sexta-feira, 15 de maio de 2020
FASE 4 DA CRISE – COVID-19
De São Paulo,SP.
Dois dias antes do Natal de 2019, quando íamos nos aproximando do ano novo e da entrada em um novo milênio, escrevi um artigo perguntado para o leitor qual seria sua previsão para o futuro. O rumo que o mundo tomou logo depois disso era imprevisível e jamais escrevi um texto sobre como essa pandemia começou (teria sido a “Fase 1 da crise do COVID-19”). Talvez o faça quando isso tudo terminar e soubermos o que de fato aconteceu.
Na primeira fase da pandemia estávamos identificando a ameaça, na segunda passamos a responder a mesma e na terceira começamos a avaliar e monitorar se as respostas estavam surtindo efeito.
Entramos agora na Fase 4, caracterizada por mais perguntas do que respostas, sem uma vacina contra o vírus Sars-CoV-2 e ainda procurando identificar remédios para curar os doentes graves e evitar mais mortes.
O único consenso que vem se desenhando é que essa crise não tem apenas um conjunto de consequências. Não por acaso, nessa fase da crise as atenções começam a sair da atual visão unívoca da saúde e a considerar outros aspectos, que também podem tirar vidas, como os impactos na economia.
De acordo com um indicador econômico criado pelo banco do estado de Nova York - EUA, essa crise econômica é três vezes pior do que a grande recessão de 2008 (gráficos abaixo). O indicador é o WEI (Weekly Economic Index) e representa a expectativa de crescimento do PIB americano medida a partir da atividade econômica real. Reflete o comportamento de 10 variáveis, desde do consumidor, passando pelo mercado de trabalho, pela produção industrial, pelo consumo de energia, pelo tráfego ferroviário, por pedidos de seguro desemprego etc.
Reproduced from Federal Reserve Bank of New York; Chart: Axios Visuals
Título do filme: O retorno
As empresas começam, portanto, a discutir o “grande retorno” ao trabalho. Países em diferentes regiões do mundo planejam uma reabertura segura do comercio, indústrias, serviços, escolas. Com cada país adotando medidas ao seu modo e sem um alinhamento global, ninguém sabe o que acontecerá.
O retorno ao trabalho é algo bem mais complexo do que parece. Por exemplo, se as montadoras de automóveis puderem retomar a produção, mas um fabricante de autopeças for esquecido. Isso quebrará a cadeia de suprimentos e simplesmente impedirá a fabricação de carros pela falta de algum componente crítico.
O estoque, transporte e produção de bens, enfim, toda a cadeia de suprimentos, serão fundamentalmente remodelados depois dessa crise, com prováveis impactos na globalização, conforme relatório do "The Economist".
Nem mesmo as empresas têm uma posição única sobre a volta ao trabalho. O Twitter informou que deixará os empregados trabalhando em home office para sempre. Foi a primeira grande empresa de tecnologia a implementar essa politica (Buzzfeed). Já a Apple vai no sentido contrário, espera que os empregados retornem aos escritórios em breve (Bloomberg).
As certezas ainda são poucas, mas uma delas é que ao sairmos de casa e voltarmos ao trabalho, encontraremos um mundo diferente. Aqueles espaços abertos que estavam virando moda – os “open offices” – dizem que isso já era. Elevadores lotados, esquece, são coisa do passado.
As dúvidas são muitas. As pessoas serão convidadas a voltar em fases? Quem voltará primeiro? As empresas vão testar os empregados para impedir que os contaminados não voltem? Como farão esses testes? Terão máscaras e álcool gel para todos?
Mesmo que você costume ir trabalhar a pé ou de bicicleta, como vai se proteger dos colegas de trabalho que pegam transporte publico? Como lidar com riscos potenciais em torno da privacidade, da ética e de questões legais numa situação como essa?
Uma empresa de serviços financeiros dos EUA chamada “Jefferies” se dirigiu aos empregados com uma solução que evita qualquer discussão ou risco legal:
“Deixaremos que cada um de vocês, baseado em sua própria avaliação, tome a decisão (de retornar ao trabalho) ... não haverá pressão de ninguém da empresa para levá-lo a fazer qualquer coisa que te deixe desconfortável ou inseguro”.
Porem, não espere a adoção da “holacracia” pelas empresas.
Holacracia é um sistema organizacional onde a autoridade e a tomada de decisão são distribuídas a uma holarquia de grupos auto-organizados, abrindo mão, assim, da corrente hierarquia vigente. A Holacracia já foi adotada em organizações lucrativas e não lucrativas na Austrália, Alemanha, EUA, França, Nova Zelândia, Suíça e Reino Unido.
Triagem na porta
Permitir que empregados e clientes voltem para empresas e restaurantes aumentará o risco de novos surtos de contaminação, a menos que se possa identificar os potencialmente infectados.
Por isso, no centro das discussões sobre a reabertura das empresas está a triagem para identificar os infectados pelo Sars-CoV-2. Empregados, clientes, visitantes, fornecedores, hospedes, ninguém deverá retornar se estiver infectado.
O problema é que muitas soluções para fazer essa triagem e separar os doentes dos saudáveis não foram testadas antes podendo, ainda, ser consideradas vigilância intrusiva.
Uma empresa chamada KastleSafeSpaces desenvolveu um sistema de controle de acesso que, além de funcionar sem contato físico, usará câmeras para medir a temperatura corporal e procurar outros sintomas da COVID-19 em cada empregado. Não para por aí. Uma vez dentro da empresa, os empregados passarão a ser monitorados por outro sistema de câmeras inteligentes para reforçar o respeito ao distanciamento social no ambiente de trabalho.
Outra empresa chamada CLEAR, conhecida por desenvolver sistemas de segurança biométrica para aeroportos, está oferecendo um produto que busca dados de saúde a partir da identidade do empregado verificada digitalmente.
Até a PwC desenvolveu um aplicativo que permite identificar os empregados que foram expostos no ambiente de trabalho aos colegas que testarem positivo para o COVID-19.
Impossível saber o nível de eficácia de qualquer uma dessas e de outras soluções. Câmeras térmicas infravermelhas para medir a temperatura a distância foram liberadas para venda sem passarem por testes e aprovação dos órgãos de saúde publica. Mesmo sabendo-se que não funcionam, porque tem acurácia ruim e produzem resultados muitas vezes imprecisos.
Ainda que toda essa parafernália funcionasse, não necessariamente identificaria os empregados que apesar de infectados são assintomáticos ou daqueles que ainda não apresentaram os sintomas, como frequentemente acontece com muitos casos de COVID-19.
Muitas liberdades civis perdidas em nome da luta contra o terrorismo logo após o 11 de setembro, demoraram mais de uma década para serem recuperadas. Pode-se esperar algo ainda pior na esteira do COVID-19, potencializado por novas tecnologias digitais invasivas que buscarão vigiar a saúde individual em nome do coletivo.
A sombra de ações judiciais no retorno ao trabalho
Um excelente artigo da Revista "Business Isurance" chamou a atenção essa semana para os riscos legais que rondam a volta controlada ao trabalho.
Eles alertam as empresas, de forma bastante apropriada, para potenciais alegações de discriminação ao selecionarem empregados específicos para retornarem ao trabalho. Falam da proteção legal (nos EUA) aos empregados que precisam ficar em casa para cuidar dos filhos e daqueles que perderam parte do salario por terem que ficar em casa e gostariam de voltar, mas serão impedidos em detrimento de outros.
Outra questão delicada nessa volta ao trabalho se refere ao estado psicológico. Digamos que a empresa determine o retorno de determinado empregado que esteja sentindo medo de voltar por causa do contágio. Ele pode alegar que se sentiu pressionado num momento de desequilíbrio psicológico avocando a legislação trabalhista que lhe assegura ficar em casa sob afastamento por doença.
Existem inúmeros casos de discriminação possíveis. Por exemplo, a empresa determina a volta de um empregado com 35 anos de idade, mas não permite a volta de outro com 65 anos por entender que pertence ao grupo de risco. Isso pode facilmente ser considerado discriminação.
Por fim, com o home office surgirão litígios trabalhistas em torno da carga de trabalho porque as empresas simplesmente não estão controlando o número de horas trabalhadas por dia e muitas sequer estão respeitando os intervalos para refeição.
Enquanto isso ...
Um restaurante na Virginia-EUA que está se preparando para reabrir, para reforçar a necessidade de distanciamento social e aliviar a sensação de vazio, coloca manequins nas mesas que terão que ficar vazias.
O sistema de vídeo conferências Zoom virou uma febre e vem sendo usado ate em chamadas para checar se os cachorros estão indo bem:
E o mundo se mobiliza: há em andamento mais de 1.500 testes clínicos, 535 investidores, 420 empresas, 240 cientistas, 190 universidades, laboratórios e centros de pesquisa, 95 remédios candidatos a tratamento, 85 candidatos a vacina, 50 agencias de fomento, 45 tecnologias preventivas e 40 kits de testes, tudo trabalhando para neutralizar a pandemia criada pelo novo coronavirus.
Em breve, Fase 5 da crise do Covid-19. Até lá, se cuide.
Grande abraço,
Eder
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