De Sāo Paulo, SP.
Não há espaço para o “eu-ismo” quando os conselheiros pensam e traçam estratégias sobre como seu fundo de pensão deveria funcionar.
“Eu-ismo”: refere-se a atitude ou comportamento caracterizado pelo foco excessivo centrado em si mesmo ou em um grupo específico. Usado para descrever indivíduos que priorizam seus próprios interesses, vontades ou desejos, acima daqueles dos demais. No contexto social ou de conselhos, refere-se a tendencia de se enfatizar, em grau extremo, interesses determinados, sem preocupação com outras partes envolvidas.
O papa da administração dos anos 80, Peter Druker, cunhou uma frase que ficou famosa: “a cultura engole a estratégia no café da manhã”, falava ele.
Druker queria dizer com isso, que uma organização pode ter a melhor estratégia do mundo, mas de nada adiantará se a cultura corporativa não permitir que ela venha a ser efetiva e corretamente implementada.
No segmento de previdência complementar fechada, os fundos de pensão, temos um problema estrutural na governança dos conselhos, que surgiu um par de décadas atrás quando a legislação alçou aos colegiados os representantes dos participantes.
Que fique bem claro, os representantes dos participantes podem e devem estar nos conselhos. O problema não foi, absolutamente, os conselhos passarem a contar com representantes de participantes, mas sim a forma como esses representantes vem atuando.
Um dos trabalhos prioritários do conselho é cuidar da cultura corporativa, começando pelas práticas do próprio colegiado e orientação de seus membros. O conselho é a consciência da organização.
Faça a consciência funcionar corretamente e o sucesso acontecerá, beneficiando a todos os stakeholders (partes interessadas) do fundo de pensão.
Misturar “eu-ismo” com dever fiduciário, não dá certo
O sucesso não rolou para Samuel Bankman-Fried, fundador da corretora de cryptomoedas FTX, nem para as conselheiras da OpenAI, Helen Toner e Tasha McCauley, que demitiram o CEO Sam Altman.
Todos os três eram devotos do altruísmo eficaz e procuravam, conforme eles mesmos diziam, beneficiar a humanidade através de suas atuações profissionais. Bankman-Fried vai “puxar” uns 25 anos de cadeia pelo uso indevido do dinheiro de terceiros. Toner e McCauley, prejudicaram empregados, investidores e a imagem da OpenAI.
O fracasso deles não deveria nos surpreender. Altruísmo nos conselhos é um “eu-ismo” com anabolizantes. Pressupõe que conselheiros podem usar critérios microeconômicos e se meter na gestão, da forma que considerarem mais adequada, para tomar decisões que resultarão em benefícios para aqueles que se propõe a defender.
É uma forma de “ética utilitária” buscando um bem maior, para um número maior, que alegadamente usa decisões supostamente objetivas – mas realmente aplicadas de forma seletiva – para medir o “bem” que eles se propõem a fazer.
O “eu-ismo” não tem lugar nos conselhos. É incompatível com as obrigações fiduciárias, às quais os conselheiros são incumbidos, eis que essas são orientadas, literalmente, para todas as partes envolvidas.
O dever fiduciário de cada membro do conselho é buscar, por meio da lealdade com o fundo de pensão e do devido zelo na supervisão de sua administração, melhorar a vida de todos – sim, incluindo dos participantes, mas também das empresas patrocinadoras e das demais partes interessadas.
Por isso, os conselheiros representantes dos participantes precisam colocar o “eu-ismo” de lado e traçar estratégias sobre o que seu fundo de pensão deveria fazer no mundo. Eles foram nomeados para cargos de conselheiro e precisam agir sob a perspectiva da organização, não da gestão voltada para interesses de apenas uma parte dela.
Inquestionavelmente, o ethos de um fundo de pensão é gerar segurança financeira futura na forma de benefício corporativo e do esforço individual de poupança de seus participantes.
Mas o trabalho do conselho de um fundo de pensão requer prestar atenção aos meios – como, exatamente, gerar essa segurança financeira, valorizá-la como um benefício oferecido pelas patrocinadoras e reconhecer a dedicação de poupança dos participantes – e não prestar atenção exclusivamente aos fins, i.e., apenas ao dinheiro, que não tem moral, nem personalidade.
Os riscos da governança baseada no “eu-ismo”
Uma boa governança, voltada para todas as partes interessadas, diminui os riscos futuros e aumenta a probabilidade de a organização ser sustentável no longo prazo.
Se parte dos stakeholders for menosprezada e tratada casuisticamente, a relação do fundo de pensão com todas as suas partes interessadas, ficará subotimizada e os resultados sofrerão os efeitos disso.
Os deveres fiduciários sedimentam a ética na cultura do conselho, o “eu-ismo”, não.
Ah antes d’eu ir, só para constar, tudo isso que foi mencionado nesse artigo vale também, em gênero, número e grau, para os conselheiros nomeados pelas patrocinadoras. Essas coisas não sāo muito diferentes entre eles não e no caso deles, o “eu-ismo” é centrado nos interesses específicos das patrocinadoras.
É legítimo que um conselheiro leve em consideraçāo os interesses da parte que o nomeou - patrocinadoras ou participantes - mas no fim do dia, esses interesses precisam convergir no melhor interesse do fundo de pensāo e de ninguém mais.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “For Boards, It’s Fiduciary Duties First, Effective Altruism Never”, escrito por Stephen Young.
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