De São Paulo, SP.
Apesar de Richard Thaler ter ganhado o Nobel de Economia em 2017, ele jamais teria sido alçado à fama sem o trabalho de um ex-psicólogo do exército Israelense chamado Daniel Kaneman e seu colaborador mais próximo, outro psicólogo de nome Amos Tversky, ambos professores de Stanford.
O mérito de Thaler foi integrar o trabalho da dupla de psicólogos aos modelos econômicos, mas foram os dois psicólogos que mapearam, catalogaram e explicaram o viés de mais de 80 comportamentos humanos irracionais.
Escrevi sobre isso há 10 anos e quem quiser entender melhor a origem da Economia Comportamental, pode ler um dos artigos da época: aqui.
A Economia Comportamental explica, por exemplo, a razão de jovens empregados não se preocuparem com previdência e das pessoas em geral procrastinarem decisões. O engajamento dos participantes com seus planos de previdência complementar corporativos, portanto, não acontece de forma natural e voluntaria. Requer ações e estratégias para que isso aconteça.
Eis que surge, agora, uma excelente oportunidade para o fundo de pensão que assim o desejar, criar esse engajamento.
(Não) Faço o que eu digo, portanto, não faça o que eu faço
Uma pesquisa conduzida o ano passado perguntou para 1.000 participantes de planos de previdência complementar corporativos se eles se engajariam mais com seu fundo de pensão, caso soubessem que seu dinheiro seria investido em iniciativas ambientais.
Resultado: 68% disseram que sim.
Com base nesse resultado, muitos conselheiros e executivos de fundos de pensão podem ser levados a pensar que bastaria integrar os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) nos investimentos dos planos de previdência para engajar os participantes.
Infelizmente, a Economia Comportamental nos ensina que as pessoas falam uma coisa e se comportam de maneira diferente. Steve Jobs, que sabia bem disso, dizia para seus engenheiros de tecnologia: saiam e descubram o que o consumidor precisa, não o que ele quer!
As pessoas respondem às pesquisas sobre suas decisões de investimentos de forma diferente da que agem ao escolherem anualmente o perfil de investimentos de seus planos de previdência. Quando perguntada, a maioria dos participantes admite que sem provocação subsequente, com o passar do tempo o engajamento de sua poupança previdenciária com seus propósitos tende a cair no esquecimento. É a essência do ser humano sendo ser humano.
Uma gestora de ativos do Reino Unido chamada “Legal & General Investments Management” se uniu a uma fintech chamada “Tumelo” para contornar esse viés do comportamento. Usaram abordagens semelhantes às adotadas pelas mídias sociais para manter participantes de planos de contribuição definida engajados com aspectos ESG.
Fazendo a voz do participante ser ouvida
Durante 12 semanas, entre junho e setembro de 2020, foi oferecido para 1.440 participantes de dois planos de previdência corporativos o acesso online a uma plataforma conectada ao website do fundo de pensão. Toda vez que um participante acessava essa plataforma (da fintech Tumelo), um dashboard individual mostrava os fundos de investimentos em que suas contribuições estavam alocadas.
O dasboard também encorajava o participante a descobrir quando seriam as próximas assembleias gerais ordinárias (AGO) das empresas nas quais seu fundo de pensão estava investido, quais assuntos seriam tratados nessas AGO e a submeter suas preferencias de voto.
As preferencias de voto eram demonstradas clicando botões de “like”, igualzinho aos do Facebook, Youtube ou Instagram. Posteriormente, por meio do envio de e-mails ou de notificações (push notifications) do website do fundo de pensão, o participante era incentivado a ver o resultado da votação do assunto que havia chamado sua atenção, a ver como os outros participantes do seu fundo de pensão haviam votado, como seu gestor de investimentos havia votado na AGO e a ler a justificativa explicando a razão do voto daquele gestor.
A abordagem emprestada das mídias sociais reduziu bastante o trabalho do usuário. Resultado: a plataforma foi amplamente utilizada pelos participantes que votaram 3.778 vezes, em média 3,31 votos por participantes e cerca de 41% dos participantes votaram ao menos uma vez.
Curiosamente a plataforma foi bastante eficaz nos grupos de participantes cujo engajamento costuma ser baixo: jovens que ainda estão no início da jornada de poupança para a aposentadoria, participantes com saldos mais baixos e empregados temporários ou em tempo parcial. Os logins mais frequentes foram de pessoas na faixa de 25 a 34 anos de idade.
A facilidade de uso de uma plataforma amigável ao usuário, também pode ter contribuído bastante para o engajamento em um assunto costumeiramente complexo e distante. As pessoas passaram um bom tempo olhando as empresas nas quais o fundo de pensão estava investindo, talvez por não terem antes a mínima ideia de que tipo de investimento estavam fazendo.
A plataforma permitiu que muitos participantes soubessem pela primeira vez o que estava sendo feito com suas contribuições.
Fundos de pensão mais democráticos e um futuro com mais proposito
Tecnologias e estratégias como as usadas pela fintech Tumelo e a “asset manager” Legal & General são importantes num cenário em que a participação nos planos de previdência complementar ainda depende de mecanismos como a adesão automática.
Não é difícil concluir que participantes que aderiram a um plano de aposentadoria “por inercia” geralmente terão baixo engajamento ao longo de suas jornadas mesmo diante dos apelos que os aspectos ESG representam.
Engajar participantes de fundos de pensão sempre foi um desafio ... até surgir a Geração Z. Essa turminha que está entrando em cena nesse momento já vem programada para alinhar seus investimentos aos seus propósitos.
Eles não vão querer saber como votam os acionistas de uma empresa que faz parte do perfil de investimentos do seu plano de previdência complementar. Porque em primeiro lugar, eles simplesmente não vão colocar o dinheiro deles em um perfil de investimentos ou mesmo em um fundo de pensão que não esteja alinhado com os propósitos deles.
Fundos de pensão hoje preocupados com aspectos ESG para engajar seus participantes, deveriam estar focados em alinhar os propósitos individuais desses participantes com seus investimentos.
Quem ainda faz pesquisa genérica para entender comportamentos de rebanho está deixando de entender verdadeiramente as motivações e a forma de pensar dos participantes.
As tecnologias que vem junto com a transformação digital e a incorporação de aspectos ESG nas decisões de investimentos dos fundos de pensão são apenas meios e não fins em si mesmos. O que o segmento de previdência complementar está precisando é de uma transformação estratégica.
Sendo eu um professional provocateur, não poderia deixar de citar as sabias palavras do filosofo estoico Lúcio Aneu Sêneca: “quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável”.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo "How Mixing ESG with Social Tech Gets Pension Savers Engaged", escrito por Emma Douglas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário