De São Paulo, SP.
14 de dezembro de 2012 poderia ter sido mais um dia tranquilo de inverno, na pacata cidade de Newton, com cerca de 30.000 habitantes, localizada no condado de Fairfield, no estado de Connecticut – EUA.
No entanto, as 09h35 da manha, Adam Lanza, um adolescente de 20 anos, entrou na Sandy Hook Elementary School, uma escola de ensino fundamental e atirou em 26 pessoas, das quais 20 eram crianças com idades entre seis e sete anos e as outras 06 eram funcionários e professores da escola.
Diante da comoção nacional, toda a população americana se mobilizou, na esperança de amenizar a dor e o trauma das crianças sobreviventes. De acordo com o New York Times, foram enviados 60.000 ursinhos de pelúcia e mais bicicletas do que o número de crianças na cidade de Newton.
As doações, que incluíam flores, brinquedos e uma serie de outros itens, chegavam aos montes, transportadas por caminhões que congestionaram os cruzamentos da pequena cidade. Sem ter onde armazenar as doações a prefeitura decidiu incinerar as flores e os ursinhos com a promessa de incorporar as “cinzas sagradas” em um memorial a ser construído para as vitimas.
Desperdício semelhante com doações foi notado em outras catástrofes, como no Ciclone Tropical Winston nas Ilhas Fiji, no Furacão Maria em Porto Rico e no massacre da população civil do Timor-Leste por forças militares pró-Indonésia, inconformadas com a declaração de independência.
Analisando as respostas ao Ciclone Tropical Pam, de março de 2015, o segunda mais forte a atingir a região sul do Pacifico e ao Ciclone Winston, de fevereiro de 2016, a pior tempestade da historia do hemisfério sul até hoje, a Cruz Vermelha Australiana descobriu que as doações de bens tangíveis - como cobertores, roupas e demais artigos físicos - enviadas pela Austrália para as regiões atingidas, criaram custos consideráveis para os governos locais e interromperam a cadeia de suprimentos humanitários.
Um relatório da Cruz Vermelha da Austrália mostra que nos poucos dias que se seguiriam ao Ciclone Tropical Winston, as Ilhas Fiji receberam 133 containers (entregues por navios) e 8.147 peças de carga solta (variando de pacotes a pallets) totalizando 83.315 metros cúbicos de mercadoria: o bastante para encher 33 piscinas olímpicas.
Apesar das inúmeras campanhas pedindo doações em dinheiro, as pessoas insistem em doar bens. Isso bloqueia a chegada de suprimentos vitais, termina muitas vezes indo parar em aterros sanitários e custam milhões de reais para armazenagem e distribuição—ironicamente, causando impactos negativos nos esforços prioritários para salvar vidas.
Mas afinal, quando uma catástrofe acontece, porque em vez de enviar dinheiro as pessoas doam bens, cujo transporte muitas vezes é impraticável e que nem sempre são úteis? Existe algum meio efetivo para dissuadi-los?
Psicologia Social e Comportamento
Para mudar esse comportamento é preciso, antes, entender o que leva as pessoas a agir assim e compreender as crenças interiores que motivam os doadores a enviar bens ao invés de dinheiro.
Existem poucos estudos sobre as motivações que levam as pessoas a fazer doações espontâneas de bens físicos. Também não há pesquisas avaliando se mensagens que solicitam doações em dinheiro (ao invés de bens físicos) são capazes de alterar o comportamento de prováveis doadores ou se existe uma maneira mais eficiente de encorajar as pessoas a doarem “cash”.
Com o intuito de entender esse comportamento, pesquisadores do “Behavioural Architects” em conjunto com o “Australian Council for International Development”, fizeram uma serie de entrevista e um estudo etnográfico longitudinal com pessoas que haviam feito doações espontâneas de bens físicos.
Veja o que eles descobriram:
- Apesar de suas boas intenções, as pessoas não param para pensar aonde suas doações vão realmente parar, tampouco se as doações terão um impacto positivo. Quando decidem fazer uma doação, os cérebros das pessoas tende a funcionar num modo emocional e intuitivo, oposto a um pensamento reflexivo e prospectivo
- Os doadores tendem a assumir que suas doações são práticas, imediatas, incorruptíveis, sempre chegam ao beneficiário pretendido e são geralmente melhores do que uma doação em dinheiro. Ao invés de procurarem informação que contrarie essas crenças, os pesquisadores mostraram que as pessoas procuram ativamente por informações que as confirmem (conhecido em psicologia como viés de confirmação).
- O viés da disponibilidade dos doadores – quando aquilo que nos vem a mente é o que pensamos que vai acontecer – explica porque eles pensam que a corrupção fará com que as doações em dinheiro nunca cheguem ao destinatário, ao passo que a imagem de pessoas recebendo e usando suas doações de bens físicos podem ser facilmente visualizadas em suas mentes. A publicidade negativa de escândalos onde doações em dinheiro foram desviadas, apenas reforça esse viés cognitivo.
- Assim que decidem fazer uma doação de bens físicos para uma causa humanitária, as pessoas geralmente divulgam essa intenção para amigos e grupos comunitários, fazendo-as se sentirem comprometidas e mais propensas a realmente doar (viés do compromisso, quando as pessoas formam imagens mentais para elas mesmos, aquilo que falam para fora é o que elas estão colocando para dentro).
Os estudos mostraram que ao invés de simplesmente divulgar/comunicar mensagens do tipo “doações em dinheiro são preferíveis”, para mudar o comportamento dos doadores teríamos que modificar a narrativa e a crença incorreta que eles têm sobre aonde suas doações vão parar.
Se quisermos gerar mais doações em dinheiro é preciso ressaltar a razão dessa ser uma solução melhor, não necessariamente por que ela é a mais correta, mas porque a alternativa (doar bens físicos) não está atendendo às necessidades daqueles que o doador quer ajudar.
Os pesquisadores testaram as seguintes mensagens para eventuais campanhas de doações:
- Em tempos de catástrofe, SOMENTE dinheiro se transformará naquilo que as pessoas mais precisam
- Em tempos de catástrofe, doações em bens físicos congestionam as linhas de logística impedindo que os suprimentos essenciais cheguem ao seu destino. Doações em dinheiro vão direto para as zonas atingidas e não bloqueiam a cadeia de suprimentos
- Em tempos de catástrofe, os bens físicos demoram entre 2 e 4 meses para chegar nas zonas atingidas. A maioria das pessoas doa dinheiro porque se transforma mais rápido em ajuda
- · Muitos doações de bens físicos enviadas para as zonas de desastre acabam em aterros sanitários porque os esforços no local da catástrofe se concentram em salvar vidas, não em desempacotar doações de bens físicos
A ultima mensagem foi muito mais eficaz do que as demais. As pessoas avisadas que a maioria das doações físicas acabavam indo parar em aterros sanitários foram 50% menos propensas a fazer doações físicas no futuro. O mais importante: essa mensagem foi duas vezes mais eficaz do que a mensagem tradicional amplamente utilizada nas campanhas solicitando doações em dinheiro.
Se por um lado as doações em dinheiro também não são perfeitas, quando o desastre acontece o consenso é que o envio de dinheiro é mais eficaz que o envio de bens físicos.
Mensagens alertando os doadores sobre aonde, potencialmente, podem ir parar suas boas intenções, podem salvar vidas. Essa pode ser uma mudança de jogo para as organizações que lidam com crises humanitárias, ajudando a levar efetivamente a ajuda para aqueles que dela necessitam e evitando a perda de dinheiro e recursos ao longo do processo.
Poupar dinheiro para a aposentadoria
Fazendo um paralelo com a área de previdência complementar, para sensibilizar as pessoas a pouparem DINHEIRO para a aposentadoria, seria mais eficaz mostrar aposentados que não pouparam e hoje enfrentam dificuldade, do que filmar depoimentos daqueles que estão muito bem de vida porque fizeram o dever de casa e hoje estão usufruindo de seus planos de aposentadoria.
Numa visão mais abrangente, esse é também um bom exemplo de que primeiro é preciso investir tempo para entender as crenças erradas das pessoas. Assim como no caso das doações e da sensibilização da importância de poupar para a aposentadoria, isso pode ajudar a colher frutos consideráveis quando se quer mudar um habito ou um comportamento.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “Teddies for Timor” and the Perils of Good Intentions”, escrito por Crawford Hollingworth e Liz Barker
Credito de Imagem: rapidonoar.com.br
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