De São Paulo, SP.
A distinção entre dinheiro de curto prazo, dinheiro de longo prazo, investimentos, poupança, consumo, câmbio, transferência local e internacional de recursos, encontra-se hoje apenas na consciência coletiva dos reguladores do sistema financeiro.
Quando todas essas coisas forem colocadas juntas, vai surgir algo que as pessoas usarão e acharão super útil. Aliás, já está surgindo.
A disruptura dos modelos de negócio de bancos, fundos de pensão, instituições de poupança, crédito, investimentos, meios de pagamento, caminha a passos largos. Passa, necessariamente, pela quebra das barreiras construídas em torno de cada uma dessas atividades, limites que as fizeram funcionar separadamente, dentro de silos, por centenas de anos.
Carteiras Digitais ou Digital Wallets
Carteira digital é um sistema criado com base em softwares que permitem guardar com segurança as informações e senhas que o usuário usa para fazer pagamentos através de inúmeros métodos e em diferentes websites.
As carteiras digitais são contas digitais que permitem aos usuários armazenar fundos (recursos), fazer operações financeiras e controlar o histórico de suas transações e pagamentos via computador ou celular.
Elas podem fazer parte de um app de banco, integrar uma plataforma separada de pagamentos como o PayPal, Alipay e ApplePay ou ser construídas a partir de linhas de programação em um blockchain.
As carteiras digitais construídas em blockchains são a interface para guardar e transacionar com cryptomoedas tipo Bitcoin, Ethereum e centenas de outras.
Digital wallets, como são chamadas em inglês, eliminam a necessidade de se carregar carteiras físicas, usadas para guardar dinheiro em papel e dispensam a abertura de contas-corrente em bancos.
Por isso, são a maior forma de inclusão financeira jamais vista no mundo. Permitem que pessoas em zonas rurais ou países pouco desenvolvidos recebam pagamentos por serviços prestados ou produtos vendidos, bastando um celular para isso.
As transações financeiras com cryptomoedas feitas por meio de carteiras digitais, podem ter origem e destino em qualquer país do mundo, sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia.
O número de pessoas com carteiras digitais está ultrapassando, nos EUA, a quantidade de pessoas com contas em grandes bancos, i.e., as chamadas contas de depósitos à vista.
O banco JP Morgan Chase demorou 30 anos e teve que adquirir outros cinco bancos para atingir, em 2020, cerca de 60 milhões de correntistas.
As carteiras digitais do Square Cash e do PayPal Venmo chegaram, respectivamente, a 59 milhões e 69 milhões de usuários ativos por ano (AAU – Annual Active Users) crescendo organicamente num período de apenas 7 anos no primeiro caso e 10 anos no segundo (gráfico abaixo).
Custo de aquisição de cliente e potencial de receitas por cliente
Afinal, qual a razão de organizações centenárias do sistema financeiro tradicional e o próprio modelo de negócios de bancos, administradoras de cartão e fundos de pensão estarem passando por disruptura e ficando para trás? O que explica esse movimento?
Existem diversas razões que explicam por que isso está acontecendo. Porém, deixando de lado as mudanças sociológicas e concentrando o foco nas conhecidas variáveis “despesa” e “receita”, fica fácil entender. Olha só.
Square, uma fintech de meios digitais de pagamentos fundada em 2009 no Vale do Silício, em São Francisco, vale hoje mais do que o Goldman Sachs, um gigante financeiro global fundado em 1869 em Nova York.
Klarna, outra fintech, dessa vez sueca, que fornece serviços financeiros online, focados em pagamentos para lojas online, pagamentos diretos, pagamentos pós-compra etc., conhecida como a gigante do “compre agora, pague depois”, lançou contas de poupança recentemente e está avaliada em US$ 30 bilhões.
Affirm, mais uma fintech, uma empresa de tecnologia financeira de capital aberto com sede em São Francisco, fundada em 2012, atua como financiadora de empréstimos parcelados, para o consumidor usar no ponto de venda e financiar uma compra, tem valor de mercado de US$ 30 bilhões.
O que todos esses players de um novo sistema financeiro, que vem surgindo, têm em comum? Uma delas é o baixíssimo custo de aquisição de clientes, quando comparado ao custo incorrido pelos players do sistema financeiro tradicional para obter novos clientes para seus produtos financeiros.
O gráfico abaixo mostra o CAC – Customer Acquisition Cost (custo de atração de clientes) de diversos produtos do sistema financeiro. No caso de carteiras digitais esse custo é de apenas US$ 20 enquanto atrair novos clientes de seguros chega a custar US$ 770 e novos clientes de cartões de crédito ou correntistas nos bancos pode chegar a US$ 1.500 (gráfico a seguir)
O outro ponto que está fazendo as fintechs se desgarrarem dos negócios do sistema financeiro tradicional é o “potencial” de receita por cliente.
Explico usando um conceito de marketing, o LTV - Lifetime Value (algo como valor ao longo da vida). LTV é uma previsão do lucro líquido atribuído a todo o relacionamento futuro com um cliente. Pode ser definido como o valor monetário do relacionamento medido através do valor presente dos fluxos de caixa futuros projetados desse cliente.
O LTV é um conceito importante porque incentiva as empresas a mudar seu foco dos lucros para a saúde de longo prazo de seus relacionamentos com os clientes. O valor que um cliente retorna ao longo do tempo também é uma métrica importante para empresas com venda recorrente ou com repetição, porque permite avaliar o valor viável de CAC (custo para aquisição do cliente) e assim definir um limite superior de gastos para adquirir novos clientes.
Os clientes de carteiras digitais e de apps financeiros tem um LTV potencial com produtos financeiros e comerciais de cerca de US$ 20.000 (gráfico a seguir).
As empresas de todos os setores e não apenas aquelas que operam no sistema financeiro, querem hoje tudo que é financeiro de seus clientes. O conceito de embedded finance (algo como “finanças embutidas”, em português) mostra esse fenômeno, da inclusão de soluções financeiras próprias no portfólio de produtos de empresas que não são nativas desse setor. Tipo o iFood, que por meio do Zoop Banking passou a oferecer aos seus parceiros de negócio serviços e produtos financeiros próprios de um banco.
Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também
A quebra das barreiras que separavam as instituições financeiras dos demais negócios simplesmente deixou de existir. As empresas de todos os setores e não apenas aquelas que operam no sistema financeiro, querem hoje tudo que é financeiro de seus clientes.
As fintechs vão se distanciando dos bancos justamente pelo potencial de alavancagem CAC x LTV mencionada acima. Muito fácil ver isso:
O float na avaliação atual dos bancos gira em torno de 10-20x os ganhos. A fintechs estão sendo precificadas em 20-100x a receita, numa clara desconexão. Assumindo uma margem de 10% (estimativa bem grosseira) o lucro seria de 15x dos bancos contra 500x das fintechs, uma diferença de 30 vezes!
Tudo vai ficando de cabeça para baixo e às avessas, enquanto o capital vai sendo atraído pelos novos players de um novo sistema financeiro, que vai se desconectando do tradicional. É isso que mostram as figuras abaixo, na primeira, a avaliação das principais fintechs no mundo e na segunda, o valor que as fintechs mais inovadoras atraíram em capital no ano de 2019.
O exemplo das fintechs foi mencionado aqui apenas para mostrar as razões que explicam os bancos estarem sendo substituídos por empresas construídas em cima de tecnologia intensiva e novos modelos de negócios que atraem milhões de clientes (usuários) em curtos espaços de tempo.
As fintechs, porém, não diferem substancialmente dos bancos quando se olha as taxas cobradas dos clientes e seu crescimento vem ocorrendo através da mesma infraestrutura na qual o sistema financeiro tradicional opera.
Isso que está acontecendo entre os bancos e as fintechs, acontecerá ainda mais rapidamente e de maneira muito mais abrangente entre as fintechs e os projetos no blockchain e na Web 3.0.
Em dezembro passado escrevi sobre o papel de uma nova Internet nesse movimento num artigo intitulado: A Internet dosValores e os Planos de Previdência Complementar.
Voltarei ao assunto em posts e artigos futuros.
Por ora, tenha em mente a música Já sei namorar, dos Tribalistas, quando você quiser projetar o que vai acontecer com bancos, administradoras de cartão de crédito, instituições de poupança, fundos de pensão, planos de previdência individual, seguradoras, gestão de investimentos e todas as demais empresas e setores da economia (https://youtu.be/wCGVle2e-Zg)
Grande abraço,
Eder.
Fonte: How $12 Billion in Fintech SPAC Capital is Teaching US About The Economicsof Target Únicos Like Payoneer, Apex, SoFi, and MoneyLion, publicado pela “The Fintech Blueprint”.
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