quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Colocando o foco onde realmente importa

De São Paulo, SP.


Após mais de vinte e dois anos atuando como profissional da indústria de previdência complementar, não quero ficar de cócoras (figura de linguagem mencionada hoje pela jornalista Dora Kramer em sua coluna no Estadão) diante da aprovação da criação da PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar pela CAE - Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Vou registrar minha crítica construtiva e espero que não tentem “matar o mensageiro”, desqualificando esse “post”.

Vamos direto ao assunto. A fiscalização do governo, exercida através da SPC –Secretaria de Previdência Complementar tem sido importante até aqui. Evoluiu significativamente ao longo dos anos. Teve muitos acertos, que devem ser ressaltados e elogiados, mas também cometeu erros que precisam ser apontados para que não voltem a ocorrer. Conforme diz o ditado popular … “Quem nunca errou, aprendeu, nada”.

Há ajustes de rumo a fazer no sistema de supervisão dedicado ao sistema de previdência complementar brasileiro. Hoje vamos listar apenas três sugestões para avaliação dos companheiros:



1) Cobertura dos compromissos pelo patrimônio do fundo de pensão

De acordo com a legislação (§ 3º, Art. 18 da Lei 109/2001) “...as reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios…”. Em outras palavras, os fundos de pensão devem ter dinheiro, a qualquer tempo, para pagar os benefícios que prometem. Legal. Então o que foi mesmo que aconteceu com o plano patrocinado pela Varig junto ao Aerus?

De acordo com o “PPA - Pension Protection Act”, de 2006 (similar americano da Lei 109/2001), um plano é considerado Seguro se tiver patrimônio para cobrir pelo menos 80% dos compromissos. Planos com nível de cobertura inferior a 65% são considerados Críticos. Planos cujo nível de cobertura situe-se entre esses dois extremos, são considerados Ameaçados ou Seriamente Ameaçados. O atuário do plano é responsável por indicar anualmente ao governo o nível de cobertura (“Adjusted Funding Target Attainment Percentage – AFTAP”) e seus cálculos devem ser feitos com hipóteses rígidas (juros e mortalidade), ditadas pela receita federal americana (IRS).

Sugestão: Se não tivesse havido demora na liquidação do plano da Varig junto ao Aerus, não veríamos hoje comandante de Boeing dirigindo taxi especial no Rio de Janeiro. Sim, a SPC demorou para tomar as providências que lhe cabiam. Ficaram todos de olho na recuperação da Varig (que nunca ocorreu) e deixaram o buraco no Aerus se aprofundar. Está na hora do governo determinar de forma quantitativa e clara o momento certo para intervir e liquidar um plano com desequilíbrio atuarial irrecuperável. Os desequilíbrios graves devem ser igualmente penalizados. Nos EUA, um plano com menos de 60% de patrimônio para cobrir seus compromissos, fica impedido de fazer pagamento único de benefício e cessa a acumulação dos direitos dos participantes.

2) Receita Federal, INSS e os incentivos fiscais

As empresas podem abater anualmente da base de cálculo do IRPJ e da CSLL as contribuições vertidas aos fundos de Pensão. O limite é o valor equivalente a 20% da folha anual de salários (Art. 11, § 2º da Lei 9.532/97, reiterado pelo Art. 361 do RIR – Decreto 3000/99). Também não pagam encargos sociais e trabalhistas sobre essas contribuições, já que as mesmas não integram o salário do empregado (Inciso XV, § 9º, Art. 214 do Decreto nº 3.048/99).

A única condição para uma empresa se beneficiar desse incentivo fiscal é tornar o plano “disponível a totalidade de seus empregados e dirigentes”.

Sugestão: Nos EUA os planos de previdência precisam se submeter anualmente a complexos “testes de não-discriminação” para assegurar o benefício fiscal. Os testes verificam, dentre outra coisas, se as contribuições da empresa não estão beneficiando determinado nível salarial em detrimento de outros. Quando passam nos testes, os planos são considerados “qualified”, ou seja, aptos (qualificados) para o benefício fiscal. Nossa legislação é vaga ao determinar que o plano seja “...disponível a totalidade dos empregados...” (seja lá o que isso signifique). Hoje, não há como assegurar que a renuncia fiscal do governo esteja beneficiando a sociedade como um todo. Nos EUA, essa fiscalização cabe ao “IRS – Internal Revenue Service”. E no Brasil? Alguém está olhando o que acontece nos planos de entidade aberta? E se o plano estiver “disponível para todos os empregados” apenas no papel? Eu já soube de contratos que prevêem um benefício mínimo para os salários menores, que nunca foram divulgados aos empregados. Quem fiscaliza isso, como fiscaliza? Chegou o momento de se criar critérios objetivos para concessão do benefício fiscal. Está na hora da receita federal assumir parte dessa fiscalização.

3) Atuários no corpo permanente dos órgãos de fiscalização

Pasmem, não há quadro nem carreira de atuário no serviço público! Existem concursos para advogados, economistas, ... , mas não para atuários.

Órgãos como SUSEP (seguros, capitalização e previdência complementar aberta), SPC (previdência complementar fechada), ANS (saúde suplementar) e INSS (previdência social) podem até ter atuários em seus quadros, mas entraram no serviço público em concursos voltados para outras funções.

Porque isso é importante? Corporativismo, já que eu sou atuário, levantei essa lebre quando fui Diretor do Instituto Brasileiro de Atuária e abordo esse assunto de forma recorrente? Não, isso é crucial porque o funcionário público conta com estabilidade e outras garantias que lhe permitem exercer, sem medo, o papel que lhe cabe. Claro que a qualificação é sempre desejável e não faria lá muito sentido ter alguém formado em educação física analisando balanços de seguradoras (dizem que é verdade). O objetivo, porém, é não permitir que seja sumariamente demitido por interesses políticos, um atuário que encontra problemas, por exemplo, ao fiscalizar o maior fundo de pensão no Brasil.

Sugestão: Criar na PREVIC e nos demais órgãos que envolvem cálculos atuariais, o quadro estatutário de atuário.

Há diversas outras oportunidades para melhoria da fiscalização da previdência complementar e certamente voltaremos ao assunto.

Forte abraço,
Eder.

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