De Sāo Paulo, SP.
A Lei das Consequências Não-Intencionais nos ensina que a ação de pessoas, especialmente de governos, sempre tem efeitos que não foram previstos ou não eram a intenção original.
O conceito de consequências não-intencionais é um dos fundamentos da economia. A “mão invisível” de Adam Smith, a metáfora mais famosa em ciências sociais, é um exemplo positivo de consequências não-intencionais.
Smith afirmou que cada individuo, perseguindo apenas seu próprio ganho, “movido por uma mão invisível, é levado a promover um fim que não era parte de sua intenção”, esse fim sendo o interesse publico e o desenvolvimento econômico.
Economistas e cientistas sociais sabem disso há séculos, mas durante esse mesmo tempo políticos e governantes têm ignorado o conceito. A Lei das Consequências Não-Intencionais lança luz sobre os efeitos imprevistos de legislações e regulamentações.
A análise mais completa do conceito de consequências não-intencionais foi feita em 1936 pelo sociólogo americano Robert K. Merton em um artigo intitulado “The Unanticipated Consequences of Purposive Social Action” – em português seria algo tipo “As Consequências Imprevistas de Ações Sociais Intencionais”.
No artigo, Merton identifica cinco fontes (causas) de consequências não-intencionais, as duas primeiras e mais difundidas, sendo ignorância e erro.
Merton rotulou a terceira fonte como sendo o “imediatismo imperioso dos interesses”. Com isso ele se referia aos casos em que um individuo deseja tanto o resultado de uma ação que opta, propositalmente, por ignorar quaisquer efeitos não intencionais.
Esse tipo de ignorância intencional é muito diferente da verdadeira ignorância. Um governo pode, por exemplo, proibir o aborto por questões morais, apesar das crianças nascidas como consequência dessa política serem indesejadas e tenderem a ser mais dependentes do Estado. As crianças indesejadas são uma consequência não-intencional da proibição do aborto, mas não são algo imprevisível e sim ignorado conscientemente.
A quarta fonte de consequências não-intencionais foi definida por Merton como “valores básicos”. A ética protestante do trabalho duro e do ascetismo, escreveu Merton, “paradoxalmente leva ao seu próprio declínio, através da acumulação de riquezas e posses”.
A quinta e última causa de consequências não-intencionais identificada por Merton foi a “previsão autodestrutiva” Ele se referia às situações em que a previsão de um desenvolvimento social acaba se mostrando falsa, exatamente porque a previsão muda o curso da história. Por exemplo, os alertas feitos no começo do século passado de que o crescimento populacional causaria fome em massa, levaram a avanços científicos na produtividade agrícola que impediram que a profecia se tornasse realidade.
A lei das consequências não-intencionais constitui a base para várias críticas à decisões de governo, porque as consequências não-intencionais podem aumentar tanto o custo de algumas decisões que tornam imprudente levá-las adiante, mesmo que atinjam seus objetivos.
A lei das consequências não-intencionais está em todos os lugares e sempre está em açāo.
Alerta: vem aí a proliferação de saldos de pequeno valor
Credito de Imagem: https://401kspecialistmag.com/
A adesão automática foi adotada no Reino Unido em 2012. No Brasil somente agora, em 2024, esse dispositivo começa a se disseminar nos planos de previdência complementar corporativos.
Desde que foi implantada em terras britânicas, a adesão automática levou mais de 10 milhões de poupadores a aderir aos fundos de pensão, mas trouxe consigo efeitos colaterais muito comuns em legislações e regulamentações, conforme mencionado acima: as consequências não-intencionais.
No caso da adesão automática, trata-se de um número crescente de saldos de pequeno valor que vão sendo abandonados em planos de contribuição definida toda vez que um participante muda de emprego.
A firma de assessoria inglesa em previdência complementar, Lane Clark & Peacock (LCP), estima que mais de dois milhões de novos saldos de conta são esquecidos todo ano. Já existem, nos fundos de pensão britânicos, mais de 16 milhões de saldos abandonados, com valores abaixo de £$ 2.500 (cerca de R$ 16.000)
O problema ganhou tamanha dimensão que o governo agora está correndo atrás de uma solução para consolidar o que eles chamam de “micro saldos”, i.e., valores abaixo de £$ 1.000 (equivalentes a R$ 6.400).
A LPC propôs uma solução chamada “Contas Magnéticas”, para endereçar o problema dos saldos abandonados.
Toda vez que um trabalhador mudar de emprego, seu saldo de conta seria ‘grudado’ nele - como um imã – transferido junto com ele para o novo emprego e combinado com o plano de previdência complementar do novo empregador. Isso aconteceria sucessivamente até que o saldo acumulasse um valor substancial o que pararia as transferências automáticas dos saldos entre empregadores. O participante seria livre para não querer a transferência automática.
O problema dos saldos de pequeno valor abandonados em planos CD existe no Brasil há muito tempo e tende a se agravar com chegada da adesão automática.
Quando fui Vice-Presidente de Previdência do fundo de pensão da Vivo, esse fenômeno era conhecido por “não-optantes”. Isso porque era originado por participantes que terminavam o vínculo empregatício com a empresa sem optar pelo autopatrocínio, pela portabilidade ou pelo resgate – geralmente não tinham direito ao beneficio proporcional diferido por terem menos de três anos de participação no plano.
Por deliberação do conselho deliberativo, esses saldos passaram a pagar taxa de administração através de “come-cotas” (deduzida diretamente do saldo). Assim, após uns poucos anos, o saldo era integralmente consumido, financiando o fundo de pensão com dinheiro de pessoas de baixa renda.
Esperamos que o CNPC, PREVIC & Cia Ltda, pensem em uma solução imediatamente, para evitar que esse problema ganhe grandes proporções e prejudique principalmente os trabalhadores com renda mais baixa.
Se nada for feito - numa era em que a informação circula livremente - seremos forçados a concluir que a fonte dessa consequência não-intencional, no caso da adesão automática aprovada em Terras de Cabral +10 anos depois de surgir nos países desenvolvidos, se deve ao que Robert K. Merton rotulou como “imediatismo imperioso dos interesses”: quando o individuo deseja tanto o resultado de uma ação que opta, propositalmente, por ignorar quaisquer efeitos ou consequências não intencionais ...
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “Unintended Consequences”, escrito por Robin Norton | “Government warned it must 'urgently' address rise in small pots”, escrito por Martin Richmond.
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