quarta-feira, 4 de julho de 2018

Ninguém é tão cego quanto aquele que enxerga, mas não consegue ver - Poupe para a aposentadoria e enxergue seu futuro!





De São Paulo, SP.


Há mais de 10 anos dicionários de língua inglesa como o Merriam-Webster e o Oxford Dictionary of English, mantem a tradição de eleger a “palavra do ano”.

Associações ligadas às línguas e à escrita cultivam tradições semelhantes mundo afora.

Obviamente, estava na hora de surgir uma iniciativa equivalente no campo dos números. Foi assim que, em 2017, pela primeira vez em sua história, a Real Sociedade Estatística da Grã-Bretanha convidou seus membros e o público em geral para elegerem sua estatística favorita.

A “estatística do ano”, a que recebeu mais votos, foi uma que indicava a percentagem de terra no Reino Unido, ocupada por áreas densamente povoadas.

Essas áreas, também conhecidas pelo termo “fábricas urbanas contínuas”, são aquelas ocupadas por prédios, casas e construções.

Mesmo que você nunca tenha visitado o Reino Unido, nem jamais tenha ouvido falar desse tipo de estatística, tente dar um chute sobre essa percentagem.

Se quiser algo mais próximo, tente chutar o percentual do território brasileiro ocupado por áreas urbanizadas (as respostas poderão ser encontradas mais abaixo nesse artigo). 

Chutes não tão “calibrados” 

O que causou surpresa na estatística do ano vencedora, na eleição do Reino Unido (e provavelmente foi o que a fez ser mais votada), foi ser tão diferente daquilo que a maioria das pessoas imaginava sobre o assunto.

As pessoas podem ser totalmente ignorantes a respeito da altura da maior montanha de Marte, da extensão do Rio Nilo ou da produção diária de petróleo cru, a menos que tenham um interesse especifico nesses assuntos.

Porém, esperava-se que as pessoas que vivem no Reino Unido fossem capazes de adivinhar a resposta correta com razoável assertividade. Talvez com um fator de diferença máxima de 2 ou 3 vezes entre suas opiniões e a resposta certa. O mesmo provavelmente se aplicaria aqui no Brasil e em outros países.

Os chutes calibrados são uma combinação intrigante de fatos e crenças e de certo modo, são uma mistura entre nossos dois modos de pensar tão bem descritos por Daniel Kahneman em seu “best seller“ (Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar).

O modo rápido e impulsivo de pensar, o Sistema 1 do cérebro, explora nossos sentimentos e impressões e o modo devagar e lógico, o Sistema 2, ganha tempo para pensar racionalmente e considerar todos os fatores.

Algumas vezes não raciocinamos muito e o processo de adivinhar (o famoso “chute calibrado”) resulta do Sistema 1 que é dominado por heurística e crenças, sem nos darmos conta de que é isso que está acontecendo. 


Nota: Heurística = processos cognitivos empregados em decisões não racionais, definidas como estratégias que ignoram parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida.


No caso da estatística acima, o chute foi influenciado pelo fato de 83% das pessoas no Reino Unido viverem em aglomerados urbanos. Para piorar, muitos que não vivem nas cidades, trabalham nelas. Muito parecido com o que acontece no Brasil. Ou seja, áreas construídas são marcantes em nossa experiência, assim como na deles.

Até visitamos o interior ou ocasionalmente percebemos quão pequeninas são as cidades vistas do alto, quando viajamos de avião. Ficamos surpresos com aqueles pontinhos em que se resumem as cidades e a imensidão de espaço vazio entre uma e outra.

Mesmo assim, a imagem prevalente em nossas mentes é dominada por tijolos, concreto, estradas e edifícios e isso “calibra” nosso chute mais do que qualquer raciocínio lógico.

Kahneman chama isso de “Tudo que existe é o que você vê” (em inglês: WYSIATI – What You See Is All There Is). Reflete nossa tendência a sermos influenciados mais fortemente pelo que sabemos e está ligado aos diversos vieses cognitivos descritos a seguir. 

Disponibilidade heurística: o atalho mental que ativa os conceitos trazidos mais facilmente às nossas mentes. Por exemplo, quando pensamos sobre um cisne, a maioria das pessoas imagina um cisne branco, simplesmente porque essa é a única cor de cisne que quase todo mundo vê. 

Negligência do cenário básico: faz muitos acreditarem na força da fé para curar doenças ou outras intervenções que não tem nenhuma base científica. Quando não sabemos qual a chance de que uma determinada condição melhore sem qualquer intervenção humana, é tentador acreditar que tal melhoria é resultado de reza brava, milagre, ação santificada ou da mão divina. 

Viés de confirmação: reforça o efeito - “Tudo que existe é o que você vê”, porque nos faz ver (e até procurar) o que acreditamos ser a resposta correta. 

Viés do excesso de confiança: faz com que nos tornemos excessivamente confiantes de que o que enxergamos é tudo que existe.

Por falar nisso, a percentagem da área densamente construída no Reino Unido é de 0,13%, o equivalente a 320 km2. No Brasil a área urbanizada é de meros 0,63% de todo o território do país. Seu chute chegou perto? 

Percepções Perigosas 

O efeito que nos faz errar nas avaliações não está limitado somente àquilo que enxergamos fisicamente. Esse efeito pode ser estendido facilmente para “Tudo que existe é aquilo que acreditamos existir”.

A empresa de pesquisas IPSOS MORI conduz regularmente um estudo chamado “Perigos da Percepção”. O estudo entrevista pessoas de diversos países buscando entender suas percepções sobre determinados parâmetros sociais, como a incidência de gravidez na adolescência ou crença em céu e inferno.

Na versão de 2017 desse estudo, os entrevistados tinham que dizer em qual país acreditavam haver maior consumo de álcool. A Rússia surgiu no topo da lista (quando na verdade está apenas na sétima posição).

O resultado não tem nada a ver com os russos bêbados, com uma garrafa de vodca na mão, que vemos na TV comemorando o sucesso (até aqui) na Copa do Mundo, mas sim porque nos baseamos numa informação que simplesmente não é verificada.

Meros 4% dos respondentes colocam o verdadeiro campeão de consumo de álcool (a Bélgica) nas três primeiras posições. Até mesmo na Bélgica, apenas 5% dos respondentes adivinharam habitar o país mais “bebum” do mundo.

Os estudos dos “Perigos da Percepção” estão cheios desse tipo espetacular de erro de percepção. As figuras abaixo mostram alguns exemplos intrigantes de chute nos quais as pessoas erram por margens consideráveis, muitas vezes maiores do que uma ordem de magnitude.

Nota de atenção: Os exemplos acima foram selecionados para sustentar os argumentos do artigo. “O que você vê não é tudo que existe!”


Em resumo 

Fazer uma estimativa ou dar um chute calibrado, ainda que nos pareça um processo bem embasado, nem sempre representa a resposta mais racional possível, porque não dispomos de todos os fatos relevantes toda vez que tomamos uma decisão e nossa capacidade de raciocínio é limitada.

“Tudo que existe é o que você vê”, envolve muito menos raciocínio e muito mais conclusões apressadas. Nós superestimamos a relevância daquela fração de informação que temos disponível e a usamos para generalizar. Fazemos isso imbuídos da maior convicção.

No exemplo da percentagem de terra ocupada no Brasil, não é que a gente desconheça as vastas áreas de espaço desocupado entre São Paulo e Manaus. É que passamos nossas vidas nas cidades, entre construções de prédios e casas e isso nos contamina.

A natureza perniciosa do “Tudo que existe é o que você vê” é precisamente o fato de não raciocinarmos. Uma antiga história ilustra bem como pulamos apressadamente para conclusões: 

Um pai e um filho sofrem um terrível acidente e o pai morre. O filho é levado correndo para um hospital. Quando está prestes a ser operado, o cirurgião exclama: “Não posso operar - esse garoto é meu filho!” 

Como pode isso?

Da mesma forma que assumimos que todos os cisnes são brancos porque é isso que mais vemos, nós tendemos a pensar que os cirurgiões são todos homens, porque a maioria dos cirurgiões que conhecemos ou ouvimos falar são do sexo masculino. Você, por um momento, imaginou que o cirurgião pudesse ser a mãe do menino?

“Tudo que existe é o que você vê” distorce inconscientemente nossa percepção e reforça nossos estereótipos.

Claro que nunca conseguimos ver tudo e sempre vai existir um monte de coisas que estão fora do nosso campo de visão, coisas de que não lembramos ou coisas que contrariam nosso conhecimento.

O que podemos fazer é sempre nos lembrar de que temos uma perspectiva limitada do mundo a nossa volta – especialmente quando nos sentirmos confiantes demais em nosso julgamento.

Se tivermos ciência do nosso viés cognitivo do “Tudo que existe é o que nós vemos”, então já estaremos enxergando um pouco mais.

Poupe para a aposentadoria, seu futuro está além daquilo que você consegue enxergar hoje! “Nem tudo que existe é o que nós vemos”.

Grande abraço,

Eder.




Fonte: Adaptado do artigo “All there is” escrito por Koen Smets

Crédito de Imagem: Adobe Stock

terça-feira, 3 de julho de 2018

Conselhos dos Fundos de Pensão - Melhorem a Governança antes que “eles” cheguem!




De São Paulo, SP.

“Durante os últimos dois ou três séculos, sempre houve esse receio de que as máquinas tomariam conta de tudo. Dessa vez, pode ser verdade”.

A frase é de Yuval Noah Hariri e foi dita durante um debate promovido na edição desse ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

Todo dia são publicadas notícias sobre o impacto da internet das coisas, da automação e da IA - Inteligência Artificial sobre os setores de seguros, financeiro, prestação de serviços, manufatura e outros.

Pouco se tem falado sobre como as tecnologias da “Quarta Revolução Industrial”, que eu prefiro chamar de a “Primeira Revolução das Máquinas”, vão interferir sobre os altos escalões na hierarquia das empresas e fundos de pensão.

Devido ao rápido desenvolvimento tecnológico, ao longo dos próximos anos a IA vai começar a entrar mais fortemente nos conselhos das empresas e porque não, também dos fundos de pensão.
Não vão substituir o papel dos conselheiros, num primeiro momento, mas sim melhorar o processo decisório. Será interessante presenciar a automação e a inteligência artificial se tornando mais dominante e passando a tomar algumas decisões nos conselhos.

Há apenas quatro anos, em 2014, um fundo de capital de risco de Hong Kong chamado Deep Knowledge Ventures (DKV), nomeou para seu conselho de administração um algoritmo chamado Vital (acrônimo para: Validating Investiment Tool for Advancing Life Sciences).

Vital foi nomeado com direito a voto, podendo opinar se o fundo deveria ou não investir em determinada companhia, como faria qualquer outro membro – humano – do conselho.

A habilidade que permitiu a Vital fazer parte do conselho foi sua capacidade de automatizar o processo de due diligence e usar conjuntos históricos de dados para detectar tendências que não são óbvias para os humanos que analisam informações de alto nível e grandes quantidades de dados.

Vital ajudou a aprovar investimentos em empresas como Insilico Medicine e Pathway Pharmaceuticals. No entanto, Vital não votava em todas as decisões do board. Até porque, pelas leis societárias de Hong Kong, Vital não podia ser legalmente considerado um conselheiro.

Vital não tomava decisões em nome do conselho, mas tinha alguma influência sobre o que estava acontecendo. Era tratado por seus colegas (humanos), como membro do conselho com status de observador.

Seja como for, Vital foi amplamente reconhecido como o primeiro conselheiro corporativo criado pela inteligência artificial, isso é algo fascinante.
Faz-nos pensar se a IA pode transformar a próxima geração de conselheiros de empresas e fundos de pensão.

Nossa primeira reação é ver isso como exagerado, inverossímil mesmo. Ocupar uma cadeira em um conselho, normalmente, requer discernimento na tomada de decisões e visão de negócios que só podem ser adquiridos ao longo de décadas de experiência no setor.

No entanto, se pararmos para pensar melhor, vamos perceber que o papel da IA nesse caso seria exatamente ajudar os conselheiros a tomarem melhores decisões.

Fazer os membros dos conselhos enxergarem as questões com outras perspectivas, certamente seria algo valioso para a tomada de decisões.

O custo de decisões ruins é muito alto e a história recente está repleta de exemplos de decisões desastrosas de conselhos, e de investimentos equivocados de fundos de pensão.

As transformações no ambiente de negócios estão ocorrendo num ritmo humanamente (ipsi literis) difícil de acompanhar.

O IBOVESPA foi lançado em 1968 e naquela época 27 ações faziam parte do índice. Quarenta anos depois, a carteira do IBOVEPA é composta por 64 papeis e apenas três nunca deixaram o índice – Vale, Souza Cruz e AMBEV.

Algumas empresas deixaram de existir, como a montadora de automóveis Willys do Brasil, a Refinaria de Petróleo União e a Casa Anglo – antigo Mappin. Nos EUA estima-se que 50% das 500 maiores empresas listadas pela Revista Fortune deixarão o ranking até 2027.

Sabe-se que ainda são bastante elevados os índices de fracasso no lançamento de novos produtos, em tentativas de fusão e aquisições de empresas e estratégias de transformação digital.

A responsabilidade por fracassos nas empresas e pelas perdas nos investimentos dos fundos de pensão recai exclusivamente nos ombros dos conselhos e dos gestores dessas organizações.

Em 2015 uma pesquisa da McKinsey mostrou que 16% dos conselheiros não compreendiam plenamente as mudanças na dinâmica de seus setores de atuação e o impacto que novas tecnologias poderiam causar em seus negócios.

Vamos combinar: você consegue dizer, nesse exato momento, qual será a transformação nos próximos 3 a 5 anos pelas quais passarão os planos de aposentadoria que seu fundo de pensão administra?

Então, parece fazer sentido incorporar a IA nas práticas de governança corporativa e nas estratégias das empresas e dos fundos de pensão.

Numa entrevista recente, Mark van Rijmenam – fundador e CEO da Datafloq.com – comentou que a IA tem melhor capacidade de entender o contexto e o ambiente de uma organização. Ao invés de se basear em uma quantidade limitada de fontes de dados, formará um quadro mais amplo e preciso sobre os fatores críticos de mudança nos cenários, influenciando as decisões.

O objetivo não é o de automatizar ou substituir qualquer processo de decisão, mas sim o de melhorar as decisões e torna-las menos emocionais e mais baseadas em fatos. A inteligência artificial não vai substituir o julgamento, a intuição e experiência dos conselheiros em uma decisão, mas vai dar suporte mais robusto como uma ferramenta analítica inteligente. 

Ainda existem enormes desafios com os quais a IA não é capaz de lidar. Assédio, igualdade de gênero e ética - que muda com o tempo - envolvem questões filosóficas que mesmo nós, humanos, continuamos a debater até hoje. Sem falar que a IA é baseada em lógica, não em ética.

Por outro lado, segundo Mark van Rijmenam, já estamos vendo IA criando sua própria linguagem e desenvolvendo sua própria IA. O que pode levar a uma IA impossível para os humanos compreenderem. Isso, diz ele, precisamos evitar.

Os benefícios que podem ser obtidos pelo uso da IA nos boards de empresas e fundos de pensão parecem ser significativos. Se isso pode ajudar a tomarmos melhores decisões, porque não?

Estamos longe do dia em que teremos “organizações autônomas descentralizadas”, totalmente geridas por códigos e algoritmos.

Até lá, fico com a frase do Hariri quando menciona a preocupação que devemos ter com a chegada mais forte da IA ao nosso dia-a-dia:

“Nós não temos que proteger os empregos, nós temos que proteger as pessoas”.

É isso aí!

Abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado dos artigos “The role of AI and machine learning in the boardroom”, escrito por Henry Eliot e “Will AI Board Members Run the Companies of the Future?” publicado na Brink.

Crédito de imagem:  https://media.shellypalmer.com

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