O complexo industrial da aposentadoria – fundos de pensão, seguradoras, governo, gestores de investimentos, planejadores financeiros, Banco Central com sua semana de educação financeira – tornaram a poupança uma cruzada moral.
O roteiro é:
Acumule agora, viva depois. O diferimento da satisfação que decorre de gastar, em prol da poupança para um futuro melhor.
Contribua para seu plano de previdência complementar com o máximo possível para ter incentivo fiscal, guarde cada centavo que puder ao longo da vida, até chegar a idade de aposentadoria. E essa idade chega.
Agora você tem 60, 65,70 anos. A poupança que você acumulou durante sua carreira é real e pode até parecer impressionante, no papel.
Mas esse é um momento para o qual ninguém te preparou, nenhum programa de educação financeira abordou o assunto, nenhum fundo de pensão te orientou, nenhum governo quis saber:
A mudança de mentalidade, a virada da chave de poupar para gastar.
O oposto incômodo — e quase vergonhoso — da acumulação, o ato que faz parecer que você está infringindo a lei, chama-se “desacumulação”.
Toda disciplina que você cultivou ao longo da vida, abrindo mão de um cafezinho, contribuindo para um plano de saúde individual, investindo como um monge, se torna um fardo psicológico.
A parte mais fácil é poupar
Economizar parece nobre porque foi incutido em nossa cultura. As pessoas encaram a frugalidade como uma distinção:
“Eu me sacrifiquei. Apertei o cinto. Não mexi nas minhas economias”.
Toda vez que você checa seu saldo de conta e vê os juros compostos fazendo-o aumentar, recebe uma carga de dopamina.
Porem, assim que começa sua aposentadoria, essa carga de dopamina muda de sinal. A utilização do saldo de conta que você acumulou por décadas, o faz sentir como um ladrão.
De repente, você é o vilão da sua própria história, consumindo a pilha de dinheiro que levou 40 anos para acumular. Os estudiosos da economia comportamental chamam isso de aversão a perda.
A dor que você sente ao ver o dinheiro sair da sua conta de previdência complementar é duas vezes maior do que o prazer de vê-la crescer. Na fase de desacumulação essa dor é recorrente, você a revive todo mês.
O sistema nāo foi construído para gastar
O sentimento psicológico não é o único problema. O sistema de previdência complementar e os fundos de pensão em si mesmos, foram desenhados para acumulação, nāo para desacumulação.
Toda arquitetura de planos CD, de PGBLs, VGBLs, perfis de investimentos, foi pensada como uma armadilha para reter o capital, não para liberá-lo.
Veja por exemplo o regime tributário regressivo, quanto mais tempo você deixa o dinheiro intocado, menos imposto você paga. A penalidade para quem gasta muito cedo vem na forma de um tapa de 35% de alíquota de imposto.
Orientação no momento de receber a renda mensal, ajuda sobre a melhor forma de resgatar valores do saldo de conta acumulado durante a aposentadoria? Risível.
Ninguém fala da volatilidade dos juros, da inflação, do saldo decrescente, do impacto desses e outros fatores sobre sua renda mensal.
Os aposentados ficam com o pior dos dois mundos: de um lado um sistema que desencoraja os gastos e do outro um que estima a duração da renda com projeções tão frágeis que fazem a astrologia parecer ciência.
Os perigos do “e se?”
A desacumulação nāo é apenas um problema matemático, é uma máquina de criar ansiedade. Toda vez que você considera receber determinado montante do saldo de conta acumulado em um plano CD, é acometido por uma tempestade de “e se?”:
E se eu viver até os 100 anos?
E se o retorno dos investimentos cair esse mês?
E se a inflação desgarrar de novo?
E se meu cônjuge precisar de cuidados médicos?
E se reduzirem o benefício do INSS?
De repente, aquela viagem a Buenos Aires parece irresponsável. A reforma do banheiro pode ser imprudente. Até pagar um jantar de aniversario para seus filhos pode desencadear uma espiral de pânico.
Quando você está poupando as incertezas te levam a economizar mais, quando você está desacumulando, as incertezas te paralisam.
A armadilhada herança
Filhos, netos, bisnetos, você se preocupa com todo mundo então o roteiro padrão torna-se deixar um legado financeiro para eles, mesmo quando não era esse o seu plano.
Por isso vemos pessoas com 85 anos vivendo como mendigos enquanto seus planos de previdência complementar estão abarrotados de dinheiro. Mas a realidade é que:
Seus filhos prefeririam que você nāo se martirizasse. Eles querem que você viagem, aproveite a vida, viva. A menos que sejam mimados, se forem, pare de dar presentes para eles.
Dinheiro foi feito para ser gasto e durante a aposentadoria, gastar significa ser usado em experiências, conforto e momentos alegres. Nāo foi feito para ser guardado até o seu obituário.
Aposentadoria não é planilha e planejamento nāo é cura
Os fundos de pensão acham que a solução para a fase de desacumulação está em: simuladores de benefícios, projeções pelo método de Monte Carlo, perfis de investimentos conservadores.
Você passa décadas fazendo uma dieta financeira e de repente te convidam para um banquete. Você simplesmente nāo sabe o que deve comer. Uma ideia radical:
A aposentadoria não é uma equação baseada em matemática, é uma equação baseada em tempo!
Você nāo sabe quanto tempo tem pela frente. Seu dinheiro é flexível, renovável, fungível. Seu tempo nāo é. Cada ano que você passa hesitando em usar o dinheiro que economizou para a aposentadoria, é um ano que não volta jamais.
A cultura da acumulação nos ensina a ter medo da falta de dinheiro. Mas o maior risco — aquele que ninguém coloca em um belo gráfico — é o de ficar sem tempo, sem tempo para viver mais um pouco.
Gaste com vontade
A desacumulação é difícil porque vai de encontro a tudo aquilo que somos ensinados sobre dinheiro. Gastar suas economias soa algo errado, arriscado, até mesmo vergonhoso.
Não obstante, a aposentadoria é um capítulo da nossa vida no qual gastar é nāo apenas permitido – gastar é exatamente o objetivo.
Seu futuro eu nāo quer saber sobre perfis de investimentos, rebalanceamento de carteira, tábuas atuariais. O que importa para ele é se você fez aquela viagem dos sonhos, jantou naquele restaurante bacana, foi ao show de rock da década.
Entāo, vá em frente. Gaste esse maldito dinheiro. Não de modo imprudente, não de forma tola — mas com propósito.
Porque o mais assustador sobre a desacumulação não é ficar sem dinheiro antes do fim da vida. É ficar sem vida antes do fim do dinheiro
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “Decumulation Nation: Why Spending Money Is Harder Than Saving It”, escrito por Troy Breiland.



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