segunda-feira, 26 de março de 2018

Se a culpa é do vizinho – poupe mais para a aposentadoria







De São Paulo, SP.

Será que estamos destinados a uma eterna insatisfação com aquilo que temos?

Imagine a seguinte cena: você se sente nas nuvens ao acabar de tirar da concessionária o seu carro zero km, estiloso, moderno e muito confortável. Conseguiu se livrar da sua antiga lata velha, que além do risco de te deixar na mão era um carro feioso, enferrujado e ultrapassado.

Mas, o que é isso que você vê pelo canto do olho ao chegar na garagem da sua casa? Seu vizinho, a família Silva, também tem um carro novo? Só que o deles é maior, mais potente e mais bonito do que o seu? Que chato! Isso tem tudo para estragar o seu dia.
Esse é um bom exemplo para mostrar como nós, seres humanos, temos uma estranha irracionalidade. Seu novo “possante” atende a todas as suas necessidades ... com uma exceção, os Silva tem um melhor.

Para avaliar o valor de um carro nós não olhamos apenas para praticidade e características materiais, como espaço no banco de trás, aceleração, consumo e design, ou mesmo para a satisfação emocional de sentar nosso “derrière” num banco de couro e fitar aquele famoso emblema no centro do capô.

Também queremos que seja um carro que nos posicione pelo menos em pé de igualdade com nossos colegas de trabalho, amigos e sim, vizinhos. Isso também se aplica a moradias, férias, roupas e até educação: não podemos ficar atrás dos Silva.


Posicionamento dos bens

Os economistas chamam isso de posicionamento dos bens, um termo cunhado pelo economista Fred Hirsch, que morreu prematuramente aos 46 anos de idade. Hirsch observou que as pessoas não se satisfazem em ter uma vida melhor do que tiveram seus pais e avós. Se todo mundo é classe média, então não existe classe média. Para ser classe média de verdade, você também precisa estar melhor do que seus vizinhos, o que significa comprar bens que eles não podem se dar ao luxo de comprar.

Essa posição relativa em relação aos nossos pares é muito semelhante a um fenômeno evolucionário. Não é a altura absoluta de uma flor que determina a quantidade de sol que receberá: o que realmente importa é que seja mais alta do que as flores ao redor.

Para realmente impressionar uma companheira em potencial, um pavão precisa ter uma cauda maior e mais bonita do que a de seus rivais. Para se tornar o líder da manada, um alce macho tem que ter uma galhada mais grandiosa do que os demais.


 
“Ei vizinho, o que acha dessa galhada, heim?”

Não é surpresa, portanto, que tenhamos tendência a comparar nossos salários com o de nossos colegas. Em 1991 Amos Tversky e Dale Griffen publicaram um estudo no qual ofereciam a estudantes do ultimo ano universitário, dois possíveis trabalhos após se formarem: o primeiro pagando R$ 2.900 por mês numa empresa na qual as pessoas com o mesmo nível de experiência recebiam salários de R$ 3.100 por mês ou outro, pagando R$ 2.700 onde colegas recém-formados ganhavam R$ 2.500. 
Resultado, 62% dos estudantes responderam que se sentiriam mais felizes no emprego ganhando menos, mas com salários acima dos colegas.
Esse não é apenas um fenômeno detectado em pesquisas de laboratório. O viés da ilusão de superioridade mostra que não gostamos de receber menos do que nossos colegas, afinal, temos convicção de que somos melhores do que a maioria deles.

A corrida por melhores salários
Por esse mesmo motivo foi que falharam os esforços para reduzir a remuneração dos altos executivos, obrigando as empresas a serem transparentes e divulgarem seus salários. Em 2012 um estudo feito por Cornelius Schmidt sobre a evolução da remuneração de executivos na Alemanha logo após uma reforma nas regras de governança ter tornado obrigatório divulgar o pacote de remuneração dos executivos-chave. Ele concluiu que “o aumento na divulgação pode causar um efeito reverso, levando a níveis mais elevados de remuneração, o que explicaria a remuneração excessiva observada recentemente”.

Essa queda de braço por melhores salários individualmente reduz o bem estar de todos, argumenta Robert Frank, um economista que vem estudando por décadas o fenômeno de posicionamento dos bens. Em seu livro The Darwin Economy, (“A Economia de Darwin”, em tradução livre) ele compara a evolução da velocidade das gazelas com o aumento no tamanho da galhada dos alces machos.

Para as gazelas, ficar mais rápido significa aumentar a chance de escapar das onças. Isso confere uma vantagem tanto aos indivíduos quanto a espécie como um todo.

Já nos alces, a principal razão de uma galhada grande é combater outros machos, significando que a seleção natural levará ao desenvolvimento de galhadas ainda maiores e vistosas. O que será benéfico aos indivíduos será, na verdade, prejudicial para toda a espécie: uma matilha de lobos certamente terá mais facilidade para caçar um alce carregando 18 kg de protuberância óssea na cabeça. Uma galhada grande é inútil, assim como é, para nós humanos, querer carros melhores e rendas maiores do que os de nossos vizinhos.

E se não forem apenas indivíduos a sentirem que estão sendo deixados para trás, mas sim grupos populacionais inteiros?

Discriminação por gênero ou etnia na remuneração é um problema recorrente. A discussão surgiu novamente nos jornais do Reino Unido há alguns meses quando Carrie Gracie, editora chefe da BBC na China, pediu demissão por ter salário muito inferior ao de seus colegas editores.

Um relatório feito pela PwC encontrou uma diferença inferior a 7% nos salários de 824 jornalistas da BBC. Isso implica, necessariamente, que existe um viés na definição dos salários na BBC (o relatório alega não ter encontrado nenhum)? Um dos problemas é a dificuldade de controlar os fatores que não estão relacionados ao gênero na definição dos salários. Essa falta de clareza significa que é difícil conduzir um debate produtivo: estamos falando de salários anuais ou por hora? Estamos misturando empregos temporários com tempo integral? Estamos, de fato, comparando laranja com laranja?


O que está por trás da diferença?


Um estudo bastante recente conduzido por cinco economistas analisou 740 milhões de corridas de taxi na plataforma Uber e pode lançar alguma luz sobre essa discussão.

Coincidentemente, a diferença na remuneração por hora entre motoristas homens e mulheres do Uber foi de 7% - muito próxima daquela encontrada entre os jornalistas da BBC. Esse resultado (tabela abaixo) surpreendeu os autores. Eles esperavam que os algoritmos que alocam as corridas para os motoristas teriam evitado qualquer discriminação, já que tais algoritmos são simplesmente cegos para a questão de gênero.

Um dos economistas, especializado em economia comportamental, chegou a prever uma ligeira vantagem para as mulheres: por trabalharem menos, poderiam escolher as horas mais produtivas durante a semana e os passageiros, pensou ele, dariam preferência a motoristas mulheres.


Mas não, uma vantagem de 7% para os motoristas do sexo masculino ... como isso seria possível? Eles descobriram que a diferença era completamente explicada por causa de três fatores:
 
  • Primeiro: experiência do motorista, explicava 1/3 da diferença - a experiência favorecia os motoristas que dirigiam muito e estavam na profissão por mais tempo, eles sabiam melhor, por exemplo, qual corrida aceitar e quais rejeitar;
  • Segundo: responsável por 20% da diferença - era a decisão de onde rodar, os homens tendem a escolher as localidades mais lucrativas, rodar a noite etc.;
  • Terceiro: o fator preponderante, explicando metade da diferença – velocidade media, os homens correm mais, ou seja, dirigem mais rápido, portanto, fazem mais corridas.

O que podemos aprender com isso? Que a diferença no pagamento por causa do gênero pode existir inteiramente como resultado da preferencia das pessoas, como no estudo do Uber, sem qualquer viés na definição da remuneração. Determinar objetivamente o que está por trás das diferenças na remuneração na maioria dos outros trabalhos é muito difícil. Isso significa que a injustiça, real ou percebida, provavelmente continuará a influenciar nossa atitude em relação à remuneração.
Se não sabemos a situação dos outros, podemos ser perfeitamente felizes com aquilo que temos. Mas assim que descobrimos que os outros estão ligeiramente melhores do que nós, nossa natureza inata de nos compararmos e de ficarmos tão bem quanto “os Silva”, vai assegurar que continuemos com nossa queda de braço.
Portanto, sabendo ou não quanto seu vizinho poupou para a aposentadoria, poupe você mesmo o máximo que puder para ter uma aposentadoria melhor ainda.

Grande abraço,
Eder.

Fonte: Adaptado do artigo “All because of the Joneses”, escrito pot Koen Smets.
Crédito de imagem: werner22brigitte.

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