quarta-feira, 18 de março de 2020

FUNDOS DE PENSÃO: PIOR QUE COVID-19, SÃO JUROS ZERO!


De São Paulo, SP.

“O mais danoso para os fundos de pensão não serão os impactos econômicos decorrentes da pandemia causada pelo COVID-19, mas sim o patamar zero de juros no longo prazo” 

Devido a extrema raridade das circunstâncias é difícil antecipar o que acontecerá nos mercados financeiros e nesse momento existem muito mais coisas que não sabemos do que coisas que sabemos. No entanto, vou dizer o que acho e deixo para vocês levarem ou não em consideração essa análise, de acordo com suas próprias visões dos acontecimentos.   

Até a última semana de fevereiro, o impacto financeiro do COVID-19 sobre os planos de benefícios definidos no Reino Unido - não disponho de dados sobre o Brasil - apontava para um aumento de £$100 bilhões no déficit atuarial. Isso fará com que o nível de solvência dos fundos de pensão britânicos nesse ano atinja um déficit total de £$500 bilhões (fonte: Hymans Robertson, firma de consultoria inglesa).

De acordo com a Hymans, esse déficit pode quase dobrar e chegar a £$900 bilhões se o coronavirus continuar a se espalhar e causar um choque de abastecimento, com empresas tendo dificuldade para atender a demanda e implicações nos mercados globais que irão muito além das macroeconômicas. 

Os participantes dos planos de contribuição definida também sentirão os efeitos no bolso. Aposentados que recebem um percentual do saldo de conta acumulado verão suas rendas desidratarem e os participantes ativos ficarão assustados com a rentabilidade das poupanças que vêm fazendo para o futuro.

Grandes impactos, mundo afora, podem ser esperados na rentabilidade dos planos de previdência complementar com reflexos negativos nos indicadores de solvência dos fundos de pensão. Passivos medidos pelo IFRS afetarão os balanços das patrocinadoras já nas avaliações de 2020, num momento em que estarão sofrendo muitos outros reveses com a crise.

O coronavirus deve ser levado a sério, pois a doença que causa é extremamente contagiosa e causará inúmeros impactos econômicos prejudiciais, mas sozinho não assusta. A crise do COVID-19 tem data de validade para desaparecer. Trata-se de uma crise de curto prazo, se levarmos em conta as obrigações de um fundo de pensão que normalmente são calibradas para horizontes de 40 a 50 anos. Ou seja, os efeitos de 2020 e mesmo de 2021 tenderão a ser diluídos no tempo.

O problema é quando esse impacto vem acompanhado de uma taxa de juros que, no longo prazo, poderá ficar no patamar de zero. Juros de longo prazo de 0% significa queda de praticamente todas as classes de ativo. O efeito positivo das taxas de juros decrescentes não existirá ou será mínimo (as taxas já estão em patamares muito baixos).

Investidores institucionais que tem passivos de longo prazo, como fundos de pensão e seguradoras, possuem patrimônio formado por esses títulos e pelas outras classes de ativo.

Se trouxermos os passivos atuariais dos fundos para valor presente e compararmos com o retorno esperado dos investimentos que possuem para fazer face aos compromissos, contabilizados com marcação a mercado, faltará dinheiro. Mesmo nos casos em que o compromisso foi imunizado, duvido que as taxas de reinvestimento consideradas tenham sido zero.  

Numa situação assim, a única maneira de cumprir com os compromissos, será vendendo ativos para pagar benefícios. Um bom paralelo para ajudar a entender isso é olhando para os produtores de petróleo (países e empresas). Com o preço do barril a US$28 as despesas deles é hoje muito maior do que as receitas, então, o que eles têm a fazer é espremer as despesas e vender ativos. A mesma coisa vale para muitos outros situações em circunstâncias semelhantes com impactos na atividade econômica e nos preços de mercado.

Olha que isso é apenas uma pequena porção da disruptura financeira que vai acontecer. Muitos investidores e negócios funcionam alavancados, i.e., sentam-se em cima de ativos adquiridos com dívidas, esperando que o preço suba. O declínio no preço dos ativos que estamos presenciando causarão impacto financeiro ainda maior nos negócios alavancados do que nos negócios não-alavancados.    

Ao contrário da crença popular, os mercados causarão impacto maior na economia do que a economia causará nos mercados. São tempos difíceis e essa é seguramente a maior crise global da história moderna. 

Sobreviveremos a ela, não tenha nenhuma dúvida. Em nossos fundos de pensão precisamos nesse momento de um conselho deliberativo muito sereno, imbuído de grande humanidade e exercendo uma liderança firme. Passada a crise, seu fundo de pensão precisará "Revolucionar o Conselho Deliberativo" para enfrentar o desafio do juros zero e todos os outros desafios: os que estão chegando e os que já chegaram.
Abraço,
Eder.



Fontes: Adaptado do artigo “COVID-19 reinforces pension schemes’ long-term stances”, escrito por Venilia Amorim, Rachel Fixsen e Leen Preesman para a IPE Magazine e do artigo “The Implications of Hitting the Hard 0% Interest Rate Floor”, escrito por Ray Dalio.

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