PARTE 7
Os fundos de pensão 2.0 - Novo modelo de negócios
Andrew Wen-Chuan Lo, professor de finanças na Sloan School of Management do MIT, publicou em 2001 no Journal of Portfolio Management um artigo intitulado “The adaptative market hypothesis: Market efficiency from an evolucionary perspective” no qual aplica princípios de sociobiologia às instituições financeiras. Lo argumenta que o sucesso futuro de uma instituição é governado pela sua capacidade adaptativa e não apenas pelos princípios da competição e da logica de sobrevivência dos que se encontram mais adaptados.
O princípio defendido por Lo é particularmente relevante no caso dos fundos de pensão, que comungam da mesma característica ao redor do mundo: há falta de competição palpável entre os diferentes tipos de instituição que fornecem previdência complementar corporativa.
O desafio para os fundos de pensão criarem inovações institucionais é terem que se preocupar com o passado e simultaneamente colocar esse passado de lado para poder desenvolver novas soluções, mais adequadas ao ambiente presente e futuro. Fortemente atrelados ao emprego e ao conceito de aposentadoria tradicionais, fica difícil para os fundos de pensão atingirem uma velocidade de escape que os liberte para novos voos.
Por isso os fundos de pensão tendem a ser instituições com evolução muito mais lenta do que as instituições financeiras. Eles demoram para se adaptar, adotar e inovar. Se baseiam em práticas passadas, apesar de todas as incertezas criadas pelas mudanças no ambiente e a inercia tende a dominá-los individualmente ou coletivamente.
No entanto, diante do tsunami grisalho que vem se formando os fundos de pensão só têm duas alternativas: se afogar ou nadar. Nadar implica desenvolver um novo modelo de negócios e o novo modelo de negócios dos fundos de pensão vai requer respostas diferentes das atuais para três perguntas: Como? O quê? e Para quem?
Como?
Na neo reality (“nova realidade”) que vivemos hoje, empresas high tech proporcionam experiências sob medida e em alta velocidade para os consumidores e assim vão atraindo milhões de novos clientes a cada mês.
Os players tradicionais, entre eles os fundos de pensão, vêm se mostrando incapazes de atender a expectativa dos nativos digitais, aquela geração que já nasceu com uma tela diante de si.
Junte-se a isso a dificuldade inata dos fundos de pensão em atrair a atenção dos jovens para poupar com vista ao longo prazo (mais aqui: https://bit.ly/2HECeWB), e essa situação tende a se agravar. Como se isso não bastasse, os fundos de pensão estão tão despreparados quanto os bancos tradicionais para prestarem serviços na economia da longevidade.
Da mesma forma que acontece com os bancos tradicionais, faltam aos fundos de pensão: estrutura, softwares, sistemas e soluções, capazes de proporcionar às pessoas com idade acima de 60 anos, uma agradável CX - Customer Experience, ou experiência do consumidor.
Conforme vimos em partes anteriores desse artigo, as soluções agetechs que estão surgindo serão moldadas para permitir a um publico que envelhece que interaja mais confortavelmente com seu fundo de pensão.
Uma nova plataforma digital permitirá que os fundos de pensão combinem o melhor das interfaces antigas com as novas, apenas acrescentando uma camada acima dos sistemas atuais.
Historicamente, os fundos se organizaram em torno de abordagens diferentes para ativos e aposentados, que foram sendo adaptadas especificamente para atender as necessidades individuais desses públicos.
Esse tratamento tradicional em silos está ultrapassado e será abandonado. A fronteira entre ativo e aposentado deixará de existir. Os canais de atendimento que foram acrescentados a cada década (central de atendimento, interfaces online, dispositivos moveis etc.) ficarão sob uma única plataforma digital que fará a gestão de modo centralizado. Os fundos de pensão caminharão para uma nova arquitetura que será “à prova de futuro”, na medida em que as novas soluções serão simplesmente acrescentadas abaixo dessa plataforma digital centralizada atendendo todos os tipos de público, atuais e futuros.
O quê?
Sem entrar no detalhe de políticas e regulamentação, da mesma forma que o conceito de “open banking” vem revolucionando o sistema financeiro, podemos prever que os fundos de pensão não ficarão fora desse movimento.
O Reino Unido é um dos locais nos quais o open banking já é uma realidade e os EUA, Austrália, Japão, União Europeia e Hong-Kong também já estudam como implementá-lo. No Brasil, o Banco Central começou a discutir como ele poderia funcionar e esta trabalhando nas regras do sistema.
Na tradução literal, open banking significa “banco aberto” ou “sistema bancário aberto”. O conceito procura abrir o leque de opções disponíveis para o consumidor e permitir que ele tenha liberdade para levar/portar suas informações financeiras para onde quiser.
Da mesma forma que começa a ocorrer com os bancos, a arquitetura do open bank aplicada aos fundos de pensão (uma espécie de “open pensions”) lhes permitiria ampliar a oferta de produtos e serviços financeiros oferecidos aos participantes e traria mais concorrência e competição a um setor conhecido por ser ultra conservador e concentrado.
Imagine todo o histórico do participante construído ao longo de décadas com um fundo de pensão, como escolhas de perfis de investimentos, valores de contribuições regulares e adicionais recolhidos no ano, empréstimos solicitados, prestações pagas, rendas mensais recebidas, portabildades efetuadas etc.. Num sistema de previdência aberto o participante conseguiria pegar todas essas informações e leva-las para onde quiser, sem ter que começar o relacionamento do zero com outra entidade de previdência/ fundo de pensão ou instituição financeira.
Seria uma mudança enorme que facilitaria muito a vida dos participantes que queiram migrar de entidade de previdência ou simplesmente adquirir um novo produto financeiro de outro player. Mudar de fundo de pensão hoje ou exercer a portabilidade é um processo burocrático e chato (já passei por isso).
A portabilidade entre entidades de previdência e instituições financeiras será rápida, automática, digital e independente do término do vínculo empregatício com a patrocinadora, como é hoje. A previdência será totalmente desvinculada do emprego. Além disso, graças a tecnologia o participante não deixará mais para trás valores “esquecidos” em antigos fundos de pensão, simplesmente por não ter optado por um dos institutos. Você já parou para pensar na montanha de dinheiro que anda perdida por aí?
Um sistema aberto permitiria que um novo fundo de pensão/entidade de previdência tenha o contexto do participante para lhe oferecer algo mais personalizado, como um pacote de investimentos com perfil adequado ao seu ou um limite de empréstimos.
Com um sistema aberto o participante que pede um empréstimo em um fundo de pensão, por exemplo, poderia usar seu histórico já existente para conseguir melhores taxas ou limites em outros lugares.
A partir da tecnologia por trás do open bank/open pensions chamada de API - Applications Programming Interface (ou “Interface de Programação de Aplicativos, em tradução livre) uma série de produtos e serviços podem surgir para competir com as soluções atuais dos fundos de pensão, bancos e fintechs ou para complementar o que eles oferecem.
No fundo de pensão 2.0, os participantes poderão investir em fundos de hedge da longevidade, na bolsa de valores da longevidade e em toda uma gama de alternativas de produtos e investimentos que surgirão na economia da longevidade. Quando a fronteira entre ativo e aposentado deixa de existir, produtos financeiros e previdência complementar se entrelaçam.
Para quem?
Fundos de pensão foram idealizados para oferecer previdência complementar para um grupo específico de pessoas, requerendo-se o vínculo empregatício com uma empresa ou grupo econômico. Basta notar o próprio termo usado no Brasil para conceituar os fundos de pensão: entidades fechadas de previdência complementar.
Mais recentemente os fundos vem procurando abraçar cônjuges e dependentes dos participantes, o que não muda muito sua característica de “fechados”, apenas amplia um pouco seu publico.
Os planos do fundo de pensão 2.0 serão oferecidos não apenas aos funcionários e estendidos aos seus dependentes, mas cobrirão, também, toda a supply chain (“cadeia de suprimentos”), sejam as empresas fornecedoras das patrocinadoras ou “funcionários PJ”. Se o objetivo for atuação em nicho, poderão focar em um setor, ou uma região ou qualquer outra variável que lhes dê escala.
O novo modelo de negócios do fundo de pensão 2.0 terá “arquitetura aberta”, muito mais aberta.
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Nessas duas decadas do século XXI passamos por uma enorme quantidade de mudanças, mas o que vem pela frente vai bater todos os recordes de velocidade. O mundo está sendo varrido por rápidos avanços de tecnologia que vão redefinir o trabalho e até o que significa ser humano.
As (dis)rupturas no emprego induzidas pela tecnologia tenderão apenas a aumentar, desafiando uma parte essencial de nossa identidade humana e redesenhando as economias globais.
Guinadas tecnológicos do passado apagaram do mapa diversas ocupações, ainda assim, de modo geral, impulsionaram a criação de empregos e o crescimento econômico. Se dessa vez será diferente vai depender tanto de nossas escolhas políticas quanto da velocidade das inovações.
É compreensível enxergar o futuro como assustador quando o ritmo das mudanças nos deixa desorientados. Mas o destino dos fundos de pensão ainda não foi escrito.
Ah, sim, quase esqueci de mencionar porque escrevi esse texto antes do Coronavirus. A crise global causada pelo COVID-19 vai passar mais cedo do que tarde. O legado que deixará sobre os fundos de pensão, os sistemas de saude, a economia, as lideranças politicas e as pessoas em geral, será positivo. Na minha opinião, o maior legado dessa crise será deixar impresso em nossas mentes por varias gerações a importância de nossa condição humana e de agirmos pensando no proximo. Nossa humanidade é o que importa e sairemos mais humanos disso tudo.
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Assim, chegamos ao fim desse longo artigo. Muitas ideias, conceitos e soluções aqui descritos já existem, se encontram em pleno desenvolvimento ou estão sendo implementados em alguns cantos do mundo. Outras, porém, são apenas previsões com pitadas de futurologia, por isso: “do not @ me”.
Fontes principais: “The Longevity Industry will be the Biggest and Most Complex Industry in Human History”, “AI Will Drive The Multi-Trillion Dollar Longevity Economy”, “Longevity: Where Technology Meets Precision Health”, todos escritos por Margaretta Colangelo.
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Eder C. da Costa e Silva é sócio-gerente e fundador da E.Carva Investimentos & Participações e autor do livro “Revolucionando os Conselhos dos Fundos de Pensão” (ed. PoloBooks, 2020) lançado em março e disponível aqui: Comprar livro
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