quinta-feira, 26 de março de 2020

CONDUZINDO O FUNDO DE PENSÃO ATRAVÉS DAS PROXIMAS FASES E ALÉM DA CRISE DO COVID-19






De São Paulo, SP.

Em tempos de incerteza nossas organizações de previdência complementar precisam contar com práticas modernas de governança. Essa governança precisa assegurar uma tomada de decisões rápida e segura, dando visibilidade e informando os “stakeholders” internos e externos sobre todas as decisões. 

Passada a primeira semana da fase 2 da crise (mais aqui: https://bit.ly/2QCIK59) os fundos de pensão estão:

1.    Focando nos riscos operacionais e na continuidade dos negócios;
2.    Preocupando-se com ataques cibernéticos surgindo com o trabalho remoto;
3.    Adotando formato virtual para as reuniões do conselho;
4.    Perguntando-se: como ficarão as coisas quando tudo tiver terminado? 

Detalhando cada item.

1.    Focando os riscos operacionais e a continuidade dos negócios

Com as respostas ao COVID-19 em andamento e o trabalho no escritório sendo transferido para “home-office” visando colocar os empregados em um ambiente mais seguro, os fundos de pensão precisam começar agora a se preocupar com os riscos operacionais que surgirão nas próximas ondas dessa crise.

Que perguntas a liderança do fundo de pensão deveria estar se fazendo sobre os riscos associados aos seus fornecedores de serviço? Sobre a continuidade de suas operações e de suas próprias patrocinadoras no longo prazo? Sobre os impactos no fluxo de contribuições para custeio administrativo?

As crises muitas vezes apresentam oportunidades improváveis para inovar.

Após passarem uma ou duas semanas adotando providencias imediatas para lidar com a crise, os conselheiros precisam começar a se preocupar com os problemas que a pandemia do coronavirus causará nas operações e na própria sobrevivência do fundo, no longo prazo.      

O coronavirus deverá romper a cadeia global de suprimentos (mais aqui: https://bit.ly/3dwO8kf) nas próximas semanas e muitas patrocinadoras dos fundos de pensão serão fortemente afetadas em sua saúde financeira. 

“Uma variável bastante relevante nesse cenário é a solvência das próprias patrocinadoras porque sem elas, o principal fluxo de contribuições para pagamento das despesas administrativas pode ser interrompido”    

Crie cenários de interrupção das contribuições das empresas e participantes para avaliar possíveis impactos imprevisíveis. Conforme aprendi lendo “The Black Swan” escrito por Nikolas Nassin Taleb: espere o inesperado, especialmente diante das (dis)rupturas inevitáveis nas operações das patrocinadoras e no emprego/salário de muitos participantes.

A crise do coronavirus, indubitavelmente, vai ensinar os fundos de pensão a lidar com interrupção de contribuições em larga escala. Mesmo nesse estágio relativamente inicial dos acontecimentos, poderemos aprender lições importantes sobre como gerenciar crises dessa natureza, um ensinamento que poderá ser aplicado mais adiante. 

Vai levar semanas para muitos fundos de pensão entenderem sua exposição a esse desastre porque desconhecem a consequência da interrupção quase total no custeio administrativo. É preciso que se preparem com antecedência, porque se não o fizerem, poderá ser muito tarde caso essa (dis)ruptura venha realmente a surgir.   

“Ninguém tem uma bola de cristal para saber o que vai acontecer, mas os conselhos e as diretorias mais bem preparados são os que se reúnem regularmente e discutem com agilidade as implicações para o fundo de pensão, conforme os acontecimentos evoluem. Há muita coisa em jogo, nesse momento não dá pra errar”

2.    Preocupando-se com ataques cibernéticos

O trabalho remoto gera preocupação com ataques cibernéticos. A maioria das empresas e fundos de pensão colocou todos os empregados em "home office”, muitos sem ter nem políticas de trabalho à distância nem infraestrutura de TI adequados. 

Reuniões de conselho nas quais assuntos sensíveis são discutidos e decisões confidenciais são tomadas, agora acontecem via web. Várias usando aplicativos como Skype, Zoom (Perigos do Zoom) e similares. Trocas de mensagens entre conselheiros e diretores estão sendo feitas via Whatsapp, Messanger e Gmail.

Os hackers estão se aproveitando disso e explorando os pontos fracos nas defesas cibernéticas das organizações. Os fundos de pensão devem adotar medidas para mitigar o risco cibernético nesses tempos de incertezas. Seguem algumas dicas para tornar seu “local de trabalho” mais seguro, onde quer que ele esteja. 

·       Use uma VPN – Virtual Private Network sempre que possível: quer você esteja trabalhando na sala da sua casa ou numa cafeteria local, você precisa usar um acesso remoto seguro para se conectar ao sistema do seu fundo de pensão. Uma VPN (Rede Virtual Privada) gera uma conexão criptografa para acessar a rede, documentos e contatos da sua organização, enquanto uma rede publica (aberta) de Wi-Fi é mais vulnerável e menos segura. Fale com a área de TI do seu fundo sobre isso.  
·       Melhore a segurança da rede que usa na sua residência: gaste alguns minutos para tornar sua rede pessoal mais forte e segura. Se a senha do Wi-Fi da sua casa é “Password123”, por exemplo, mude. Uma dica de pro (profissional) é usar como senha uma frase tipo: “Amo Leopoldo o meu cachorro 62!”. Atualize também a senha do seu roteador, muitas vezes é a default que vem com o aparelho, assegurando que seja diferente da senha da rede. 
·       Proteja sua comunicação verbal e de texto: por mais que você tenha um serviço robusto e seguro de conexão com a Internet na sua casa, ela pode ficar instável e cair durante o dia devido a sobrecarga de uso nesse momento. Trocas de mensagens de texto via dispositivos móveis com seus colegas de trabalho entram em cena e precisam ser seguras. No Brasil até juízes já tiveram suas mensagens de Telegram invadidas ... Seu fundo de pensão precisa ter protocolos que assegurem trocas de mensagens de voz e de dados seguras entre os empregados e a organização. Existem aplicativos que usam criptografia segura para troca de mensagens pessoais tipo Wickr, Slack e Signal. Para comunicações corporativas também existem soluções que protegem a troca de dados, como por exemplo, Structural e Blink.
·       Impressão e descarte de documentos em casa: se for necessário imprimir documentos confidenciais em casa, recomenda-se usar a opção “Secure Print” (Impressão Segura) que aparece no menu de impressão. Isso permite, em poucos passos, criar um ID e uma senha para impressão segura e pode ajudar a reduzir riscos. Se tiver que descartar documentos, reduza-os a pedaços bem pequenos que dificultem sua recomposição, coloque em sacos de lixo separados e se livre deles em dias diferentes.  
·       Dispositivos móveis e impressões: finalmente, se for carregar seu celular em um desses totens encontrados em locais públicos, use um bloqueador de dados via USB. Esses bloqueadores são baratos e permitem que você conecte seu telefone a uma estação de carregamento sem expor os dados do seu aparelho. 
·       Não descuide da segurança física: use um software de criptografia do disco rígido do seu computador, assim, se roubarem seu PC ou Laptop não será possível acessar as informações corporativas gravadas nele. Se tiver que sair, tranque as portas da sua casa e do seu carro e evite deixar seu computador exposto, tranque-o no porta-malas para se precaver dos chamados ladrões de galinha, que quebram o vidro e levam apenas o que está a vista.
Um pouco mais sobre riscos cibernéticos aqui: Cyber Attacks

Proteja sua saúde .... e seus dados. 

3.    Adotando formato virtual para as reuniões do conselho;

Apesar dos atrasos e eventuais postergações de prazos, os fundos de pensão, assim como suas próprias patrocinadoras, muito provavelmente deverão fazer reuniões virtuais para aprovação das demonstrações financeiras anuais do exercício de 2019. 

Veja mais sobre o impacto e atrasos que o coronavirus está causado nas assembleias de acionistas ao redor do mundo, aqui: https://bit.ly/2QHsPm8.

Para realização de reuniões virtuais dos conselhos, muitos fundos serão forçados a revisitar e ate contornar o formato previsto em seus estatutos, regimentos internos e regulamentações especificas. Porem, não deverá haver resistência de participantes nem de órgãos oficiais, dadas as circunstâncias.
Por outro lado, alguns conselheiros que representam participantes assistidos podem ter dificuldade ou mesmo não dispor de meios tecnológicos em suas residências para acessar os softwares usados para reuniões virtuais. 

Votar por meio de vídeo ou áudio vai demandar ampla oportunidade para os conselheiros fazerem perguntas e esclarecerem dúvidas, vai requerer a disponibilização antecipada de relatórios e informações para os conselheiros (sem comprometer a segurança de acesso às mesmas) e não poderá prescindir de segurança e estabilidade das conexões, nada pode ficar pendente.

Realizar reuniões virtuais pode parecer algo simples, mas há desafios a superar e não se pode incorrer em riscos legais futuros.   

4.    Como será o mundo quando tudo isso tiver terminado? 

A adoção em massa do comércio eletrônico na China e o aparecimento do Alibaba foram creditados à crise causada pelo vírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ocorrida entre 2002 e 2003. É compreensível que os fundos de pensão e suas patrocinadoras estejam ocupados, nesse momento, em reagir aos desafios de curto prazo. Porem, além da reação, os fundos de pensão precisam se preocupar com três outros “R”: recuperação, recessão e reinvenção.

Quando a crise do COVID-19 terminar, não espere que seu fundo de pensão volte a realidade de 2019. Além dos fundos de pensão, a sociedade como um todo tem uma oportunidade para reinventar normas, comportamentos e formas de coordenação e colaboração.

A retomada das atividades é inevitável, deverá ocorrer em algum momento, aparentemente já está começando a acontecer na China. Dado a complexidade de se reiniciar as atividades, algo que deverá acontecer em velocidades diferentes nos diversos setores da economia, o momento para se começar a preparar a estratégia para a retomada é agora.     

Nos últimos 100 anos os choques causados pelas epidemias afetaram os ciclos econômicos de forma aguda, mas apenas temporariamente. Parece que dessa vez pode ser diferente. Um choque simultâneo na demanda, na oferta e na confiança do consumidor pode facilmente empurrar a economia global para uma recessão.

Os fundos de pensão mais pudentes vão se preparar para essa possibilidade. Dados históricos mostram que 14% das empresas em todos os setores melhoram lucros e resultados durante uma recessão. Aquelas que florescem partilham de uma característica comum, elas se preparam, focam em transformações de longo prazo e apostam no crescimento enquanto os competidores se contraem.

Mesmo depois que a epidemia tiver retrocedido e ainda que haja uma recessão, haverá oportunidades e a necessidade de reinventar modelos de negócios, operações e o portfolio de serviços.

Visualizar o mundo pós-crise e enxergar oportunidades na adversidade demanda antecipar novos aprendizados, novas atitudes, novos hábitos e novas necessidades. 

A crise funciona como uma maré baixa, revela as pedras debaixo da superfície do mar, que sempre estiveram ali. Apos a crise, algumas empresas (vale também para os fundos de pensão) retomarão as operações sem olhar para trás. Outras analisarão as lições aprendidas e as usarão para melhorar sua capacidade de previsão de cenários, inteligência de mercado, análise de riscos, planejamento estratégico, gestão de crise, comunicação, trabalho remoto, infraestrutura de TI, mobilização da força de trabalho e muitas outras áreas. 

A crise também deverá mudar as atitudes dos consumidores, criando uma percepção diferente sobre higiene pessoal, viagens, compras online, produtos de limpeza, delivery de alimentos etc. No caso dos fundos de pensão, os participantes ganharão maior consciência sobre a importância de assumir a gestão de suas rendas, das relações sociais, planos de saúde, importância da escolha dos perfis de investimentos e muitas outras coisas. 

Alguns comportamentos, alterados pela crise, persistirão e levarão a novos hábitos mesmo depois que a epidemia passar. Necessidades não atendidas serão reveladas, podendo se tornar alvo de inovações. Aconselhamento financeiro individual, por exemplo, espera-se que entre no radar de participantes e entidades. Entenda como os fundos poderão moldar essas oportunidades emergentes.   

·       Prepare-se para enxergar “oportunidades na adversidade”: a economia lida com médias e valores agregados enquanto a estratégia tem a ver com criar desvios que se afastem dessas médias. Os fundos de pensão que florescerão durante e além da crise são aqueles que acreditam e buscam oportunidades na adversidade. Oportunidades existem em todos os setores.
·       Olhe para frente: enquanto o foco da maioria das organizacoes estará na crise em si, outras estarão olhando para alem dela, para a inevitável recuperacao da demanda, para a possibilidade de rescessao e para a oportunidade de inovar e repensar seus modelos de negocio. É preciso se preparar para diferentes cenários, mas ao mesmo tempo moldar ativamente seu próprio futuro.
·       Capte os sinais fracos: fundos de pensão passando por queda na rentabilidade e caos em todas as classes de ativos tem como prioridade gestão imediata dos investimentos. Aqueles que tiverem um olhar mais granular, perceberão que há participantes pedindo alternativas de renda e perfis de investimentos não disponíveis hoje (ex.: um perfil ESG), que existe demanda por novos tipos de serviço financeiro e que existem players inovando nesse e em outros setores. Captar sinais fraco significa, acima de tudo, estar bem perto dos participantes, ouvi-los e ser capaz de perceber mudanças de padrão, de crenças, de comportamento e de necessidades.
·       Aja rápido: uma das características dessa epidemia é que a situação se desenvolve e muda numa velocidade maior do que a reação da maioria das organizações, imagine então pensar adiante. É preciso um acompanhamento diário para se manter a par dos acontecimentos. O mesmo vale para inovações e estruturação dos negócios. As mudanças de demanda e novas necessidades emitem sinais fracos e já estão presentes, apenas esperando para ser captados, interpretados e endereçados pelas organizações ágeis. 
Qualquer que seja o setor, sempre existem oportunidades na adversidade. Pode parecer insensível falar de oportunidades para os fundos de pensão em meio a uma crise humanitária, mas líderes (como conselheiros deliberativos) tem a obrigação de olhar adiante, antecipar e atender as necessidades dos participantes, moldar as estratégias das organizações e garantir a sustentabilidade das entidades para que cumpram com sua finalidade.
* * * * *
Por fim, meu conselho para os colegas conselheiros dos fundos de pensão: “Keep Calm” e mantenham uma perspectiva de longo prazo. Ah, não esqueçam de acompanhar o canal “Revolucionando os Conselhos”, onde conselheiros encontrarão reflexões sobre esses e outros assuntos. Primeiro episódio aqui: https://youtu.be/LytChqKfWT8 e o segundo prestes a sair do forno. 

Grande abraço,

Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “How Will Things Be Different When It’s All Over?” publicado pelo BCG Henderson Institute e do artigo “Leading Through Crisis: Diligent Keeps You Updated on COVID-19” pelo Diligent Insights.
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