“Estou com todas as luzes acesas. Só tenho 100 quilos de combustível. Vejo duas queimadas e vou tentar o pouso”.
Na noite de 03 de dezembro de 1989, por volta das 21:00 horas, o Boeing 737-200 da Varig, Prefixo PP-VMK, pilotado pelo Comandante César Garcez, fazendo o voo RG254 na rota entre São Paulo e Belém, foi obrigado a fazer um pouso de emergência próximo ao município de São José do Xingú - MT.
Na aterrissagem, o impacto do avião contra as árvores causou a morte de 12 pessoas. Havia 41 passageiros e 6 tripulantes a bordo. O tempo estava bom, era uma noite clara, com lua cheia e não houve pane na aeronave. A tripulação cometeu um erro de navegação e o pouso de emergência foi consequência da falta de combustível.
Em aviação existe um conceito chamado de “ponto do não retorno”. O ponto do não retorno é aquele trecho da rota de um voo em que o combustível restante na aeronave não é suficiente para que o avião retorne ao aeroporto de partida, em caso de emergência.
A partir desse ponto, em caso de problema, a única saída para o piloto será procurar um aeroporto alternativo para pousar. No caso do voo RG254, só havia a floresta Amazônica...
A crença presente na atual regulamentação da previdência complementar, tanto em relação às entidades abertas como às entidades fechadas de previdência, é que seguradoras e fundos de pensão tem um horizonte infinito de tempo para se recuperar de momentos de crise e se lhes for concedido tempo suficiente, poderão sempre sair do buraco em que os mercados ou as circunstâncias os colocarem.
Os órgãos reguladores e de fiscalização – SUSEP e PREVIC - podem decretar a intervenção, respectivamente, nas entidades abertas e fechadas de previdência complementar e seus planos de benefícios, mas não há regras claras determinando em que situações uma intervenção deve se transformar em uma liquidação. Em que circunstâncias o dolorido ponto final deve ser escrito.
Comparando com o ponto do não retorno na aviação, seria o mesmo que dizer que o avião sempre terá combustível suficiente para pousar em qualquer lugar, não importa o que aconteça. Mas a realidade nos apresenta casos como o do voo RG254.
Infelizmente, situação similar aconteceu com o Aerus, o fundo de pensão da Varig.
A Varig deixou de recolher contribuições para o seu fundo de pensão quando a situação financeira da empresa começou a se deteriorar. O Aerus passou a ser o maior credor da Varig, fazendo com que houvesse uma concentração perigosa e excessiva no patrimônio do fundo.
Na medida em que a situação da Varig foi piorando, o buraco no Aerus só fez aumentar. A cada mês em que a empresa deixava de fazer contribuições, o déficit se agigantava, comprometendo de forma crescente a capacidade do plano de previdência pagar seus compromissos.
A certa altura, foi nomeado um interventor para o plano da Varig administrado pelo Aerus.
Aqui voltamos à questão inicial. Porque, essa intervenção não se transformou tempestivamente em uma liquidação extrajudicial? Porque não foi interrompida a sangria na capacidade do plano pagar benefícios, enquanto havia algo a salvar?
Seria preferível haver alguma redução nos benefícios previstos pelo plano, decorrente de uma liquidação extrajudicial, do que vermos comandantes de Boeing 747 dirigindo táxis especiais no Rio de Janeiro, por não poderem, simplesmente, mais contar com nenhum tostão do Aerus.
Até se pode entender que, sendo as companhias aéreas estratégicas para o país, nunca se imaginou que o governo fosse deixar a Varig quebrar. Mas, não se sabe bem porque, deixou....
Acaso tivéssemos em nossa regulamentação, regras claras determinando o ponto de insolvência de um plano de previdência complementar ou fundo de pensão, indicando a necessidade de liquidação do mesmo para evitar o aprofundamento de sua capacidade de arcar com os compromissos, o Aerus teria nos deixado um problema bem menor.
Nos EUA, de acordo com o “PPA - Pension Protection Act”, de 2006 (similar americano da nossa Lei Complementar 109/2001), um plano é considerado Seguro se tiver patrimônio para cobrir pelo menos 80% dos compromissos. Planos com níveis de cobertura entre 80% e 65% dos compromissos são considerados Ameaçados ou Seriamente Ameaçados. Planos com níveis de cobertura inferiores a 65% são considerados Críticos. O governo americano, através do PBGC – Pension Benefit Guarantee Corporation, pode pedir a liquidação de um plano de previdência ou fundo de pensão se constatar sua incapacidade de pagar os compromissos previstos no regulamento.
O fundo de pensão da cidade de Detroit, também nos EUA, está enfrentando questionamentos semelhantes na esteira do pedido de falência do município. Ou seja, não se pode assumir como premissa que o patrocinador, seja público ou privado, terá sempre capacidade de recuperação.
Claro que o risco sistêmico, sempre presente em liquidações de bancos, seguradoras, fundos de pensão e instituições financeiras, deve ser evitado.
Para se desenvolver ideias e soluções verdadeiramente originais para esse problema, temos que remover qualquer restrição. Se as restrições permanecerem intactas, todas as ideias acabarão sendo limitadas e as soluções serão insatisfatórias.
Esse é um assunto espinhoso, mas não pode haver desculpa para a falta de definição do ponto do não retorno na previdência complementar. Ainda mais em nosso sistema de previdência que, diferentemente daqueles existentes nos EUA e Inglaterra, não possuem qualquer garantia paras os participantes.
Forte abraço,
Eder
Fonte: Artigo escrito por Eder Carvalhaes da Costa e Silva
Crédito de Imagem: www.livrepouso.com.br