segunda-feira, 30 de março de 2020

Fundos de pensão - Navegando na grande recessão




Credito de Imagem: i.imgur.com/6Si84v..


De São Paulo, SP.

O debate publico acalorado gira hoje em torno de duas alternativas irrealistas para resolver a crise causada pelo COVID-19: (1) um retorno imediato ao trabalho; e (2) quarentena generalizada até que surja uma vacina - prevista para daqui a um ano ou mais.

Ambas as alternativas podem levar ao colapso social e econômico e nenhuma das duas nos fornece uma visão clara de como seria o meio termo, onde geralmente repousa a sabedoria, conforme aprendi com os mais velhos.

Como seria esse meio termo? Os elementos de uma possível estratégia começam a emergir aqui e acolá. A via do meio muito provavelmente envolverá a quarentena do país inteiro até o final de abril. Então, o retorno ao trabalho precisará se desenrolar gradualmente e envolver bastante dos elementos abaixo, seguida de novas ondas de quarentena, se e quando necessário:

  • Proteção e isolamento continuado para a população vulnerável;
  • Continuidade da restrição à aglomeração de pessoas e circulação indiscriminada em locais públicos;
  • Aumento da produção de equipamentos de proteção e respiradores;
  • Aprovação de algum tratamento com eficácia clínica comprovada para casos críticos;
  • Prioridade para aqueles que não podem trabalhar de casa sobre os que podem;
  • Horários intercalados das jornadas de trabalho para evitar aglomeração na hora de rush e em transportes públicos;
  • Teste rápidos e em larga escala para detectar rapidamente e conter novos casos de infecção;
  • Séria restrição a viagens para isolar e evitar a disseminação de novas infecções; e
  • Testes para detectar anticorpos para que indivíduos imunes possam ser identificados.
Até que uma solução intermediaria para a crise comece a tomar forma, veja alguns conselhos dados pelo ex-CEO da Honeywell - Dave Cote, que adaptei para os conselhos deliberativos e diretorias dos nossos fundos de pensão. 

Foque em liderar, não em obter consenso

Em geral, diz Cote, os líderes não conseguem atravessar uma recessão tão bem. É surpreendente a frequência com que um líder entra em pânico nessas situações, afinal são humanos. 

Em tempos difíceis muitos líderes buscam consenso porque isso reduz o risco de fazerem a coisa errada. Isso é um erro. Como diz aquela frase famosa atribuída ao General George S. Patton: “Se todos estão pensando da mesma forma, então alguém não está pensando”. 

O importante é ouvir todo seu pessoal e então, tomar a decisão certa ao invés de perder tempo tentando encontrar uma solução com a qual todos concordem. O líder deve usar seu poder de persuasão para motivar todos a implementarem sua decisão.

Tomar boas decisões não significa se basear só na intuição e ignorar a opinião dos demais. Obtenha a opinião de todos, não apenas daqueles que falam mais alto. A diferença entre um gestor e um líder é que o primeiro se preocupa com a implementação, enquanto o segundo se municia de fatos e opiniões e toma decisões.

É preciso gastar algum tempo com as pessoas para construir um mosaico de visões, não será tão bonito quanto um quadro pronto nem tão tosco como um esboço, mas vai te dizer o que está acontecendo.

Ouça a todos, dê autoridade aos introvertidos para eles poderem falar. Na reunião do conselho / diretoria, vá apontando um a um na sala: “João, o que você pensa sobre isso?”, “Maria, qual a sua opinião?”, “Pedro, o que você acha?”.  De repente, aqueles que estavam em silencio, os mais tímidos, vão começar a falar. As pessoas participam de modo diferente. Se você não se der conta disso e der ouvido apenas aos mais extrovertidos, tomará decisões ruins.

Espere o melhor, prepare-se para o pior e pense na retomada

Ao olharmos adiante e tentarmos antecipar o que virá, especialmente numa recessão, temos a tendência a focar num cenário intermediário, menos ruim. No entanto, mesmo que seu plano para a crise não se baseie no pior cenário, comece a executa-lo como se esperasse que o pior fosse acontecer.

Os líderes tendem a pensar que a situação não é tão ruim quanto alguns querem fazer crer – até que seja tarde demais. Usando uma frase que tenho repetido ao longo dessa crise, “espere o inesperado”.

A prioridade, seja numa recessão ou em época de economia forte, deve ser com os participantes do fundo de pensão. Cuide deles. Os participantes se lembrarão como foram tratados nesses tempos ruins. 

Apesar da preocupação com o aspecto financeiro dos participantes vir lá no alto, não há nada mais importante do que resguardar a segurança e a saúde dos empregados, principalmente numa crise como a do COVID-19. Essa é absolutamente uma das maiores prioridades.

O plano para passar pela turbulência também não pode descuidar do cenário pós-crise. Não deixe de planejar a retomada. 

Na crise de 2008 muitos economistas e vários players do mercado financeiro previram que a recuperação seguiria uma curva em “L”. Teríamos baixo crescimento e alguns diziam até que crescimento zero por anos a fio.

Porem, olhando para trás, faz mais sentido o que um economista disse naquela época. A opinião dele era que “a forma que você sai de uma crise é a mesma forma que você entra nela”. Isso faz total sentido.

Um descompasso na economia que faz os participantes de um fundo de pensão perderem 2% a 3% da poupança previdenciária, levará a uma recuperação de 2% a 3% durante a retomada. Uma retomada desse porte é fácil gerenciar.

O problema é planejar para o futuro quando a queda é de, digamos, 25%. A retomada, segundo aquele economista, acontecerá em uma acentuada curva em “V”. Uma perda de 25% é difícil gerenciar, mas um salto de 30% que recupere as perdas também não será fácil gerenciar. 

Para seu fundo de pensão se destacar da multidão, pense diferente e calibre sua estratégia para uma recuperação em “V”. Se determinada classe de ativos perdeu 10%, se prepare para um aumento nessa ordem. Se perdeu 40%, calibre-se para uma retomada no mesmo nível.

Trabalhe com dois planos de recuperação. Primeiro, reduza as despesas do seu fundo de pensão o máximo possível para enfrentar uma recessão. Segundo, assegure-se que os cortes não minem sua capacidade de recuperação.

Mantenha seus empregados

Acompanhe e ajuste as despesas semana a semana. 

Não demita os empregados. Prefira licenças e mantenha-os em casa. Além de limitar a flexibilidade, demissões custam e o custo de uma demissão ultrapassa a maior parte da economia que ela gera. Geralmente, incorre-se em custo sem que isso traga nenhum benefício por seis meses ou mais. 

Quando finalmente o custo começar a ser recuperado, nos três a seis meses seguintes, será exatamente o período que você terá que começar a recontratar e treinar novas pessoas para as posições em aberto.

A retomada começa e você demitiu 10% do seu quadro. Agora você estará no meio de uma guerra por talentos e terá dificuldade em achar pessoas para substituir as que perdeu. Todo mundo também estará contratando e o conhecimento histórico dos planos que seu fundo de pensão administra, se foi. Fundos de pensão não são que nem fabricas, a reposição de talentos é muito mais complicada, requer longo tempo de treinamento e conhecimento especializado.

Demissão como ferramenta de gestão de custo nunca fez sentido para mim, ainda mais no setor de previdência complementar. A economia é mínima e a luta por talentos se dá num mercado com oferta apertada.

Não demita seu pessoal, afaste se necessário e deixe os empregos em casa esperando voltar para seus empregos, eles retornarão com as competências intactas quando a retomada começar. Ao invés de concentrar dor em 10% das pessoas, distribua esperança entre todos.

Reduza benefícios para todo mundo. Um outro aspecto importante. Não caia na tentação de adotar uma política de afastamento "cross the board", querendo tratar todas as áreas da mesma forma por questão de solidariedade. Se fizer isso, terá grande chance de penalizar áreas essenciais. Adote o afastamento dependendo de como cada área do fundo de pensão está sendo afetada. 

Ao longo da minha carreira de consultor, desenhei inúmeros planos com um “freio de emergência”. Inclui em vários deles um mecanismo permitindo que a patrocinadora diminuísse drasticamente ou suspendesse suas contribuições ao plano em situações de calamidade. Chegou a hora de usar esse dispositivo!

Diminuir a contribuição das patrocinadoras ao plano evita que elas tenham que cortar o salário dos empregados. Depois da crise, na medida que melhore a situação, as contribuições poderão ser recompostas no todo ou em parte, num ritmo que faça sentido para as empresas.

Seja sincero, não pinte um mundo todo cor de rosa

O Diretor Presidente deve falar aos empregados do fundo de pensão sobre o que está acontecendo, mas não é obrigado a ter todas as respostas. As pessoas perguntarão quanto tempo isso vai durar. As pessoas não lidam bem com ambiguidade e farão pressão por uma resposta definitiva. Não caia na tentação de dizer que essa crise vai passar logo ou em “x” meses, não tenha medo de não ter a resposta. 


Ser líder implica também em ter que dizer o que as pessoas não querem ou não gostam de ouvir, tipo, teremos que colocar pessoas em licença.

A melhor abordagem é prometer que fará tudo para amenizar o impacto sobre os empregados enquanto persegue o objetivo principal do fundo de pensão que é cuidar de seus participantes. Dizer que os empregados vêm antes dos participantes é ignorar a realidade. Se você quer um futuro para os empregados do seu fundo de pensão, cuide primeiro dos participantes. Sem eles, não há fundo de pensão.

É sempre melhor ser direto do que tentar “dorar a pílula”. Quando todos estão tendo que fazer mais com menos o nome disso não é festa, o nome disso é recessão!

Durante uma crise, não receba bonificação

Empregados não ficam contentes quando a diretoria recebe bônus em meio a um ambiente de terra arrasada. Se você é Diretor Presidente de um fundo de pensão, aqui vai um conselho: abra mão de seu bônus nessa crise do coronavirus.

Não fique em silêncio, diga isso aos empregados. Eles querem ouvir isso da liderança, o sacrifício deve ser de todos.

Por fim

Depois da pandemia do COVID-19, virá a "pandemia do déficit fiscal". A distribuição de dinheiro para irrigar a economia, uma prática que o americano chama de “helicopter money” (algo como “dinheiro jogado de helicóptero”), está sendo adotada não apenas no Brasil, mas em vários outros países também.

No entanto, diferentemente do que o nome pode fazer crer, o dinheiro que cai do céu de forma figurada tem que ser impresso aqui mesmo, na terra. Direta ou indiretamente, essa conta será paga por todos.

Espere o melhor, mas prepare-se para o pior.

Grade abraço,

Eder
Fonte: Adaptado de artigo do Alan Murray, CEO da Fortune (Link aqui)

sexta-feira, 27 de março de 2020

O "Efeito Dunning-Kruger”, COVID-19 e fundos de pensão





De São Paulo, SP.

Em plena luz do dia em 1995 um homem grandalhão e de meia idade roubou dois bancos em Pittsburgh-EUA. Sem máscara ou qualquer disfarce, ainda sorriu para as câmeras de segurança ao sair andando calmamente pelas portas da frente. 

Ao ser preso na noite do mesmo dia e confrontado com imagens mostradas pela polícia, McArthur Wheeler, surpreso, murmurou: “mas eu usei suco de limão ...”.

A polícia concluiu que Wheeler não era maluco nem estava sob o efeito de drogas, ele apenas estava redondamente enganado. Wheeler acreditou que, se o suco de limão é usado para tornar tintas invisíveis, bastaria esfregar suco de limão no corpo e não se aproximar de nenhuma fonte de calor para passar incólume pelas câmeras de vigilância. 

A saga de Wheeler chamou a atenção de David Dunning, Prof. de Psicologia Social da Universidade de Cornell, que junto com Justin Kruger, um de seus alunos de graduação, investigou o que estava acontecendo.
   
Ilusão de Superioridade ou Efeito Dunning-Kruger

Dunning e Kruger bolaram diversas experiências para investigar o fenômeno. Num dos estudos, submeteram um grupo de estudantes de graduação a uma serie de perguntas sobre gramática, logica, piadas e outros assuntos. Ao final, pediram que cada um estimasse seu próprio score e como eles achavam ter se saído em comparação com os demais estudantes.

Os estudantes que se saíram pior, classificados no último quartil, estimaram que suas performances eram melhores do que 2/3 dos demais estudantes. Apesar da correlação entre excesso de confiança e ignorância, Dunning e Kruger mostraram que o fenômeno é universal. Todos nós temos pontos cegos em nossa autoconfiança e apesar disso muitas vezes nos causar constrangimento, faz parte do nosso processo de aprendizagem.
Num dos estudos da Universidade de Cornell, 90% dos participantes alegaram familiaridade com pelo menos um dentre nove termos e conceitos que simplesmente foram inventados pelos pesquisadores.     
As pessoas têm uma visão favorável de suas próprias habilidades em vários domínios sociais e intelectuais, mas avaliam – erroneamente – que tem um conhecimento muito maior do que realmente possuem. É um viés cognitivo e esse efeito foi chamado de “ilusão de confiança”, “ilusão de superioridade” ou “efeito Dunning-Kruger”.   


Impactos do Efeito Dunning-Kruger nos fundos de pensão 
Em plena pandemia causada pelo coronavirus, vemos brotar uma legião de epidemiologistas de poltrona, sem nenhum conhecimento relevante em medicina, repetindo informações sem nenhuma base de conhecimento. 
Aquele cara que colava de você nas aulas de biologia no ensino médio é o que tem mais coisas a falar sobre coronavirus. Puro Efeito Dunning-Kruger. 
O que tudo isso tem a ver com fundos de pensão e a crise do COVID-19? Tudo a ver! Numa pesquisa feita em 2012 nos EUA pela Fundação FINRA - Financial Industry Regulatory Authority (https://www.usfinancialcapability.org) com pessoas que faliram seus negócios, 23% atribuíram a si mesmos o score mais alto possível ao avaliarem seu conhecimento financeiro. 
Lendo esse resultado de outra forma, não é difícil inferir que as escolhas de perfis de investimentos ou de pagamento de rendas adotadas por muitos participantes de fundos de pensão podem ser contaminadas por um subliminar excesso de confiança em conhecimentos financeiros. 
Vários fundos de pensão permitem que os participantes mudem de perfil de investimentos no meio do ano, outros no final do ano, alguns nas duas ocasiões. 
O mesmo vale para a forma de recebimento do benefício. Há planos que permitem ao assistido mudar a forma de pagamento. Por exemplo, alterando o percentual do saldo de contas que recebem por mês ou então o número de anos que definiram para esgotar o saldo de suas contas. Sem falar em outras tantas escolhas embutidas nos atuais desenhos de plano de muitos fundos de pensão.
Os participantes terão que fazer escolhas em algum momento ao longo de 2020. Escolhas fazem parte da vida. 
Seria importante tentar evitar que nossos participantes sejam iludidos em suas escolhas por suas próprias experiências de vida, teorias, fatos, intuições, estratégias, heurística e palpites que, apesar de lhes parecerem conhecimentos uteis e precisos para tomada de decisões, lamentavelmente não os sejam. 
Isso é possível? 
Como saber o que sabemos, o que não sabemos e proteger os participantes?
Em sua obra “Meditations on First Philosophy”, o pensador e filosofo do século XVII, René Descartes, se fez essa mesma pergunta.

Ao ler as palavras que escrevo nesse momento, como você sabe o que elas significam? Como você sabe que sabe o que elas significam? E o que você não sabe que não sabe? Se começar a pensar sobre isso tudo, você vai acabar pirando.

A verdade é que é difícil ter certeza ... sobre qualquer coisa. A essência do conhecimento, do saber, de onde vem, como experimentamos, da diferença entre conhecimento e crença, verdade e palpite, é estudada num ramo da filosofia chamado epistemologia. 

O Efeito Dunning-Kruger tem muito mais a ver com conhecimento do que com inteligência inata e por fazer parte do processo de aprendizado pode ser amenizado.

Os participantes recebem todo ano muitas informações de seus fundos de pensão para permitir melhores decisões sobre perfis de investimentos e formas de recebimento dos benefícios. 

O COVID-19 é fato novo e desconhecido e até os experts tem dificuldade para prever o que vai acontecer. Por isso é importante muita, muita comunicação, grandes doses de orientação e educação financeira permanente e continuada.

Grande abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado de textos do Quartz Daily Obsession, escritos por Annaliese Griffin, Holly Ojalvo, Adam Pasick e Corinne Purtill (https://qz.com/emails/quartz-obsession/1824679/?utm_source=email&utm_medium=daily-brief)

quinta-feira, 26 de março de 2020

CONDUZINDO O FUNDO DE PENSÃO ATRAVÉS DAS PROXIMAS FASES E ALÉM DA CRISE DO COVID-19






De São Paulo, SP.

Em tempos de incerteza nossas organizações de previdência complementar precisam contar com práticas modernas de governança. Essa governança precisa assegurar uma tomada de decisões rápida e segura, dando visibilidade e informando os “stakeholders” internos e externos sobre todas as decisões. 

Passada a primeira semana da fase 2 da crise (mais aqui: https://bit.ly/2QCIK59) os fundos de pensão estão:

1.    Focando nos riscos operacionais e na continuidade dos negócios;
2.    Preocupando-se com ataques cibernéticos surgindo com o trabalho remoto;
3.    Adotando formato virtual para as reuniões do conselho;
4.    Perguntando-se: como ficarão as coisas quando tudo tiver terminado? 

Detalhando cada item.

1.    Focando os riscos operacionais e a continuidade dos negócios

Com as respostas ao COVID-19 em andamento e o trabalho no escritório sendo transferido para “home-office” visando colocar os empregados em um ambiente mais seguro, os fundos de pensão precisam começar agora a se preocupar com os riscos operacionais que surgirão nas próximas ondas dessa crise.

Que perguntas a liderança do fundo de pensão deveria estar se fazendo sobre os riscos associados aos seus fornecedores de serviço? Sobre a continuidade de suas operações e de suas próprias patrocinadoras no longo prazo? Sobre os impactos no fluxo de contribuições para custeio administrativo?

As crises muitas vezes apresentam oportunidades improváveis para inovar.

Após passarem uma ou duas semanas adotando providencias imediatas para lidar com a crise, os conselheiros precisam começar a se preocupar com os problemas que a pandemia do coronavirus causará nas operações e na própria sobrevivência do fundo, no longo prazo.      

O coronavirus deverá romper a cadeia global de suprimentos (mais aqui: https://bit.ly/3dwO8kf) nas próximas semanas e muitas patrocinadoras dos fundos de pensão serão fortemente afetadas em sua saúde financeira. 

“Uma variável bastante relevante nesse cenário é a solvência das próprias patrocinadoras porque sem elas, o principal fluxo de contribuições para pagamento das despesas administrativas pode ser interrompido”    

Crie cenários de interrupção das contribuições das empresas e participantes para avaliar possíveis impactos imprevisíveis. Conforme aprendi lendo “The Black Swan” escrito por Nikolas Nassin Taleb: espere o inesperado, especialmente diante das (dis)rupturas inevitáveis nas operações das patrocinadoras e no emprego/salário de muitos participantes.

A crise do coronavirus, indubitavelmente, vai ensinar os fundos de pensão a lidar com interrupção de contribuições em larga escala. Mesmo nesse estágio relativamente inicial dos acontecimentos, poderemos aprender lições importantes sobre como gerenciar crises dessa natureza, um ensinamento que poderá ser aplicado mais adiante. 

Vai levar semanas para muitos fundos de pensão entenderem sua exposição a esse desastre porque desconhecem a consequência da interrupção quase total no custeio administrativo. É preciso que se preparem com antecedência, porque se não o fizerem, poderá ser muito tarde caso essa (dis)ruptura venha realmente a surgir.   

“Ninguém tem uma bola de cristal para saber o que vai acontecer, mas os conselhos e as diretorias mais bem preparados são os que se reúnem regularmente e discutem com agilidade as implicações para o fundo de pensão, conforme os acontecimentos evoluem. Há muita coisa em jogo, nesse momento não dá pra errar”

2.    Preocupando-se com ataques cibernéticos

O trabalho remoto gera preocupação com ataques cibernéticos. A maioria das empresas e fundos de pensão colocou todos os empregados em "home office”, muitos sem ter nem políticas de trabalho à distância nem infraestrutura de TI adequados. 

Reuniões de conselho nas quais assuntos sensíveis são discutidos e decisões confidenciais são tomadas, agora acontecem via web. Várias usando aplicativos como Skype, Zoom (Perigos do Zoom) e similares. Trocas de mensagens entre conselheiros e diretores estão sendo feitas via Whatsapp, Messanger e Gmail.

Os hackers estão se aproveitando disso e explorando os pontos fracos nas defesas cibernéticas das organizações. Os fundos de pensão devem adotar medidas para mitigar o risco cibernético nesses tempos de incertezas. Seguem algumas dicas para tornar seu “local de trabalho” mais seguro, onde quer que ele esteja. 

·       Use uma VPN – Virtual Private Network sempre que possível: quer você esteja trabalhando na sala da sua casa ou numa cafeteria local, você precisa usar um acesso remoto seguro para se conectar ao sistema do seu fundo de pensão. Uma VPN (Rede Virtual Privada) gera uma conexão criptografa para acessar a rede, documentos e contatos da sua organização, enquanto uma rede publica (aberta) de Wi-Fi é mais vulnerável e menos segura. Fale com a área de TI do seu fundo sobre isso.  
·       Melhore a segurança da rede que usa na sua residência: gaste alguns minutos para tornar sua rede pessoal mais forte e segura. Se a senha do Wi-Fi da sua casa é “Password123”, por exemplo, mude. Uma dica de pro (profissional) é usar como senha uma frase tipo: “Amo Leopoldo o meu cachorro 62!”. Atualize também a senha do seu roteador, muitas vezes é a default que vem com o aparelho, assegurando que seja diferente da senha da rede. 
·       Proteja sua comunicação verbal e de texto: por mais que você tenha um serviço robusto e seguro de conexão com a Internet na sua casa, ela pode ficar instável e cair durante o dia devido a sobrecarga de uso nesse momento. Trocas de mensagens de texto via dispositivos móveis com seus colegas de trabalho entram em cena e precisam ser seguras. No Brasil até juízes já tiveram suas mensagens de Telegram invadidas ... Seu fundo de pensão precisa ter protocolos que assegurem trocas de mensagens de voz e de dados seguras entre os empregados e a organização. Existem aplicativos que usam criptografia segura para troca de mensagens pessoais tipo Wickr, Slack e Signal. Para comunicações corporativas também existem soluções que protegem a troca de dados, como por exemplo, Structural e Blink.
·       Impressão e descarte de documentos em casa: se for necessário imprimir documentos confidenciais em casa, recomenda-se usar a opção “Secure Print” (Impressão Segura) que aparece no menu de impressão. Isso permite, em poucos passos, criar um ID e uma senha para impressão segura e pode ajudar a reduzir riscos. Se tiver que descartar documentos, reduza-os a pedaços bem pequenos que dificultem sua recomposição, coloque em sacos de lixo separados e se livre deles em dias diferentes.  
·       Dispositivos móveis e impressões: finalmente, se for carregar seu celular em um desses totens encontrados em locais públicos, use um bloqueador de dados via USB. Esses bloqueadores são baratos e permitem que você conecte seu telefone a uma estação de carregamento sem expor os dados do seu aparelho. 
·       Não descuide da segurança física: use um software de criptografia do disco rígido do seu computador, assim, se roubarem seu PC ou Laptop não será possível acessar as informações corporativas gravadas nele. Se tiver que sair, tranque as portas da sua casa e do seu carro e evite deixar seu computador exposto, tranque-o no porta-malas para se precaver dos chamados ladrões de galinha, que quebram o vidro e levam apenas o que está a vista.
Um pouco mais sobre riscos cibernéticos aqui: Cyber Attacks

Proteja sua saúde .... e seus dados. 

3.    Adotando formato virtual para as reuniões do conselho;

Apesar dos atrasos e eventuais postergações de prazos, os fundos de pensão, assim como suas próprias patrocinadoras, muito provavelmente deverão fazer reuniões virtuais para aprovação das demonstrações financeiras anuais do exercício de 2019. 

Veja mais sobre o impacto e atrasos que o coronavirus está causado nas assembleias de acionistas ao redor do mundo, aqui: https://bit.ly/2QHsPm8.

Para realização de reuniões virtuais dos conselhos, muitos fundos serão forçados a revisitar e ate contornar o formato previsto em seus estatutos, regimentos internos e regulamentações especificas. Porem, não deverá haver resistência de participantes nem de órgãos oficiais, dadas as circunstâncias.
Por outro lado, alguns conselheiros que representam participantes assistidos podem ter dificuldade ou mesmo não dispor de meios tecnológicos em suas residências para acessar os softwares usados para reuniões virtuais. 

Votar por meio de vídeo ou áudio vai demandar ampla oportunidade para os conselheiros fazerem perguntas e esclarecerem dúvidas, vai requerer a disponibilização antecipada de relatórios e informações para os conselheiros (sem comprometer a segurança de acesso às mesmas) e não poderá prescindir de segurança e estabilidade das conexões, nada pode ficar pendente.

Realizar reuniões virtuais pode parecer algo simples, mas há desafios a superar e não se pode incorrer em riscos legais futuros.   

4.    Como será o mundo quando tudo isso tiver terminado? 

A adoção em massa do comércio eletrônico na China e o aparecimento do Alibaba foram creditados à crise causada pelo vírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ocorrida entre 2002 e 2003. É compreensível que os fundos de pensão e suas patrocinadoras estejam ocupados, nesse momento, em reagir aos desafios de curto prazo. Porem, além da reação, os fundos de pensão precisam se preocupar com três outros “R”: recuperação, recessão e reinvenção.

Quando a crise do COVID-19 terminar, não espere que seu fundo de pensão volte a realidade de 2019. Além dos fundos de pensão, a sociedade como um todo tem uma oportunidade para reinventar normas, comportamentos e formas de coordenação e colaboração.

A retomada das atividades é inevitável, deverá ocorrer em algum momento, aparentemente já está começando a acontecer na China. Dado a complexidade de se reiniciar as atividades, algo que deverá acontecer em velocidades diferentes nos diversos setores da economia, o momento para se começar a preparar a estratégia para a retomada é agora.     

Nos últimos 100 anos os choques causados pelas epidemias afetaram os ciclos econômicos de forma aguda, mas apenas temporariamente. Parece que dessa vez pode ser diferente. Um choque simultâneo na demanda, na oferta e na confiança do consumidor pode facilmente empurrar a economia global para uma recessão.

Os fundos de pensão mais pudentes vão se preparar para essa possibilidade. Dados históricos mostram que 14% das empresas em todos os setores melhoram lucros e resultados durante uma recessão. Aquelas que florescem partilham de uma característica comum, elas se preparam, focam em transformações de longo prazo e apostam no crescimento enquanto os competidores se contraem.

Mesmo depois que a epidemia tiver retrocedido e ainda que haja uma recessão, haverá oportunidades e a necessidade de reinventar modelos de negócios, operações e o portfolio de serviços.

Visualizar o mundo pós-crise e enxergar oportunidades na adversidade demanda antecipar novos aprendizados, novas atitudes, novos hábitos e novas necessidades. 

A crise funciona como uma maré baixa, revela as pedras debaixo da superfície do mar, que sempre estiveram ali. Apos a crise, algumas empresas (vale também para os fundos de pensão) retomarão as operações sem olhar para trás. Outras analisarão as lições aprendidas e as usarão para melhorar sua capacidade de previsão de cenários, inteligência de mercado, análise de riscos, planejamento estratégico, gestão de crise, comunicação, trabalho remoto, infraestrutura de TI, mobilização da força de trabalho e muitas outras áreas. 

A crise também deverá mudar as atitudes dos consumidores, criando uma percepção diferente sobre higiene pessoal, viagens, compras online, produtos de limpeza, delivery de alimentos etc. No caso dos fundos de pensão, os participantes ganharão maior consciência sobre a importância de assumir a gestão de suas rendas, das relações sociais, planos de saúde, importância da escolha dos perfis de investimentos e muitas outras coisas. 

Alguns comportamentos, alterados pela crise, persistirão e levarão a novos hábitos mesmo depois que a epidemia passar. Necessidades não atendidas serão reveladas, podendo se tornar alvo de inovações. Aconselhamento financeiro individual, por exemplo, espera-se que entre no radar de participantes e entidades. Entenda como os fundos poderão moldar essas oportunidades emergentes.   

·       Prepare-se para enxergar “oportunidades na adversidade”: a economia lida com médias e valores agregados enquanto a estratégia tem a ver com criar desvios que se afastem dessas médias. Os fundos de pensão que florescerão durante e além da crise são aqueles que acreditam e buscam oportunidades na adversidade. Oportunidades existem em todos os setores.
·       Olhe para frente: enquanto o foco da maioria das organizacoes estará na crise em si, outras estarão olhando para alem dela, para a inevitável recuperacao da demanda, para a possibilidade de rescessao e para a oportunidade de inovar e repensar seus modelos de negocio. É preciso se preparar para diferentes cenários, mas ao mesmo tempo moldar ativamente seu próprio futuro.
·       Capte os sinais fracos: fundos de pensão passando por queda na rentabilidade e caos em todas as classes de ativos tem como prioridade gestão imediata dos investimentos. Aqueles que tiverem um olhar mais granular, perceberão que há participantes pedindo alternativas de renda e perfis de investimentos não disponíveis hoje (ex.: um perfil ESG), que existe demanda por novos tipos de serviço financeiro e que existem players inovando nesse e em outros setores. Captar sinais fraco significa, acima de tudo, estar bem perto dos participantes, ouvi-los e ser capaz de perceber mudanças de padrão, de crenças, de comportamento e de necessidades.
·       Aja rápido: uma das características dessa epidemia é que a situação se desenvolve e muda numa velocidade maior do que a reação da maioria das organizações, imagine então pensar adiante. É preciso um acompanhamento diário para se manter a par dos acontecimentos. O mesmo vale para inovações e estruturação dos negócios. As mudanças de demanda e novas necessidades emitem sinais fracos e já estão presentes, apenas esperando para ser captados, interpretados e endereçados pelas organizações ágeis. 
Qualquer que seja o setor, sempre existem oportunidades na adversidade. Pode parecer insensível falar de oportunidades para os fundos de pensão em meio a uma crise humanitária, mas líderes (como conselheiros deliberativos) tem a obrigação de olhar adiante, antecipar e atender as necessidades dos participantes, moldar as estratégias das organizações e garantir a sustentabilidade das entidades para que cumpram com sua finalidade.
* * * * *
Por fim, meu conselho para os colegas conselheiros dos fundos de pensão: “Keep Calm” e mantenham uma perspectiva de longo prazo. Ah, não esqueçam de acompanhar o canal “Revolucionando os Conselhos”, onde conselheiros encontrarão reflexões sobre esses e outros assuntos. Primeiro episódio aqui: https://youtu.be/LytChqKfWT8 e o segundo prestes a sair do forno. 

Grande abraço,

Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “How Will Things Be Different When It’s All Over?” publicado pelo BCG Henderson Institute e do artigo “Leading Through Crisis: Diligent Keeps You Updated on COVID-19” pelo Diligent Insights.
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