From: Gerente de Tesouraria
To: CFO, Diretor Financeiro
Priority: High
Subject: Como assumir o controle do nosso plano de benefício definido?
Bom dia Chefe!
Notei hoje no café que você está preocupado com nosso plano de benefício definido, mas o que especificamente está tirando o seu sono?
Sua preocupação é com a rápida deterioração do equilíbrio financeiro-atuarial do nosso plano, causado pelo mergulho de nariz que as taxas de juros têm dado no Brasil nos últimos anos (desconsiderando esse “soluço” recente de aumento de 0,25% que foi só para controlar a inflação)?
Ou seriam os grandes saltos que temos experimentado anualmente nas despesas contábeis com o plano, que você precisa ficar explicando constantemente para acalmar os analistas de mercado?
Pode ser que você esteja irrequieto vendo tudo isso acontecer mesmo depois dos milhões e milhões de reais que a empresa contribuiu para esse plano de previdência ao longo dos últimos anos.
Não importa qual a raiz do problema, a Tesouraria tem uma estratégia que é solução para todos os males. Olha só:
1. Emitir títulos de crédito de longo-prazo a taxas incrivelmente atrativas: O custo para as empresas tomarem dinheiro emprestado está em níveis nunca vistos, quer dizer, nunca vistos no mundo do financiamento corporativo brasileiro. Uma empresa que já tem grau de investimento como a nossa, consegue vender papéis com prazos de 10 anos, de 30 anos, com taxas reais aí por volta dos 3% e 5%, respectivamente. Nunca antes na história desse país - talvez isso nunca volte a acontecer - tivemos uma situação tão favorável para as empresas financeiramente equilibradas, se beneficiarem do mercado para atração de capital.
2. Contribuir para o fundo de pensão com esse dinheiro emprestado, elevando o patrimônio do plano ao nível de 100% de cobertura dos compromissos: Isso trás um monte de vantagens. Primeiro, as contribuições corporativas para a previdência complementar são abatidas da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica. Por exemplo, considerando uma taxa de tributação marginal da ordem de 30% uma contribuição de R$ 100 milhões realmente só vai requerer R$ 70 milhões em dinheiro. Segundo, esse dinheiro será investido num portfolio diversificado de ativos de modo que podemos esperar um retorno de longo prazo superior aos juros da dívida contraída, resultando em uma despesa contábil menor e até num potencial acréscimo dos ganhos. Terceiro e último, um maior nível de cobertura dos passivos significa melhor avaliação da empresa pelos analistas já que as contribuições feitas com o dinheiro da dívida teriam efeito nulo sobre a nossa alavancagem financeira. Quando calculam o risco de crédito da empresa as agências de rating não tratam os passivos atuariais a descoberto como se fossem dívidas no balanço?
3. Ajustar a alocação do portfolio de ativos do plano de benefícios: Fizemos algumas simulações com nosso atuário e podemos dizer com razoável tranquilidade que o patrimônio de um plano atuarialmente equilibrado (sem déficits nem superávits), composto de 85% de renda fixa, 10% de renda variável e 5% de outras classes de investimentos (imóveis, empréstimos simples a participantes etc.) seria mais de 2/3 menos volátil do que o portfólio de investimentos que temos hoje. Isso significa que quando nosso patrimônio estiver cobrindo 100% dos compromissos do plano, conseguiremos permanecer próximos desse nível de cobertura mesmo em condições voláteis de mercado. Talvez você já tenha ouvido falar dessa tática pelo nome “LDI – Liability Driven Investing”. Nós testamos bastante essa abordagem e ela realmente funciona se corretamente aplicada. Se as empresas que patrocinam planos de benefícios definidos tivessem adotado a LDI como estratégia lá atrás em 2005, quando o mercado tinha condições mais estáveis e os planos estavam até superavitários, esses planos estariam sofrendo muito menos hoje diante do atual cenário econômico. Provavelmente essas empresas não precisariam se preocupar agora em ter que fazer aportes significativos daqui prá frente.
4. Incentivar os participantes a fazer saque e portabilidade: As regras em vigor permitem ao participante fazer saques, mesmo que limitados a 30% das reservas em alguns casos, e a optar pela portabilidade das reservas matemáticas para outro fundo de pensão, nesse último caso, desde que opte por isso um dia antes de se aposentar. Essas medidas ajudam a encolher o tamanho do problema representado por compromissos de benefício definido, permitindo que as empresas ganhem mais controle sobre um risco financeiro que é altamente volátil.
É difícil entender porque os planos de benefício definido ainda aterrorizam o Brasil Corporativo mesmo diante de excelentes oportunidades para aliviar o problema. Talvez todo mundo esteja esperando por uma melhora nas condições de mercado (i.e., novos aumentos da taxa de juros e quem sabe, uma reanimação da bolsa). Bom, se o mercado colocou todo mundo nessa confusão, certamente ele pode puxar todos para fora né? Não obstante, esperar que o mercado faça o trabalho já se provou um tanto quanto infrutífero e caro. Eu sugiro agirmos agora e fazermos os mercados trabalharem para nós.
O que você acha?
Atenciosamente,
Gerente de Tesouraria
Nota: O e-mail acima não se baseia em nenhum fato real e todos os personagens, figuras e descrições foram fantasiados. Qualquer semelhança com situações financeiras ou com estratégias de empresas e/ou fundos de pensão específicos terá sido mera coincidência.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “Repairing a Pension Plan” escrito por Patrick Guido para o Capital Markets.
Crédito de Imagem: MMC