De São Paulo, SP.
Um sinal de que muitos pesquisadores, estudiosos e jornalistas ainda se prendem subconscientemente ao passado é o uso de uma terminologia que marcou toda a história humana recente, mas que já não reflete nem sinaliza a reviravolta que os humanos viverão nessa era que se inicia.
Muita gente usa o termo 4ª Revolução Industrial para se referir a esse novo tempo, como se fosse mera continuação dos anteriores, isso pode ser visto no vídeo abaixo, feito pela Sales Force (https://youtu.be/zgCPvwagEHg).
As mudanças que estão por vir irão muito além da transformação do mundo analógico em um mundo digital. Computadores e robôs oniscientes controlados por inteligência artificial e onipresentes por meio de uma Internet com alcance global, funcionando na velocidade da luz, não revolucionarão apenas as indústrias, os serviços e nossa economia. A revolução, dessa vez, será em nível global, amplo, geral e irrestrito.
Millenials, Gen Z e Gen Alfa ainda conseguirão enganar os robôs, mas até quando?
Millennials, também chamada de Geração Y, se refere aos nascidos após o início da década de 1980 até aproximadamente o final do Século XX. Essa geração desenvolveu-se numa época de grandes avanços tecnológicos, prosperidade econômica, facilidade material e ambiente altamente urbanizado, imediatamente após a instauração do domínio da virtualidade como sistema de interação social e midiática, e em parte, no nível das relações de trabalho (https://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_Y).
A Geração Z é a definição sociológica para as pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade dos anos 1990 até o início da década de 2010. Se a Geração Y foi concebida na transição para o novo mundo tecnológico, a Geração Z foi a primeira verdadeiramente nascida neste meio, mesmo que no seu primórdio (https://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_Z).
Geração Alfa é o grupo demográfico que vem após a Geração Z. Pesquisadores e a mídia usam como marco para definir as pessoas dessa geração, o começo da década de 2010 e o meio da década de 2020. A Geração Alfa é a primeira a ter nascido integralmente no Século XXI (https://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_Alfa).
Siga a multidão
Nos treinamentos que ministro para conselheiros de fundos de pensão eu costumo citar uma pesquisa feita em 2019 pela NACD – National Association of Corporate Directors (Associação Nacional de Conselheiros de Administração) mostrando, entre outras coisas, que as crises serão quase permanentes daqui pra frente:
65% dos CEOs disseram que suas empresas enfrentaram uma crise nos 3 anos anteriores à pesquisa e 75% esperavam enfrentar uma nos 3 anos seguintes.
Pois bem, esse começo de 2021 vai entrar para história, não pelo lado da crise planetária causada pela pandemia do Covid-19, um evento iniciado em 2020, mas sim por causa de uma crise causada no mercado de ações dos EUA e pelos seus desdobramentos.
Em janeiro passado um fórum chamado WallStreetBets (WSB) criado na plataforma de mídia social Reddit criou um fuzuê na bolsa de valores americana quando os participantes (hoje uns 4 milhões de pessoas) se uniram para comprar opções de ação da GameStop, uma velha empresa de jogos eletrônicos, influenciando o destino da companhia.
Se você, assim como eu, costuma ler diariamente as mensagens trocadas no Reddit, já percebeu que é difícil para um ser humano acompanhar a linguagem usada por aquela turma que frequenta a plataforma. Imagine, então, para as máquinas.
Depois do estrago que as transações causaram nas negociações do varejo, fundos de hedge inundaram a plataforma do Reddit com algoritmos cuja missão é tentar detectar o próximo movimento que será induzido no mercado de ações por uma geração cujo senso de proposito encontrou um novo caminho para se manifestar.
O movimento dos “hedge funds” está mostrando a enorme dificuldade para os computadores extraírem dos message boards (quadros de mensagens) onde são trocadas conversas por “traders” amadores, dados que façam algum sentido no mundo real das operações profissionais de compra e venda de ações.
Até mesmo para fazer coisas básicas, como identificar o nome das ações, um algo (gíria para algoritmo em ingles) precisa aprender como interpretar a linguagem dos Millennials, com seus memes e erros propositais de digitação. Isso apenas para começar.
Stefan Nann, CEO da Stockpulse, uma firma alemã sediada em Bonn que trabalha com analytics usando os robôs do Reddit, disse: “Não dá para usar o dicionário padrão com as palavras da língua inglesa. Precisamos ler os comentários e decidir se por trás deles há uma opinião positiva ou negativa – é assim que estamos treinando as máquinas”.
Não por acaso, no mundo da alternative data a chamada sentiment analysis virou o “rei da cocada preta” do momento. Uma pausa aqui, porque vale a pena você entender esses termos em inglês.
Alternative data ou “dados alternativos”: (em finanças) são dados usados para se obter uma visão melhor (insight) sobre as oportunidades e servem de base para melhores decisões no processo de investimentos. Esses conjuntos de dados são geralmente usados por bancos, gestores de ativos, fundos de hedge e investidores institucionais. Reúnem informações publicadas sobre determinada empresa, por fontes externas (de fora da empresa) e podem fornecer uma visão única e tempestiva sobre oportunidades para investimentos. Os conjuntos de dados alternativos são categorizados como big data porque reúnem uma quantidade enorme de dados, cuja grande complexidade não permite manipulá-los com softwares tradicionais usados para tratamento e armazenamento de dados, tipo o MS-Excel. Em comparação aos dados tradicionais produzidos diretamente pela própria empresa, como apresentações feitas para potenciais investidores, informações submetidas a CVM e press releases publicadas na mídia, os dados alternativos são compilados de várias fontes diferentes como sensores, dispositivos moveis, satélites, registros públicos, Internet, transações financeiras etc. Os conjuntos de dados alternativos não estão prontamente acessíveis e são menos estruturados que os dados das fontes tradicionais. Muitos agregadores de dados e outros intermediários se especializaram ao longo da última década, em fornecer dados alternativos para analistas e investidores https://en.wikipedia.org/wiki/Alternative_data_(finance)
Sentiment Analysis, “análise de sentimento” ou “mineração de opinião”: é chamada por alguns de “Inteligência Artificial das Emoções” e se baseia na análise de textos, no processamento de linguagem natural, em linguística computacional e biometria para, sistematicamente, identificar, extrair, quantificar e estudar estados afetivos e informações subjetivas. Essa análise é amplamente feita revisando-se pesquisas de opinião do consumidor, reviews de clientes online, mídias sociais etc. Em um nível mais básico, a “análise de sentimento” procura classificar a polaridade expressa em um texto, seja em uma simples sentença ou no documento como um todo, identificando se a opinião é positiva, negativa ou neutra. Classificações mais avançadas vão além da polaridade de sentimento analisando, por exemplo, estados emocionais como contentamento, raiva, desgosto, tristeza, medo e surpresa. https://en.wikipedia.org/wiki/Sentiment_analysis
Olhando em retrospectiva, pelo menos na teoria, seguir a multidão teria resultado em lucros astronômicos.
É assim que a coisa funciona
A Stockpulse, mencionada acima, é especializada na análise de sentimentos e detectou o primeiro burburinho em torno das ações da GameStop no Reddit, no começo de dezembro/2020, um mês antes do preço das ações começar a subir (gráfico acima).
Funciona mais ou menos assim: um usuário do Reddit posta comentários indignados sobre o porquê de determinada empresa (ex. a BlackBerry Ltd.) estar valendo mais do que quatro vezes o preço de suas ações. Um algo treinado por uma empresa de analytics, tipo a MarketPsych, detecta o código da ação da BlackBerry (BB) no texto e varre o post a procura de sinais que indiquem o sentimento de compra ou venda da ação.
O algoritmo tenta, então, descobrir a intensidade desse sentimento a partir de pistas como emojis de alegria ou raiva, o uso de tempos verbais no futuro, palavras como “líder de mercado” e até mesmo palavrões.
Esse processo é repetido com níveis de teste cada vez mais rígidos e vai fornecendo mais segurança à interpretação e conclusão.
Conforme explica o fundador da MarketPsych, um psiquiatra certificado para atuar como conselheiro de administração, a IA que processa linguagem natural não consegue interpretar posts nas mídias sociais de forma tão direta como os sinais sobre os resultados trimestrais, emitidos pelo executivo de uma empresa num call com analistas de mercado.
Quando surge uma nova gíria, o dicionário das máquinas precisa ser atualizado pelos humanos. Fazer isso em nível mundial é ainda mais difícil. A MaketPsych demorou certo tempo para descobrir o quê diferentes emojis significam em culturas diferentes e saber que os ingleses são bem mais sutis nos insultos que fazem ao falar mal da ação de determinada empresa. Os desafios são vários, por exemplo, o computador precisa saber diferenciar o termo “hold” (segurar em inglês) de “HOLD” que é o símbolo de um ETF na bolsa de Nova York formado pelos mesmos caracteres da palavra.
O que vem pela frente
Fóruns de discussões como o do Reddit ,Tweeter e outras mídias sociais influenciando a compra de ações no varejo não tem um track record (histórico) longo e consistente na seleção de ações, como aqueles usados atualmente por analistas quantitativos.
Além disso, não existe uma simples correlação linear entre o sentimento das pessoas e o retorno das ações, de modo que muita pesquisa e filtragem ainda precisarão ser feitas para tornar uteis os dados monitorados na Internet e suas mídias sociais.
Por outro lado, o exército do varejo mostrou em janeiro passado o tamanho do dano que pode causar quando se concentra em empresas que odeia para prejudicar operadores de ação que trabalham a descoberto, que no vernáculo da turma do Reddit são chamados de “shorties”.
Acrescente nessa equação os participantes de planos CD e as escolhas que podem fazer periodicamente de perfis de investimentos. O segmento dos fundos de pensão vem, historicamente, individualizando cada vez o risco e o retorno das escolhas pessoais no retorno dos investimentos de seus participantes. Para o bem e para o mal, as mídias sociais estão por ai, a disposição de todos e deles também.
Saber para onde o dinheiro do varejo está se deslocando e em qual empresa o dinheiro da multidão vai pousar, em tese, pode ser lucrativo.
Os indivíduos são responsáveis hoje por 25% do volume de negociações de ações nos EUA. Esse número vai aumentar, não apenas por lá, mas no mundo todo, quando incluirmos nessa conta as negociações de cryptomoedas.
Na medida em que papel dos indivíduos for ganhando relevância nos mercados de ações e de cryprtativos, os robôs também ganharão experiência.
Até o dia em que a linguagem dos indivíduos será irrelevante para determinar o futuro do mercado de ações ... não apenas dele.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: "Wall Street robots are taking on the confusing world of Reddit", escrito por Stefan Nann.