tenha um bilhão de dólares devotar sua vida inteira a ganhar outro bilhão, mas é isso que muitos de nossos mais nobres cidadãos se dedicam a fazer, fazer e fazer”. A ganância tem origem nos neurotransmissores que transportam substâncias químicas em nosso cérebro. O que alimenta nossa ganância é um neurotransmissor chamado dopamina. Quanto maiores os níveis de dopamina em nosso cérebro, mais prazer experimentamos. Cocaína, por exemplo, aumenta substancialmente e de forma direta, nossos níveis de dopamina.
Usando imagens de ressonância magnética, o pesquisador Hans Breiter e seus colegas de Harvard descobriram que o desejo por dinheiro ativa as mesmas regiões de nosso cérebro ativadas pelo desejo por cocaína, sexo ou qualquer outra coisa que nos dê prazer intenso.
Altos níveis de dopamina são provocados, primordialmente, por estímulos novos. Isto é, por experiências que ainda não havíamos vivenciado. Por isso procuramos “recriar” aquela experiência e é exatamente aqui que surge o problema: nas vezes subseqüentes em que ingerirmos a mesma quantidade de cocaína ou ganharmos a mesma quantia em dinheiro, os níveis de dopamina tenderão a não aumentar tanto.
Os ”arquitetos” da crise econômica não estavam atrás do dinheiro, mas sim da satisfação e sensação de segurança que acreditavam poder ser obtida com o dinheiro, a mesma que experimentaram da primeira vez.
Quando o “barato” começou a diminuir ao longo do tempo, a solução que encontraram foi aumentar dramaticamente a altura da barra....
Se o ganho anterior já não era mais suficiente, então talvez o dobro, ou o triplo, ou ... dez vezes mais. O ciclo é vicioso e sedutor e as ilusões perseguidas são cada vez maiores, procurando recriar para sempre o intenso prazer e bem estar iniciais.
Quando isso se torna compulsivo, chamamos de vício.
O poder e a admiração que o dinheiro compra, são a droga. Viciados tipicamente usam a droga para evitar a dor – a dor causada pela insegurança e pelo desprezo. O dinheiro, como a cocaína, nos ilude com a sensação de alívio.
Na falta de conexões íntimas com outras pessoas, de valores arraigados ou de outro sentido para o trabalho que não o de sua própria satisfação, acumular riqueza se torna a única maneira que esses banqueiros tem para tentar injetar sentido, significado e satisfação em suas vidas.
Esse padrão ajuda a entender porque Ângelo Mozillo, o então Presidente da Countrywide – uma empresa de crédito imobiliário nos EUA - permitiu que seus empregados negociassem o financiamento de dezenas de milhares de imóveis que ele sabia que nunca seriam pagos pelos mutuários, enquanto ele vendia sua participação na companhia o mais rapidamente possível, antes da quebra inevitável.
Explica, também, porque altos executivos de muitos bancos se dispuseram a se fazer de cegos enquanto os produtos financeiros tóxicos que estavam comercializando, irresponsavelmente, baseados em altíssimos ganhos de curto prazo, se traduziam em estratosféricos bônus pessoais.
Banqueiros e as instâncias que tornavam seus ganhos possíveis – notadamente autoridades reguladoras, economistas acadêmicos e políticos de todos as matizes – estavam todos se alimentando no mesmo prato. A ganância transforma estranhos em companheiros próximos, mas como acontece com qualquer vicio, maior quantidade acaba levando a menor qualidade.
Ao longo do filme Inside Job, os banqueiros justificam sua ganância, desonestidade e comportamentos destrutivos da mesma forma que faz qualquer viciado: desconversando e iludindo, racionalizando e minimizando, negando e dissimulando.
Um viciado em cocaína prejudica a ele próprio e àqueles próximos a ele. Mas o que é mais aterrador sobre o viciado em dinheiro (com o dom de acumulá-lo) é quão alto pode ser o custo, quão extenso pode ser o prejuízo e a quantos pode atingir.
Poucos de nós são imunes à poderosa sedução do dinheiro, mas felizmente muitos nunca tem a oportunidade de acumular grandes quantidades dele. Consideremo-nos afortunados. Seria maravilhoso acreditar que os principais responsáveis por essa crise econômica aprenderam lições soberanas do caos que causaram ao mundo e que, sofrendo, ajudaram a debelá-la.
Porém, não prenda sua respiração por muito tempo. Pelo menos enquanto continuarmos a reverenciar os cidadãos baseado em suas riquezas, mesmo sabendo que eles nocautearam a de dezenas de milhões de pessoas.
“Não conseguimos controlar nossa ganância”, comenta com seus colegas o Presidente do Banco na festa do Paulson. “Me proteja dos meus impulsos mais primitivos”, é o que essencialmente ele estava querendo dizer. “... e se protejam, vocês também”.
A crise de 2008 não atingiu fortemente o Brasil. O que foi bom. O lado ruim é que estamos na contramão das lições que a crise está deixando para americanos e europeus. Nossa vantagem é que, pelo menos, sabemos por quê e como devemos nos preparar.
Talvez você não concorde comigo. Você tem todo o direito de achar que não temos nenhum banqueiro ganancioso, nossos políticos não dependem de doações do sistema financeiro e nossos reguladores são perfeitos...
Abaixo, o link para o trailer sobre o filme Inside Job (Um problema de dentro). Infelizmente, não há legendas em português.Abraço grande,
Eder.
Fonte: Adaptado de artigo escrito para HBR por Tony Schwartz
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