Crédito de Imagem: https://soundcloud.com/colombiano/el-tunel-del-tiempo
De São Paulo, SP.
Num mundo com informações ilimitadas ao alcance de todos, parece que pensar por si mesmo está se tornando irracional e o espaço para opiniões divergentes vem encolhendo.
Isso não é nada bom.
O “Lance Atual”
Ben Thompson - um analista de negócios, tecnologia e mídia americano, baseado em Taiwan – descreveu bem como a cultura da Internet está prejudicando o livre pensamento.
Ben fala de um meme que rola na Internet conhecido por “The Current Thing”, algo tipo “O Lance Atual” em tradução livre. Para os não iniciados, o meme zomba daquele pessoal nas mídias sociais que está sempre disposto a mostrar seu apoio ao .... lance atual.
O “lance” é geralmente uma causa política, um grupo social ou um assunto qualquer que vira notícia na grande imprensa e a galera das mídias sociais corre para mostrar seu “apoio” adicionando um símbolo à sua foto do perfil – tipo uma máscara anti-covid, uma bandeirinha da Ucrânia ou um logo do black lives matter.
Quem já não viu um desses ou até quem já não fez isso?
Recentemente, nesse tweet abaixo, Elon Musk zombou desse meme para chamar a atenção ao seu apoio à Ucrânia, na guerra contra a Rússia:
Ao se posicionarem, as pessoas mostram ao mundo que escolheram um lado e isso satisfaz a necessidade humana que os indivíduos têm de pertencimento. Porém, ao “pertencer” a um dos lados as pessoas automaticamente se opõem ao outro e se fecham a toda e qualquer ideia que pareça ameaçar o lado que escolheu.
Uma vez que optam por um dos lados, as pessoas renunciam à responsabilidade de pensar por si mesmas e na maior parte das vezes, sequer de pensar.
Minha experiência durante a pandemia ilustra bem isso. Tomei todas as três doses da vacina anti-covid assim que ficaram disponíveis para minha faixa etária, sempre usei a máscara e adotamos aqui em casa todos os protocolos de proteção recomendados. Nem por isso, deixo de ler artigos científicos que ressaltam os riscos e efeitos colaterais associados às vacinas e não tomo pelo valor de face os pronunciamentos sobre sua segurança vindo dos laboratórios e representantes das farmacêuticas que as produzem. Acredito que as autoridades possuem um papel importante na proteção a saúde publica, mas ao mesmo tempo avalio que o STF e a OMS pisaram na bola, cometeram erros, se envolveram em conflitos de interesse e colocaram a política na frente da saúde dos cidadãos, coisas que precisam ser discutidas abertamente.
Falar sobre essas coisas, seja online ou off-line, é muito complicado apesar das questões individualmente não serem controversas em si mesmas. O problema é que algumas delas pertencem a um lado e outras pertencem ao outro lado.
Então, você pode falar sobre algumas questões com certas pessoas e falar sobre outras questões com outras pessoas. Mas falar de ideias do Lado A para pessoas do Lado B, faz as pessoas automaticamente assumirem que você acredita em tudo o mais que as pessoas do Lado A acreditam. Por exemplo, alguém que coloque em dúvida se crianças pequenas deveriam usar máscara em parquinhos, em ambientes abertos, faz com que essa pessoa seja rotulada como anti-vacina, negacionista das mudanças climáticas, contra o voto eletrônico etc.
Nessa guerra de posições as pessoas acreditam que aqueles que não estão totalmente do seu lado são seus inimigos, isso é ruim por vários motivos. Joga as pessoas umas contra as outras, faz parecer que discordam de mais aspectos do que realmente discordam e ao juntar todas as ideias em um único bloco acaba ressaltando apenas as diferenças, deixando as convergências de fora.
Há uma consequência ainda pior, quando apoiamos um conjunto de ideias (i.e. apenas um dos lados) ao invés de pensarmos sobre cada uma delas de forma independente assumimos o risco de dar apoio a coisas das quais discordamos inteiramente.
Por que fazemos isso? Por que as pessoas escolhem um lado? Porque faz sentido. Quando existe muita informação para ser processada, a maneira mais racional de opinar é escolher um lado e seguir com a maré. Isso é não apenas uma questão de conveniência, mas também uma forma racional de evitar riscos. Se todo mundo acredita em determinada coisa, o custo de acreditar em algo diferente aumenta dramaticamente, tornando o consenso a única opinião viável.
A burrice
O Lance Atual nos remete a um episodio antigo do podcast chamado Café Brasil, no qual Carlos Magalhães (apelidado de Guto) falava de burrice. De forma irônica, Guto dá uma sacudida em todos nós.
Em primeiro lugar, dizia ele, a burrice não pode ser confundida com falta de informações. Isso é ignorância. Há pessoas ignorantes muito inteligentes. E há pessoas muito informadas e muito burras. Em segundo lugar, continua ele, a burrice também não pode ser confundida com doença mental. Terceiro, prossegue Guto, burrice não é sinônimo de desrazão. E razão não é sinônimo de inteligência. Na opinião dele, a burrice é uma questão de escolha. Todos os humanos nascem com o mesmo equipamento cerebral. O uso ou o não-uso daquilo que a evolução nos deu é opcional. Muitas pessoas optam por não usar. Esses, conclui ele, são os verdadeiros burros.
E Guto segue teorizando. Pensamentos complexos só podem prosperar quando a “memória de trabalho” está amplamente disponível. Quando essa memória é muito pequena, o indivíduo não é capaz de trabalhar com mais de duas variáveis, com sinais sempre opostos (tipo, se A é verdade, logo B é falso). É próprio do pensamento monofásico a desconexão entre os diferentes blocos de ideias. Por isso os burros caem sempre em contradição, embora nunca percebam esse detalhe. Ou pior, acreditam-se muito coerentes.
Os burros gostam muito de frases peremptórias. Em geral são muito sérios. E quanto mais sérios, mais burros. Mas a principal característica de todos os burros é a crença inabalável. São crentes. Acreditam em uma realidade externa, objetiva e estável que pode ser fielmente representada pelas palavras. Acreditam que as palavras são etiquetas que se colam a coisas reais. Desconfiam de todos que não usam as etiquetas que consideram corretas. Se a burrice é opcional, a crendeirice não o é. É efeito colateral da escolha. E esse efeito, depois de acometer aquele que optou pela parvoíce, não o abandona mais.
Enfim, burrice não tem cura, finaliza Guto.
O futuro da previdência
Treze anos atrás criei um blog e comecei a escrever artigos sobre previdência (Blog do Eder). Já publiquei mais de 875 textos por lá e durante a pandemia, também passei a republicar posts e artigos no LinkedIn.
Escrevo principalmente sobre o futuro dos fundos de pensão, pois tenho paixão pelo setor e gosto de compartilhar meus conhecimentos e minha visão de mundo. Nem tudo que eu publico, às vezes pelo estilo, outras pelo conteúdo, agrada a todos. Como tem que ser mesmo.
Obvio que não escrevo para desagradar nem para agradar ninguém e quando isso acontece é apenas um dano ou um efeito colateral, não intencional, fazer o quê né ... é o preço de escrever, de me expressar publicamente.
Se quisermos, no mundo real, avançar em direção ao futuro dos fundos de pensão, teremos que buscar a convergência de ideias, sem paixões, sem aderir incondicionalmente a qualquer grupo de convicções e sem, nunca, em momento algum, jamais, abdicar da independência de pensamento.
Todos nós, em certos momentos da vida, já nos vimos (ou nos veremos) atuando com as características descritas pelo Guto, seja por teimosia, vergonha de mudar radicalmente de ideia, ou qualquer outra razão que a própria razão desconhece. Em outros momentos, nos pegaremos aderindo incondicionalmente, na Internet ou fora dela, ao lance atual.
Diferentemente do Guto, eu acho que burrice tem cura, bastando para redenção, reconhecer quando formos tomados por ela.
Portanto, vão aqui dois pedidos. Primeiro: quando estiverem lendo qualquer texto meu ou discutindo sobre o futuro dos fundos de pensão, tomem cuidado para são serem traídos pelo lance atual. Segundo: quando vocês me virem acometido pela burrice, ninguém é imune a ela, por favor, me avisem, me alertem, que eu corrijo ...
Grande abraço,
Eder.
Fontes: Abrogation Theory, escrito por Dror Poleg e A Burrice, texto de Carlos Guimarães (Guto)