domingo, 10 de agosto de 2025

EXPLICANDO PARA UMA CRIANÇA DE DEZ ANOS PORQUE OS PLANOS CD AMERICANOS, OS 401(K), ESTĀO EVOLUINDO E OS NOSSOS NĀO

 


De Sāo Paulo, SP.


Antigamente, uma das maneiras de se ter um beneficio de aposentadoria era trabalhar para uma empresa por muitos e muitos anos. A empresa te pagava um salário e quando você se aposentava ela continuava te pagando até você morrer.

A empresa tinha obrigação de te pagar um certo valor todo mês - uma renda vitalícia - e para cumprir com essa obrigação, ela separava e investia dinheiro num fundo de pensão, para assegurar que teria o suficiente para te pagar.

Se investisse muito bem, teria mais do que o suficiente para te pagar e podia guardar o que sobrasse. Se investisse mal, teria menos do que o necessário e precisava colocar mais dinheiro do bolso para te pagar o que devia.

Essa situação era ruim, nāo apenas para a empresa – que tinha que colocar mais dinheiro – mas também para você, porque te deixava exposto à riscos. Existe uma lei no Brasil, a Lei Complementar 109 regulando os planos de poupança para a aposentadoria, que requer das empresas nas quais os aposentados confiam, uma gestão prudente de seus fundos de pensão, para que as pessoas não percam todo o dinheiro (chamamos isso de papel fiduciário).

Outra forma de economizar para a aposentadoria era trabalhar para uma empresa por décadas. A empresa te pagava um salário e você mesmo poupava e investia parte desse salário por sua conta. Ao se aposentar, a empresa não te pagava nada – você nāo recebia renda nenhuma de aposentadoria da empresa – mas começava a gastar o dinheiro que você mesmo havia economizado e investido. Se tivesse investido mal, teria menos do que precisava e isso era um problema seu, nāo do seu empregador. Se quisesse, podia investir todo o seu dinheiro em caderneta de poupança ou - para obter uma dispersão maior dos possíveis retornos - podia investir parte em ações, parte com os bancos (por ex. em CDBs), parte em apostas esportivas e até na megasena, algumas dessas escolhas sendo, obviamente, muito ruins.

Porém, a forma mais comum (chamamos de paradigma) de se poupar para a aposentadoria em 2025 é uma terceira alternativa, que fica no meio do caminho entre as duas primeiras: um plano de contribuição definida (plano CD). Nessa alternativa, você nāo recebe uma renda até morrer; a empresa nāo continua te pagando um valor fixo depois que você se aposenta. Ao invés disso, igual a segunda alternativa, você separa e investe uma parte do seu salário todo mês (e a empresa coloca um dinheiro extra para você).

Diferente do que acontece na segunda alternativa, você nāo pode investir como quiser o dinheiro que está poupando – você nāo pode jogar no jogo do bicho, nem colocar dinheiro no salão de manicure da sua tia. Ao invés disso, sua empresa te dá uma lista (tipo um menu) de opções de investimento e você escolhe entre elas. A empresa tem a responsabilidade – lembra do papel fiduciário? – de te dar uma lista prudente de opções de investimento. Se uma dessas opções for, por exemplo:

“caso você queira, levaremos todo seu dinheiro para Las Vegas e apostaremos na roleta, no vermelho 17”

… e você escolher essa opção e a bolinha parar no preto 21 da roleta, fazendo você perder toda sua poupança de aposentadoria, você certamente processará na justiça seu empregador e provavelmente ganhará a ação (isso nāo é nenhum aconselhamento legal).


Credito de Imagem: Brian Jones/Las Vegas News Bureau


Ou seja: no plano CD as pessoas são responsáveis pela própria poupança de aposentadoria, mas não inteiramente responsáveis. A empresa delas tem certa obrigação (de novo, responsabilidade fiduciária) de orientar o investimento e não deixar as pessoas fazerem loucuras. Isso também está na Lei 109/2001, mas precisa ser entendido historicamente. Nos velhos tempos, as empresas se comprometiam a pagar uma renda até a pessoa morrer, então, tinham que investir responsavelmente, por isso desenvolveram expertise para gerenciar com prudência o dinheiro das aposentadorias.

A poupança para aposentadoria nos dias de hoje requer que os trabalhadores, individualmente, tomem decisões de investimento. Mas enquanto as empresas continuam usando certa expertise para investir com prudência o dinheiro da aposentadoria, em certos momentos os trabalhadores gostariam de apostar, individualmente, um pouquinho mais. As empresas adotam um papel paternalista ao direcionar a decisão de investimento dos trabalhadores, para tentar evitar que eles percam todo o dinheiro. Se as empresas não levarem isso a sério, elas serão processadas.

O ponto principal de tudo isso, claro, sāo as normas legais sobre que tipos de investimentos podem ou nāo ser oferecidos. Essas normas mudam com o tempo. No Século XIX – muito antes dos planos CD e da Lei 109/2001 – era considerado imprudente investir em ações individuais de empresas (ao invés, digamos, de emprestar dinheiro para o governo ou para empresas, investindo em títulos públicos ou dividas privadas). Isso mudou totalmente no século XX com a evolução das bolsas de valores. Nos anos 70, quando surgiram no mercado americano pela primeira vez os fundos mútuos de investimentos, alguns empregadores ficaram de fora, achando que violaria seu dever fiduciário e nāo seria prudente colocar dinheiro nesses fundos, que reuniam ações de várias empresas num mesmo investimento.

Por volta do final dos anos 90, no entanto, as autoridades encarregadas de regular a poupança para a aposentadoria passaram a considerar os fundos mútuos de investimentos “uma boa opçāo, que deveria ser encorajada” e a gestão ativa dos investimentos (i.e. a compra direta de ações individuais de empresas) nāo tāo boa e deveria ser desencorajada. A lógica era: (i) investir em ações isoladas tende, no longo prazo, a não superar consistentemente o mercado; (ii) as taxas de administração de açōes sāo muito mais altas do que as dos fundos mútuos; e (iii) provavelmente é mais prudente investir em fundos mutuos do que contratar gestores ativos. Em 2018 os tecnocratas brasileiros resolveram proibir por completo o investimento dos planos de aposentadoria em imoveis, obrigando-os a investir apenas em fundos imobiliários.

Essa visão que privilegia os fundos mútuos não é universal, com algumas empresas e seus fundos de pensão ainda fazendo regularmente a gestão de carteiras de ações individuais em seus planos de contribuição definida, mas há enorme pressão para manter baixas as taxas de administração, o que é mais fácil conseguir investindo em fundos mútuos.

Todo mundo entende que investimentos têm riscos e que se o perfil de investimentos do menu oferecido por um plano CD perder dinheiro, isso nāo é necessariamente culpa do empregador nem de seu fundo de pensāo. Mas, se o perfil de investimentos oferecido por um plano de contribuição definida cobrar o dobro da taxa de administração cobrada por outros fundos de investimentos semelhantes, isso (sim) parece imprudente e pode ser um grande problema.

Atualmente, as coisas que as pessoas mais falam quando conversam sobre o que deve ou nāo estar entre os investimentos oferecidos pelo seu plano de contribuição definida, sāo: (i) crypto; (ii) investimentos socialmente responsáveis; e (iii) investimento em startups e na economia real.

A questão essencial nāo é se deveria ser permitido ou nāo você investir nessas coisas, mas sim o que acontece se as autoridades deixarem seu fundo de pensāo investir nessas coisas e sua poupança para a aposentadoria perder dinheiro. Pelo fato dos planos de contribuição definida envolverem tanto escolhas individuais dos trabalhadores como paternalismo das empresas (e do governo) e também pelo fato do governo poder ser acusado de ter sido imprudente se deixar você investir em coisas que perdem dinheiro, os reguladores da previdência complementar tendem a permitir apenas classes de investimento claramente consideradas “prudentes” sob determinadas normas e visões.

Credito de Imagem: AdobeStock


Fundos mútuos de investimentos em 2025, são claramente prudentes. Ações individuais, em 2025, um pouco arriscadas. Investir diretamente em imoveis em 2025, nada prudente. Mas e crypto? Seria uma opção prudente para seu empregador e seu fundo de pensão, incluir crypto no menu de investimentos do seu plano de contribuição definida?

Eu acho que a resposta obvia é: “ano passado nos EUA nāo era prudente, mas a regulamentação lá mudou e agora é”. Aqui no Brasil continua nāo sendo prudente, porque o entendimento do governo é que “crypto é muito volátil”. Mas essas, tipo, nāo sāo respostas com embasamento econômico-financeiro. Acontece que em 2024 o governo americano era bastante cético sobre permitir crypto e outros investimentos nos planos de contribuição definida, mas em 2025 há um governo diferente que adora crypto. Por isso, essa mudança está sendo formalizada nos EUA. Da mesma forma, o dia em que os tecnocratas tupiniquins finalmente mudarem de ideia e passarem a permitir crypto nos planos de contribuição definida brasileiros, nada terá mudado em relação aos fundamentos econômicos e ao nível de volatilidade do ativo, tudo continuará sendo o mesmo. A mudança será, apenas, de visāo de mundo e das circunstâncias do momento …

O Presidente Trump assinou um decreto na quinta-feira passada permitindo que os planos de contribuição definida, os 401(k), ofereçam investimentos em cryptomoedas, imóveis, private equity (leia-se startups) e investimentos alternativos. Essa foi uma grande vitória para os setores da economia americana que estāo de de olho nos US$ 12,5 trilhões mantidos nesses planos.


Credito de Imagem: www.bitcoinmagazine.com


O decreto fará o Labor Department - o Ministério do Trabalho do Tio Sam - reavaliar a atual proibição dos planos de aposentadoria investirem em ativos alternativos. Levará, também, a um maior esclarecimento da posição do governo sobre a responsabilidade fiduciária associada com a oferta de perfis de investimentos com alocação em classes de investimentos alternativos, como crypto.

Nāo está claro o quanto essa história toda tem a ver com a ascensão dos cryptoativos como classe de investimentos e quanto tem a ver com a necessidade de redução do paternalismo do governo na regulaçāo dos planos de contribuição definida.

Fora do mundo da previdência complementar, as pessoas têm, de longe, muito mais alternativas de investimentos e opções muito mais interessantes para aplicar seu próprio dinheiro, do que que tinham alguns anos atrás.

Você pode comprar ações individuais, de qualquer empresa na bolsa de valores e agora pode comprar (aqui no Brasil mesmo), frações de um prédio comercial em Osaka – Japão (que foi tonekizado), pode investir em startups de lançamento privado de satélites, como a Rocket Labs da Nova Zelândia e a Space X dos EUA e pode apostar em mercados preditivos na Web3, como Polymaket e Alchemy. Você nāo pode comprar ações tokenizadas da OpenAI, mas dá um mês e isso poderá acontecer.

Puxado por cryptoativos, meme coins e apostas legalizadas nos esportes (bets), as normas gerais sobre que tipo de investimentos as pessoas comuns fazem, devem ser autorizadas a fazer ou podem gostar de fazer, mudaram.

Há uma ampla aceitação e o entendimento geral de que deve ser permitido às pessoas fazerem todo tipo de investimento e apostas loucas com o dinheiro delas, de que um pouco de excitação é bom para os investimentos e que é uma boa característica do sistema financeiro oferecer algumas alternativas divertidas de aplicação.

E se isso for verdade, então, o sistema de previdência complementar e os planos de contribuição definida também vāo passar a oferecer alguma dessas alternativas.

Nāo é possível antecipar quando, mas num futuro próximo será permitido aos fundos de pensão brasileiros oferecer crypto e algumas outras opções mais “selvagens” nos perfis de investimentos de seus planos de contribuição definida.

Nos EUA, se você escolher alguma dessas opções e elas não derem certo, é problema seu. No Brasil, o governo acha que é problema dele, mas quando as coisas dāo errado, mesmo depois de você ter seguido tudo aquilo que ele determina que pode ser feito, o problema continua sendo seu …

Grande abraço,

Eder.


Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “401(k) Plans Will Get More Fun”, escrito por Matt Levine.



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