De Sāo Paulo, SP.
Estive pensando sobre linhas esses dias – aquelas que você pode ver e as invisíveis, que você só pode sentir.
No livro “Linhas Invisíveis: Fronteiras e Curvas que Definem o Mundo”, o autor Maxim Samson, explora as geografias escondidas e como elas afetam a maneira que nós vivemos e nos movemos nos ambientes físicos.
É uma leitura intrigante, que vai muito além de aspectos geográficos - como o título nos induz a pensar - e provoca uma reflexão poderosa em vários aspectos da vida.
Ao invés de focar em fronteiras naturais, como oceanos, rios, florestas e montanhas, Samson fala das fronteiras imateriais, que não conseguimos enxergar, mas cuja presença nos impacta e afeta o modo com que lidamos diariamente com o mundo.
Essas não são linhas visíveis, mesmo assim, conseguimos perceber sua existência, sua presença, conseguimos senti-las. Consciente e subconscientemente, nos comportamos e agimos de acordo com elas.
Andando por qualquer grande cidade você consegue notar, por exemplo, como mudam as características demográficas dos transeuntes de um bairro ara outro, como a arquitetura muda e como muda a linguagem que as pessoas usam.
Essas mudanças sutis podem afetar a direção em que nos movemos espacialmente e podem impactar nossa linguagem corporal.
Podemos escolher determinadas rotas porque achamos que são mais seguras ou mais bonitas - eu prefiro andar pela beira da praia de Copacabana do que pelas ruas internas - ou porque temos um sentimento mais forte de pertencimento a determinado lugar (eu sempre passo pela Rua Barão de Ipanema, onde morei na minha adolescência).
Samson discute linhas culturais, que categorizam as pessoas de maneiras diferentes no espaço geográfico. Identidade desempenha um enorme papel, tanto em termos de como percebemos a nós mesmos, quanto na maneira que os outros nos veem e afeta nosso acesso a certos lugares e serviços.
Um dos exemplos fascinantes que ele cita é a história dos distritos de “redlining” (linhas vermelhas) nos EUA, uma pratica que remonta aos anos 30, quando os bancos, patrocinados pelo governo, codificavam os bairros por cores, de acordo com o risco de credito.
Bairros vermelhos eram habitados por moradores predominantemente negros, enquanto áreas classificadas com verde tinham população majoritariamente branca.
Isso impactava a maneira pela qual o sistema financeiro e seguradoras classificavam o perfil dos consumidores, frequentemente negando empréstimos para as pessoas dos bairros vermelhos.
A prática do redlining foi proibida em 1968, mas seus efeitos persistem até os dias de hoje. Em cidades como Detroit, uma rua divide os bairros ricos e brancos do subúrbio, dos distritos mais pobres ao sul, com moradores predominantemente negros. Como se fosse, conceitualmente, uma fronteira mesmo.
A linha invisível das entidades fechadas de previdência
Na medida em que fui lendo sobre as ideias de Samson, fui correlacionando com as divisōes visíveis e invisíveis construídas nos desenhos dos planos de previdência complementar corporativos, para separar quem e porque, exatamente, é incentivado a poupar para ter um futuro melhor.
Desde o Século XX, quando os fundos de pensão foram regulamentados, vigora a ideia de que as pessoas de renda mais baixa já são atendidas pela previdência social, aquelas que ao se aposentarem receberão praticamente o mesmo salário da ativa na forma de benefício do INSS, por isso, não precisariam de previdência complementar.
Assim, empregados com salários abaixo do teto da previdência social (hoje em torno de cinco salários-mínimos) são deixados de lado pelos fundos de pensão e recebem um valor simbólico dos planos de aposentadoria apenas porque a legislação vincula o incentivo fiscal das empresas a extensão do benefício para todos os empregados.
Está na hora de repensarmos essa ideia pré-concebida, que restringe e divide as pessoas no espaço e no tempo, reforçada pelas linhas traçadas nos desenhos dos planos de previdência complementar.
O efeito dessas linhas é expressivo e deixa uma grande parcela da população a margem dos veículos de poupança para o futuro. Por um bom tempo costumava ser defendida de forma visceral pelos consultores de previdência complementar no mundo todo.
Essa separação implícita e explicita guarda similaridade com o texto de Samson, não por sua crueldade ou discriminação, mas porque essa linha oculta virou uma espécie de borrão fantasmagórico diante da evidência de que a previdência social caminha para a ineficácia para todo espectro de renda e tambem porque depender do Estado deixou de ser a essência de qualquer segurança financeira.
A linha traçada pelos planos de previdência complementar corporativos representa mais um tipo de fronteira invisível no espaço e no tempo – uma fronteira que separa as pessoas em dois tipos, que você pode sentir, perceber, mas não pode ver.
Esta na hora de repensar isso.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “Invisible lines”, escrito por Victoria Powell
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