De Sāo Paulo, SP.
O filósofo Luiz Felipe Pondé e o psicólogo Ilan Brenman na obra “Quem Tem Medo do Lobo Mau?” discutem o impacto do politicamente correto na formação das crianças e – consequentemente – dos adultos que elas se tornarão.
Os dois mostram que a patrulha do pensamento leva à perda da capacidade de interpretar a vida, com seus símbolos e ironias.
A obra da dupla nos faz refletir e pensar que talvez o lobo mau não viva apenas nos contos de fada, mas esteja a nos espreitar na escola, na família, na política ... no TCU, enfim, na sociedade.
Enfrentar o lobo mau requer ser livre para pensar e se expressar, então, vamos lá.
A polêmica
O Tribunal de Contas da União - TCU tem hoje um papel indireto na fiscalização dos fundos de pensão, pois o controle é feito por meio das empresas estatais patrocinadoras. O TCU fiscaliza a legalidade, legitimidade e economicidade dos órgãos e entidades públicas. As empresas estatais. patrocinadoras de fundos de pensão do setor publico, são unidades jurisdicionadas do Tribunal.
A Lei Complementar nº 108/2001 estabelece que as empresas patrocinadoras são responsáveis pela fiscalização sistemática das atividades de seus fundos de pensão. A Resolução CGPAR 38/2022 determina que as empresas estatais federais devem solicitar auditorias periódicas sobre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC (como os fundos de pensāo sāo chamados na regulamentação).
O TCU já realizou fiscalizações sobre o dever de supervisão e fiscalização dos fundos de pensão patrocinados por empresas estatais e organizações do setor publico, com o objetivo de reduzir os riscos para a União. O TCU também já apontou irregularidades no controle da própria Superintendência de Previdência Complementar - PREVIC em relação às EFPC.
A polemica atual é se o TCU deve (ou nāo) fiscalizar diretamente os fundos de pensão do setor publico, atribuição hoje da PREVIC. Essa é a decisão que está em discussão nesse momento.
Argumentos a favor do TCU fiscalizar os fundos públicos
Segundo o portal G1, entre 2011 e 2017 o governo fez 10 intervenções em fundos de pensão (tabela abaixo).
Alguns fundos de pensão foram autuados mais de uma vez, como o Serpros, que representa os funcionários do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa vinculada ao Ministério da Fazenda.
Também sofreram intervenção o Portus, patrocinado pela antiga Portobrás, o Silus, da estatal gaúcha Cesa e a Fundação CEEE, o maior fundo de pensão do Rio Grande do Sul, que reúne funcionários de empresas de energia elétrica.
Mas a maior intervenção até hoje foi no Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios & Telégrafos, criado em 1981, que teve toda a diretoria afastada.
O escândalo do Postalis foi um dos maiores envolvendo fundos de pensão brasileiros e envolve uma série de irregularidades, entre elas: denúncias de fraudes em investimentos, feitos em desacordo com a política interna do Postalis, investimentos de alto risco sem justificativa, quebra do dever de diligência, entre outras.
O Postalis sofreu um rombo de cerca de R$ 15,2 bilhões, o que ameaçou a sua insolvência e deixou um rastro de destruição. Algumas das consequências do escândalo foram:
- Descontos contínuos nos contracheques dos participantes.
- Redução do décimo terceiro e da pensão por morte.
- Extinção do pecúlio por morte.
Salta aos olhos que a maioria das intervenções aconteça em fundos de pensão do setor publico o que, indubitavelmente, reforça a tese daqueles que defendem a inclusão de mais uma camada de fiscalização, que seria exercida pelo TCU.
Argumentos contrários ao TCU fiscalizar os fundos públicos
Os argumentos dos que se opõe à fiscalização do TCU é que já existe um órgão federal, no caso a PREVIC, que exerce essa fiscalização.
Portanto, a inclusão de mais um órgão para fiscalizar os fundos de pensão do setor publico aumentaria o custo de administração e seria uma duplicidade desnecessária.
Há também quem alegue que o dinheiro colocado por empresas estatais e pela administração publica em seus fundos de pensão, deixa de ser $$$ publico assim que entra no plano de previdência complementar.
Ou seja, não caberia ao TCU fiscalizar um dinheiro que não é mais dinheiro publico.
Espremido na briga, o que realmente importa: o participante
A briga em relação à fiscalização direta (ou não) dos fundos de pensão públicos pelo TCU tem méritos de lado a lado.
No entanto, o que realmente importa e passa desapercebido pela sociedade é a defesa dos interesses dos participantes e o risco sistêmico, decorrentes da quebra ou intervenção do governo em um fundo de pensão – seja do setor publico ou privado.
Diferente do que acontece em países como os EUA, a legislação de previdência complementar brasileira não define de forma clara e inequívoca o ponto em que um fundo de pensão deve ser liquidado pelo governo quando faltam as condições de cumprir com seu objetivo: pagar os benefícios prometidos aos participantes.
Essa falta de clareza fez com que pilotos aposentados de Boeing 747 tivessem que passar a dirigir taxi especial no Rio de Janeiro, pois quando o Aerus – o fundo de pensão da antiga Varig – foi liquidado, já era tarde demais. O mesmo vale para a intervenção no Postalis, será que se tivesse acontecido antes, o prejuízo dos participantes teria sido menor?
Vamos combinar, para os mais de 130 mil participantes ativos e aposentados do Postalis e para os cerca de 15 mil do Aerus, que viram suas poupanças de uma vida toda ir pelo ralo, é irrelevante se a fiscalização cabe à PREVIC ou ao TCU.
Já passou da hora de incluirmos na legislação o ponto em que um fundo de pensão deve ser liquidado, para estancar as perdas para os participantes, quando as coisas dão errado.
Nos EUA, a legislação estabelece regras estritas para evitar insuficiência patrimonial e proteger os participantes, estabelecendo o que acontece quando o déficit do plano ultrapassa determinado patamar:
1. Taxa de cobertura menor que 80% (Zona Amarela): quando o plano tem menos de 80% de nivel de cobertura dos passivos – ou seja, os ativos/patrimônio são menores que 80% do necessário para pagar os benefícios futuros – ele entra na Zona Amarela. Acende um sinal de alerta, começam as restrições e um plano de recuperação deve ser elaborado, estabelecendo:
- Reduçaāo ou congelamento de aumento dos benefícios;
- Limitaçāo de pagamentos únicos (lump sum);
- Incremento das contribuiçōes dos patrocinadores e participantes.
2. Taxa de cobertura menor que 65% (Zona Vermelha): quando o plano tem menos de 65% de nivel de cobertura dos passivos, ele entra na Zona Vermelha, um ponto crítico no qual aumentam as restrições. Nesse estágio há:
- Proibição de aumento de benefícios;
- Possibilidade de redução de benefícios futuros (não os já adquiridos);
- Acompanhamento pelo PBGC (*) (ver abaixo) e liquidação quando o plano tem um nível de cobertura entre 50% e 60%.
La garantia soy jo
Seria muito mais importante para a estabilidade do setor de previdência complementar discutirmos a criação de um seguro para os participantes, nos moldes existentes nos EUA, Reino Unido e outros países.
O PBGC (*) – Pension Benefit Guarantee Corporation é uma espécie de seguradora do governo americano que assume o pagamento dos benefícios quando um fundo de pensão é considerado insolvente e incapaz de gerar contribuições suficientes para acabar com o déficit.
Quando os passivos são significativamente maiores que os ativos e um plano não consegue atender os requisitos mínimos de financiamento, ele é encaminhado para liquidação. O PBGC assume o plano e garante o pagamento de benefícios, até determinado limite, aos beneficiários.
Proteção semelhante existe no Reino Unido através do PPF – Pension Protection Fund. Vale notar que tanto o PBGC quanto o PPF também são acionados diante da insolvência das patrocinadoras de planos de previdência complementar.
Em Terras de Cabral, além de não termos uma legislação que defina claramente o ponto de liquidação de um plano de previdência complementar / fundo de pensāo, para evitar maiores perdas aos participantes, também nāo temos nenhuma garantia ou proteção governamental quando os órgãos de fiscalização falham … e como mostra a historia, eles falham.
Quando uma empresa interessada em fazer um plano de previdência complementar me pergunta: “existe alguma garantia do governo em caso de quebra do fundo de pensāo ou da seguradora”? Continuo tendo que responder a mesma coisa que eu respondia nos anos 80: “La garantia soy jo”
Nota: O bordão "La garantía soy yo" foi usado na década de 1990 em anúncios da Semp Toshiba, em campanha criada pelo publicitário Paulo Bione. O bordão ficou conhecido porque no Paraguai era comum os brasileiros perguntarem sobre a garantia dos produtos eletrônicos e os vendedores responderem que eram eles que garantiam o produto.
Grande abraço,
Eder.
Opinōes: Todas minhas | Fonte: “Intervenção no Postalis é a 10ª feita em fundos de pensão desde 2011”, escrito por Marina Gazzoni.
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