De São Paulo, SP.
Será que estamos destinados a uma
eterna insatisfação com aquilo que temos?
Imagine a seguinte cena: você se sente
nas nuvens ao acabar de tirar da concessionária o seu carro zero km, estiloso, moderno e muito confortável.
Conseguiu se livrar da sua antiga lata velha, que além do risco de te deixar na
mão era um carro feioso, enferrujado e ultrapassado.
Mas, o que é isso que você vê pelo
canto do olho ao chegar na garagem da sua casa? Seu vizinho, a família Silva,
também tem um carro novo? Só que o deles é maior, mais potente e mais bonito do
que o seu? Que chato! Isso tem tudo para estragar o seu dia.
Esse é um bom exemplo para mostrar
como nós, seres humanos, temos uma estranha irracionalidade. Seu novo
“possante” atende a todas as suas necessidades ... com uma exceção, os Silva
tem um melhor.
Para avaliar o valor de um carro
nós não olhamos apenas para praticidade e características materiais, como
espaço no banco de trás, aceleração, consumo e design, ou mesmo para a
satisfação emocional de sentar nosso “derrière” num banco de couro e fitar
aquele famoso emblema no centro do capô.
Também queremos que seja um carro
que nos posicione pelo menos em pé de igualdade com nossos colegas de trabalho,
amigos e sim, vizinhos. Isso também se aplica a moradias, férias, roupas e até
educação: não podemos ficar atrás dos Silva.
Posicionamento dos bens
Os economistas chamam isso de posicionamento dos bens, um termo cunhado pelo economista Fred Hirsch, que morreu
prematuramente aos 46 anos de idade. Hirsch observou que as pessoas não se
satisfazem em ter uma vida melhor do que tiveram seus pais e avós. Se todo
mundo é classe média, então não existe classe média. Para ser classe média de
verdade, você também precisa estar melhor do que seus vizinhos, o que significa
comprar bens que eles não podem se dar ao luxo de comprar.
Essa posição relativa em relação
aos nossos pares é muito semelhante a um fenômeno evolucionário. Não é a altura
absoluta de uma flor que determina a quantidade de sol que receberá: o que
realmente importa é que seja mais alta do que as flores ao redor.
Para realmente impressionar uma
companheira em potencial, um pavão precisa ter uma cauda maior e mais bonita do
que a de seus rivais. Para se tornar o líder da manada, um alce macho tem que
ter uma galhada mais grandiosa do que os demais.
“Ei vizinho, o que acha dessa
galhada, heim?”
Não é surpresa, portanto, que tenhamos
tendência a comparar nossos salários com o de nossos colegas. Em 1991 Amos
Tversky e Dale Griffen publicaram um estudo no qual ofereciam a estudantes do
ultimo ano universitário, dois possíveis trabalhos após se formarem: o primeiro
pagando R$ 2.900 por mês numa empresa na qual as pessoas com o mesmo nível de
experiência recebiam salários de R$ 3.100 por mês ou outro, pagando R$ 2.700
onde colegas recém-formados ganhavam R$ 2.500.
Resultado, 62% dos estudantes
responderam que se sentiriam mais felizes no emprego ganhando menos, mas com
salários acima dos colegas.
Esse não é apenas um fenômeno detectado
em pesquisas de laboratório. O viés da ilusão de superioridade mostra que não gostamos de receber menos do que nossos colegas, afinal,
temos convicção de que somos melhores do que a maioria deles.
A corrida por melhores salários
Por esse mesmo motivo foi que
falharam os esforços para reduzir a remuneração dos altos executivos, obrigando
as empresas a serem transparentes e divulgarem seus salários. Em 2012 um estudo
feito por Cornelius Schmidt sobre a evolução da remuneração de executivos na
Alemanha logo após uma reforma nas regras de governança ter tornado obrigatório
divulgar o pacote de remuneração dos executivos-chave. Ele concluiu que “o
aumento na divulgação pode causar um efeito reverso, levando a níveis mais
elevados de remuneração, o que explicaria a remuneração excessiva observada
recentemente”.
Essa queda de braço por melhores
salários individualmente reduz o bem estar de todos, argumenta Robert Frank, um
economista que vem estudando por décadas o fenômeno de posicionamento dos bens. Em seu livro The
Darwin Economy, (“A Economia de Darwin”,
em tradução livre) ele compara a evolução da velocidade das gazelas com o aumento
no tamanho da galhada dos alces machos.
Para as gazelas, ficar mais rápido
significa aumentar a chance de escapar das onças. Isso confere uma vantagem
tanto aos indivíduos quanto a espécie como um todo.
Já nos alces, a principal razão de
uma galhada grande é combater outros machos, significando que a seleção natural
levará ao desenvolvimento de galhadas ainda maiores e vistosas. O que será
benéfico aos indivíduos será, na verdade, prejudicial para toda a espécie: uma
matilha de lobos certamente terá mais facilidade para caçar um alce carregando
18 kg de protuberância óssea na cabeça. Uma galhada grande é inútil, assim como
é, para nós humanos, querer carros melhores e rendas maiores do que os de
nossos vizinhos.
E se não forem apenas indivíduos a
sentirem que estão sendo deixados para trás, mas sim grupos populacionais
inteiros?
Discriminação por gênero ou etnia na
remuneração é um problema recorrente. A discussão surgiu novamente nos jornais
do Reino Unido há alguns meses quando Carrie Gracie, editora chefe da BBC na China,
pediu demissão por ter salário muito inferior ao de seus colegas editores.
Um relatório feito pela PwC encontrou
uma diferença inferior a 7% nos salários de 824 jornalistas da BBC. Isso
implica, necessariamente, que existe um viés na definição dos salários na BBC
(o relatório alega não ter encontrado nenhum)? Um dos problemas é a dificuldade
de controlar os fatores que não estão relacionados ao gênero na definição dos
salários. Essa falta de clareza significa que é difícil conduzir um debate produtivo:
estamos falando de salários anuais ou por hora? Estamos misturando empregos
temporários com tempo integral? Estamos, de fato, comparando laranja com
laranja?
O que está por trás da diferença?
Um estudo bastante recente conduzido
por cinco economistas analisou 740 milhões de corridas de taxi na plataforma
Uber e pode lançar alguma luz sobre essa discussão.
Coincidentemente, a diferença na
remuneração por hora entre motoristas homens e mulheres do Uber foi de 7% -
muito próxima daquela encontrada entre os jornalistas da BBC. Esse resultado (tabela
abaixo) surpreendeu os autores. Eles esperavam que os algoritmos que alocam as
corridas para os motoristas teriam evitado qualquer discriminação, já que tais
algoritmos são simplesmente cegos para a questão de gênero.
Um dos economistas, especializado em economia comportamental,
chegou a prever uma ligeira vantagem para as mulheres: por trabalharem menos,
poderiam escolher as horas mais produtivas durante a semana e os passageiros,
pensou ele, dariam preferência a motoristas mulheres.
Mas não, uma vantagem de 7% para
os motoristas do sexo masculino ... como isso seria possível? Eles descobriram
que a diferença era completamente explicada por causa de três fatores:
Primeiro: experiência do
motorista, explicava 1/3 da diferença - a experiência favorecia os motoristas
que dirigiam muito e estavam na profissão por mais tempo, eles sabiam melhor,
por exemplo, qual corrida aceitar e quais rejeitar;
Segundo: responsável por
20% da diferença - era a decisão de onde rodar, os homens tendem a escolher as
localidades mais lucrativas, rodar a noite etc.;
Terceiro: o fator
preponderante, explicando metade da diferença – velocidade media, os homens correm
mais, ou seja, dirigem mais rápido, portanto, fazem mais corridas.
O que podemos aprender com isso?
Que a diferença no pagamento por causa do gênero pode existir inteiramente como
resultado da preferencia das pessoas, como no estudo do Uber, sem qualquer viés
na definição da remuneração. Determinar objetivamente o que está por trás das
diferenças na remuneração na maioria dos outros trabalhos é muito difícil. Isso
significa que a injustiça, real ou percebida, provavelmente continuará a
influenciar nossa atitude em relação à remuneração.
Se não sabemos a situação dos
outros, podemos ser perfeitamente felizes com aquilo que temos. Mas assim que
descobrimos que os outros estão ligeiramente melhores do que nós, nossa
natureza inata de nos compararmos e de ficarmos tão bem quanto “os Silva”, vai
assegurar que continuemos com nossa queda de braço.
Portanto, sabendo ou não quanto
seu vizinho poupou para a aposentadoria, poupe você mesmo o máximo que puder
para ter uma aposentadoria melhor ainda.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “All because of the Joneses”,
escrito pot Koen Smets.
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