quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Uma piscada no aumento da longevidade e seus impactos na previdência



São Paulo, SP.

Ao projetar as taxas de mortalidade, os atuários partem dos níveis atuais de mortalidade – ou seja, os percentuais de pessoas que morrem nas várias idades – e fazem estimativas sobre como esses percentuais deverão se alterar no futuro, levando em conta fatores como o desenvolvimento de novos tratamentos médicos e mudanças na incidência de obesidade e tabagismo na população.

A disseminação da prescrição de estatinas para redução do colesterol nos anos 90, para citar um exemplo, foi um dos grandes responsáveis pela melhoria da longevidade naquele período. Melhorias similares na longevidade podem ser esperadas caso a medicina descubra uma cura para o câncer, para a doença de Parkinson ou para o Alzheimer.

De acordo com análises dos meus colegas americanos da Society of Actuaries (SOA) - uma espécie de órgão de classe de atuários americanos - as taxas de mortalidade nos EUA para pessoas com mais de 50 anos tem melhorado, em média, 1% a cada ano desde 1950.

Entre 2000 e 2009 essa tendência de aumento na longevidade pareceu se acelerar, com melhorias anuais de 1,5 a 2 por cento — mas então, esses ganhos foram interrompidos. De 2010 a 2014 as taxas de mortalidade estavam aumentando num ritmo menor, somente cerca de meio por cento ao ano.

Em 1970 um Americano do sexo masculino com 65 anos de idade poderia esperar viver, em média, mais 15,2 anos, passando um pouco do seu 80º aniversário. Em 2010, um homem de 65 anos poderia esperar chegar até os 84 anos de idade.
 
Desde então, porém, diminuiu o ritmo desses aumentos na longevidade. A expectativa de vida aos 65 anos subiu apenas quatro meses entre 2010 e 2015 – metade da melhoria registrada entre 2005 e 2010.




Em 2014 a Society of Actuaries atualizou suas tábuas de mortalidade referenciais pela primeira vez desde o ano 2000, para refletir os ganhos significativos na expectativa de vida verificados ao longo de 2008 – essa grande revisão projetava aumentos futuros tendo por base, parcialmente, a continuidade daquela tendência de aumento verificada até 2010.
A projeção pela SOA de aumentos contínuos na longevidade, fez com que muitas empresas revisassem para cima o cálculo de suas obrigações com a manutenção de planos de previdência complementar.  

Porém, conforme verificado posteriormente, aquelas premissas sobre a alta velocidade com que as taxas de mortalidade continuariam melhorando, se mostraram muito otimistas.
As atualizações dos últimos dois anos, baseadas em dados mais recentes sobre a mortalidade, puxou para baixo as estimativas das empresas sobre o tamanho de seus compromissos com os aposentados.

A revisão da mortalidade de 2016, tudo o mais mantido constante, diminuiria o passivo dos planos de previdência complementar em torno de 1,5 a 2 por cento de acordo com um relatório da SOA.

Mas dados fidedignos de mortalidade demandam um longo tempo para serem compilados, de modo que a revisão das estimativas publicadas em 2016 incorporou dados de mortalidade verificados apenas até 2014.
A foto de 2015, mesmo assim, parece desanimadora para a melhoria da longevidade: a taxa geral de mortalidade nos EUA aumentou naquele ano, conforme reportado pelo CDC – Centers for Disease Control and Prevention, uma agência do governo americano que mantem, dentre outros, dados estatísticos sobre mortalidade.
A porção dos americanos que morreram em 2015, ajustada por idade, mostra um ligeiro aumento na taxa de mortalidade.
Enquanto as taxas gerais de mortalidade são influenciadas pelas mortes entre a infância e as idades avançadas, os pagamentos da previdência dependem, essencialmente, de quanto tempo as pessoas sobrevivem após os 65 anos, idade em que a maioria das pessoas se aposenta.
Ainda assim, olhando-se apenas as pessoas com idades acima de 65 anos, as taxas de mortalidade também pioraram em 2015 para esse grupo. Esse foi o primeiro retrocesso no aumento da longevidade desde 1999.

 
Por isso, no período de 2015 – 2016 ao menos 12 grandes empresas, como Verizon e General Motors, informaram que essa escorregada recente na melhoria da mortalidade levou a redução de suas estimativas do aumento do compromisso com o benefício de aposentadoria corporativo, uma diminuição de US$ 9,7 bilhões no conjunto das obrigações dessas empresas, segundo análises da Bloomberg. 
A revisão das premissas de mortalidade, refletindo uma diminuição no ritmo de melhoria da longevidade, levou a Lockheed Martin a ajustar para baixo o impacto dessa premissa sobre suas obrigações com o plano de aposentadoria, uma diminuição de cerca de US$ 1,6 bilhões em 2015 e 2016, conforme indicado em seu relatório anual.
As tendências no ritmo de evolução da mortalidade representam apenas uma pequena parte das variáveis envolvidas no cálculo dos compromissos com planos de previdência. De fato, outros fatores levaram a um aumento dos passivos previdenciários da Lockeed no ano passado quando se analisa o total das obrigações.  
Variáveis como taxa de juros, retorno dos investimentos, crescimento salarial e custos de assistência médica podem causar grandes oscilações no valor dos compromissos que as empresas possuem com seus aposentados.
O fato das pessoas estarem morrendo ligeiramente mais cedo não vai eliminar por completo do balanço das empresas o compromisso com seus planos de previdência complementar - mas o fato delas estarem levando isso em consideração mostra a importância que tem essa inversão na tendência da mortalidade.
Essa tendência não é restrita aos EUA, ela é mais ampla.  Em julho de 2017 uma publicação de atuários do Reino Unido, mais especificamente do Comitê de Estudos da Mortalidade do Institute and Faculty of Actuaries, descobriu que Canadá, EUA e Reino Unido vêm experimentando desde 2011, uma desaceleração semelhante na melhoria da mortalidade.
Mudanças na expectativa de vida no Reino Unido podem cortar £ 310 bilhões em obrigações dos planos de previdência complementar Britânicos, o equivalente a 15% de todo o passivo existente, segundo estimativas feitas pela PWC em maio de 2017. Há atuários que considerarem esse número superdimensionado.
Não existe resposta simples para explicar porque os ganhos na longevidade estão desacelerando. Durante anos economistas e especialistas em saúde pública vem tentando descobrir nos EUA o que está por trás dessas tendências recentes, dentre elas o aumento das taxas de mortalidade para certos grupos demográficos.
Alguns estudiosos sugerem que a mortalidade está aumentando para o americano branco, de meia idade, em função de suicídios, overdose de drogas e alcoolismo, coletivamente referenciada algumas vezes como “morte dos aflitos”. As mulheres têm sido particularmente afetadas.
Essa inflexão no ritmo de evolução da mortalidade não afeta apenas o mundo corporativo, também afeta o sistema de previdência social do governo. Os dados mais recentes disponíveis hoje “mostram que as reduções contínuas na mortalidade no mundo real tem sido geralmente menores do que aquelas projetadas”, de acordo com um relatório de julho de 2017 elaborado pelo atuário chefe da previdência social americana.
A melhoria na longevidade em 2017 se mostrou menor do que aquela que havia sido projetada no relatório do ano anterior, de 2016, levando a uma ligeira melhora da situação financeira do sistema.
Ainda não está claro o que significa para o setor público o declínio nos ganhos da expectativa de vida, mas o efeito nos passivos tende a ser similar aquele do setor privado. 
A questão que os atuários ainda não conseguem responder é se essa desaceleração é um “soluço” de curto prazo ou uma mudança mais permanente que vai persistir ao tempo. Se a mortalidade melhorou 1 por cento ao ano durante os últimos 70 anos, vamos voltar rapidamente para essa trajetória ou estaríamos entrando em uma nova fase demográfica?
Note-se que estamos verificando uma desaceleração no ritmo de melhoria da longevidade, mas não um declínio da expectativa de vida.
Afora uma guerra ou uma epidemia, não é comum e chega a ser alarmante que a expectativa de vida nos países desenvolvidos pare de melhorar, imagina então, piorar.

Não temos dados demográficos em nível de detalhe que permita saber como essas variáveis se comportam no Brasil, onde nos ressentimos de centros de estudos, dados, estatísticas e pesquisas acadêmicas mais aprofundadas de demografia e atuária.

Não obstante, o fato desse comportamento ter sido verificado em diversos países é um indicativo de que podemos estar caminhando na mesma direção.


Grande abraço,

 Eder.

 
 
Fonte: Adaptado do artigo “Americans Are Dying Younger, Saving Corporations Billions”, escrito por John Tozzi Crédito de Imagem: images-blogger-opensocial.googleusercontent.com
 
 
 

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