De Sāo Paulo, SP.
Há um abismo dividindo a sociedade brasileira entre os com e os sem plano de previdência complementar corporativo. Recentemente me debrucei sobre esse abismo para tentar entendê-lo melhor – como surgiu e o que pode ser feito para fechá-lo?
Mas antes, outra segregação
Existe outra divisão da sociedade: a separação das pessoas entre os com e os sem diploma universitário.
Pessoas que possuem o ensino médio morrem, em média, oito anos mais cedo do que pessoas com diploma de nível superior. Eles têm muito mais chance de morrer devido ao vicio em drogas pesadas, de ter filhos fora do casamento, de ser obesos e de dizer que não tem amigos de verdade.
A diferença na performance acadêmica entre crianças oriundas de famílias mais afluentes e aquelas que vem de famílias menos afluentes é maior do que a diferença acadêmica entre negros e brancos.
A segregação na educação não foi obra do acaso. Ela foi crida. No Século XX, um grupo de administradores de universidades nos EUA, bem-intencionados, decidiu segregar os americanos por inteligência.
Eles definiram inteligência de uma maneira bem especifica e restrita: a capacidade de alguém se desempenhar bem no meio acadêmico e em testes padronizados.
Os estudantes que tivessem essa capacidade eram admitidos em universidades de elite e ao se formarem, canalizados para empregos nos mais altos escalões da sociedade – finanças, direito, administração publica, atuária, imprensa, o topo das grandes corporações.
Eles se casam com pessoas com essa mesma capacidade, investem maciçamente na educação dos filhos que, então, frequentam as mesmas universidades de elite. Presto! Surgiu um sistema de castas, passado de pai para filho.
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Na Terra de Cabral, copiamos.
Essa divisão na educação tem consequências que vão além de aspectos sociais, ela começa a influenciar a política. Trump voltou ao poder com apoio de milhões de eleitores que possuem ensino secundário, que estão furiosos com a elite com formação universitária.
A votação em Bolsonaro em 2022 teve diferenças significativas em relação à de 2018, quando foi eleito presidente. Bolsonaro perdeu votos nas capitais e grandes cidades (onde há mais pessoas com nível superior) e ganhou força em cidades menores (onde há mais pessoas com ensino medio).
“No primeiro caso, um exemplo é a região metropolitana de São Paulo. No segundo, o Norte e o Nordeste. Em municípios com menos 50 mil eleitores nessas duas regiões, Bolsonaro melhorou sua votação média em mais de três pontos percentuais. Nos maiores, ao contrário, perdeu mais que isso. No Nordeste, o percentual de votos válidos cresceu por todo o interior dos Estados da região. No Norte, esse padrão quase não teve exceções”, diz Fernando Meireles, pesquisador do CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
A questão não tem a ver com Trump nem Bolsonaro. A classe que lidera está governando bem? Nāo. A liderança nos governos são respeitadas e contam com a confiança de uma ampla fatia das populações? Nāo. A liderança tem usado o sistema para manter seus privilégios? Sim.
O que levou aos com e sem previdência complementar
Lá por volta de 1974, o maior benefício pago pelo INSS equivalia a cerca de 20 salários mínimos. Os experts, então, desenhavam planos de previdência complementar voltados para os profissionais cujos salários, na ativa, eram muito superiores a 20 salários mínimos.
O raciocínio vigente era mais ou menos o seguinte: um profissional com salário equivalente a 50 salários mínimos, receberia da previdência social, ao se aposentar, uma renda de aposentadoria de no máximo 20 salários mínimos. Isso equivalia a menos da metade, ou seja, menos de 50%, do salário que o empregado recebia quando trabalhava.
Então, esse profissional precisaria de um plano de previdência complementar que lhe pagasse a diferença entre o salário da ativa (50 S.M.) e o benefício da previdência social. (20 S.M.). Em outras palavras, um benefício de previdência complementar que lhe pagasse 30 S.M.
Portanto, todo empregado que recebesse durante a carreira ativa um salário menor do que 20 salários mínimos (teto do INSS da época), não precisaria de previdência complementar. Por exemplo, alguém ganhando um salário equivalente a 17 salários mínimos, se aposentaria com um benefício da previdência social equivalente a esses mesmos 17 S.M., ou seja, 100% de seu último salário. A previdência complementar, então, não seria necessária para esse empregado.
Muitos chegavam a reconhecer que a previdência complementar era um benéfico corporativo “elitista”, voltado para empregados com altos salários.
O tempo passou e hoje, meio seculo depois, o benefício máximo pago pela previdência social equivale a uns 05 salários mínimos (com viés de baixa). Há quem aposte que o benefício máximo do INSS, em breve, será equivalente a 1 S.M.
Os desenhos atuais de plano de previdência complementar corporativos pagam um benefício simbólico para todo empregado que recebe salário menor que 5 S.M., a ponto o benefício para os trabalhadores de renda mais baixa ser conhecido no setor por “beneficio mínimo” - apenas simbólico e pago por razões tributárias.
Em suma, os planos de previdência complementar atuais continuam voltados para empregados com renda alta, num mundo em que mesmo os empregados com baixa renda passaram a precisar deles também.
Uma vez instalada, a prática dos com e dos sem plano segue inalterada. Se a segregação dos com e sem diploma está afetando a política, a divisão da sociedade entre os com e sem previdência complementar tem tudo para afetar a economia.
A persistir esse abismo, o baixo poder de compra de um contingente de aposentados sem plano que não para de crescer, em breve, começara a minar a economia.
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A previdência complementar corporativa precisa ser transformada. Precisamos de desenhos de plano mais humanos, justos e democráticos, independente do salário que você ganha.
O desafio da segurança financeira futura não tem a ver com o valor máximo do benefício pago pelo INSS, tem a ver como nós, enquanto sociedade, classificamos as pessoas, colocando algumas na escada rolante da segurança financeira futura e não deixando outras subirem nela.
Está na hora de criarmos um futuro melhor para todos.
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte “How the Ivy League Broke America”, escrito por David Brooks.
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