De Sāo Paulo, SP.
No universo dos planos de previdência privada — especialmente nos planos de contribuição definida (CD) — existe um tema que merece atenção por parte de conselheiros, patrocinadoras e participantes:
A destinaçāo dos saldos acumulados por participantes que encerraram o vínculo empregatício, não efetuaram portabilidade nem resgataram suas contribuições individuais
Em outras palavras: o uso pelo fundo de pensāo em benficio das patrcoiandoras, do dinheiro “deixado para trás” nos planos CD pelos participantes que se desconectam da patrocinadora/empregador.
O problema
Sempre que um participante deixa o emprego na empresa patrocinadora e não transfere (portabilidade) nem resgata o saldo de suas contribuições individuais, feitas para planos CD dos fundos de pensāo, esse montante permanece no plano.
Trata-se de ativos pertencente ao participante — estamos falando da parte da conta individual formada com contribuiçōes individuais do próprio participante — que ficam como “contas inativas” ou “esquecidas”.
Há duas consequências centrais desse realidade muito comum:
O participante não usufrui desses valores — talvez nem saiba que eles existam, pois esqueceu desse dinheiro e nao pode ser comunicado pois perdeu canal de comunicação com o fundo de pensao ao terminar o vínculo empregaticio; e
O plano e a patrocinadora utilizam esses ativos de formas que não beneficiam os demais participantes do plano CD e pior, beneficiam apenas o próprio fundo de pensāo e suas patrocinadoras.
Uso dos saldos inativos para custeio administrativo
Uma das práticas observadas é que os fundos de pensão aproveitam esses saldos não portados e não reclamados, para reduzir despesas administrativas dos planos CD.
Ou seja: em vez de devolver ou creditar esses valores aos ex-participantes ou tratar como “ativos revertidos” para o conjunto dos demais participantes, parte desses montantes acaba servindo para abater o custeio administrativo que caberia à patrocinadora e ao próprio plano.
Esse arranjo implica que o participante que saiu — e que não “resgatou” o saldo de suas contribuiçōes individuais — está contribuindo diretamente para reduzir o custo administrativo do plano e indiretamente, da patrocinadora, sem ter nenhuma participação ativa na decisão e nenhum benefício explícito para os demais participantes.
Conflito de interesses e governança
Do ponto de vista de governança de fundos de pensão, essa prática suscita preocupações claras de conflito de interesses e de dever fiduciário.
Vejamos por que:
Em muitos planos CD, a patrocinadora e o fundo de pensāo — ou o administrador terceirizado — têm interesse direto em manter ou reduzir seus próprios custos administrativos. Utilizar saldos inativos para cobrir despesas administrativas favorece essa dinâmica.
Frequentemente, a administração do plano é terceirizada — a patrocinadora contrata um administrador do plano CD, um record-keeper externo. Ao utilizar esses “saldos esquecidos” para pagar ou amortizar essas despesas administrativas, há um benefício indireto desse prestador de serviço, em detrimento dos demais participantes ativos do plano.
O dever de agir em exclusivo benefício dos participantes (denominado em ingles de principle of exclusive benefit), que é reconhecido especialmente no regime americano sob a lei de previdência complementar de lá chamada de Employee Retirement Income Security Act of 1974 (ERISA), fica comprometido se os saldos forem usados para reduzir custos da patrocinadora ou da administração do plano, em vez de reverterem aos participantes ou serem em seu benefício direto.
Em plano CD, faz muito mais sentido que a redução de custos beneficie o participante — por exemplo, redução de taxas de gestāo dos investimento, ou a prestaçāo de serviços mais eficientes — do que exclusivamente a diminuição de custos administrativos que sāo suportados (pagos) pela patrocinadora ou pelo fundo de pensāo / plano. A distinção importa.
Panorama internacional: EUA e Reino Unido
EUA 🇺🇸
Nos EUA, o foco regulatório e jurídico para o tema dos “forfeitures” (valores acumulados nos saldos de conta que retornam ao plano ou à patrocinadora quando o participante se desconecta) está crescendo.
Recentemente, trabalhadores entraram com ações na justiça alegando que patrocinadoras e administradores dos fundos de pensāo utilizaram esses recursos em benefício da empresa ou do plano e não de seus participantes.
Uma queixa recente contra a Centene Corporation e Fidelity Investments acusa uso indevido desses ativos (assets forfeited). Especialistas destacam que a prática de “usar os saldos abandonados no plano para abater contribuições futuras da patrocinadora” pode violar o dever fiduciário.
Essa jurisprudência, ainda incipiente, deixa claro que, nos EUA, conselheiros e gestores dos planos CD precisam revisar os regulamentos e normas dos planos no que tange à destinação dos saldos inativos, lançando luz e transparência no uso desses recursos.
Reino Unido 🇬🇧
No Reino Unido, o problema tem outra face — a massa de “pots perdidos” ou “unclaimed pension pots” está em niveis suoer elevados. Pesquisa do Pensions Policy Institute estimou que existem cerca de £$31,1 bilhões (R$ 220 bilhōes) em saldos não reclamados, em torno de 3,3 milhões de contas CD, com média de cerca de £$9.470 cada (R$ 70 mil).
Embora o foco britânico seja mais sobre a perda de rastreabilidade do participante (mudança de emprego, falta de comunicação, múltiplas contas), o tema é relevante como alerta: quanto mais fragmentados e inativos os saldos, maior o risco de que sejam captados, implicitamente ou explicitamente, para fins que não priorizam o participante.
Esse problema vai se agravar enormemente com a adoção da adesão automática nos planos CD dos fundos de pensāo brasileiros
Reflexão para a governança dos fundos de pensão
No Brasil, embora a estrutura de planos de previdência complementar abertos e fechados (fundos de pensão) seja distinta da dos EUA e Reino Unido, muitos dos princípios de governança se aplicam:
Para os fundos de pensão, onde existe cobrança de contribuição individual do participante, a existência de saldos de participantes que se desligaram e permaneceram no plano - sem portá-lo para outro plano de previdencia complementar - requer atenção.
O uso desses saldos pelas patrocinadoras ou pelo próprio plano/fundo de pensāo para fins que não beneficiam diretamente os participantes remanescentes ou ex-participantes, levanta uma questão de responsabilidade fiduciária, equidade e transparência.
Nos planos CD brasileiros, a redução de custos de gestāo dos investimento (taxas, eficiência, acesso a alternativas) tem impacto direto sobre o beneficio futuro do participante, ao passo que a simples “redução de custo administrativo” via uso de saldos inativos beneficia mais o fund de pensāo/plano/patrocinadora do que o participante.
Os conselhos dos fundos devem se perguntar: Quem se beneficia realmente desses saldos ‘adormecidos’? Qual a política para uso desses ativos? Idealmente, deve haver clareza se os saldos serão revertidos diretamente (ou indiretamente pela reducao das taxas de gestāo dos investimentos) em beneficio dos participantes ou se serão usados apenas para cobertura de custos administrativos e qual o critério de distribuição ou alocação dos mesmos.
O conselho tem que monitorar esse tipo de ativo “invisível”, detectar o risco de uso indevido e decidir se é hora de inovar — por exemplo, criar políticas que simplifiquem a portabilidade, transferindo esses saldos automáticamente, alertas ao participante, total transparência sobre os saldos inativos.
Conclusão
O tema dos saldos abandonados representa uma fronteira pouco debatida — porém relevante — da governança de fundos de pensão, especialmente em planos CD.
Quando esses saldos são usados para amortizar custos administrativos, sem benefício claro aos participantes, se instala um problema de alinhamento de interesses e de dever fiduciário.
Os exemplos internacionais mostram que esse tipo de estrutura está sendo escrutinado — nos EUA com base em legislação fiduciária (ERISA) e litígios; no Reino Unido pela magnitude dos valores perdidos e pela falta de rastreabilidade.
No contexto brasileiro, os conselhos de fundos de pensão deveriam estar atentos para garantir que tais saldos sejam tratados com transparência, em benefício dos participantes, e não simplesmente como “sobras” a serviço da patrocinadora ou do plano/fundo de pensāo.
Se os participantes são o fim — e não o meio — então essas “contas esquecidas” merecem ser trazidas à discussao , com políticas de responsabilização explícitas.
Recomendações práticas para conselheiros de
Para apoiar o trabalho dos conselhos deliberativos e fiscais — especialmente em planos CD — segue um conjunto de PERGUNTAS práticas para mapear riscos, prevenir conflitos e fortalecer o dever fiduciário.
1) Checklist da governança dos saldos “esquecidos”
✔ Política formal
Existe política clara e documentada para a destinação de saldos abandonados, não portados ou não resgatados?
Essa política foi aprovada pelo Conselho Deliberativo?
O Conselho Fiscal já avaliou e quantificou o impacto financeiro dessa prática?
✔ Registro e rastreabilidade
Há relatórios periódicos com:
número de contas inativas?
volume financeiro dessas contas no agregado?
tempo médio que o saldo fica inativo?
O plano consegue identificar quem são esses ex-participantes e quando deixaram o plano?
✔ Comunicação com ex-participantes
Existem campanhas regulares de rastreamento e comunicação (e-mail, carta, telefone, mensagem, mdias sociais)?
Após quantas tentativas o plano classifica um saldo como “não reclamado”?
✔ Transparência
O plano divulga, em nota explicativa no balanco e/ou no relatório anual de atividades, o uso desses valores?
Participantes e conselheiros sabem claramente como esses montantes são usados?
✔ Conflitos de interesses
O uso desses saldos favorece de alguma forma a patrocinadora, a entidade ou fornecedores terceirizados?
Há mitigadores explícitos (comitê independente, revisões periódicas, parecer jurídico)?
✔ Benefício ao participante
O uso atual dos saldos traz algum beneficio/ganho claro aos participantes ativos e assistidos?
Existe simulação mostrando impacto no custo de administracao ou no custo de gestāo dos investimento decorrente da utilizaçāo desses recursos?
2) Perguntas-chave que conselheiros devem fazer
Perguntas para a Diretoria Executiva / Superintendência:
Quantos milhões estão hoje em saldos inativos?
Há quanto tempo esses valores estão parados?
Qual o destino atual desses recursos?
Existe parecer jurídico confirmando que o uso atual está alinhado com o dever fiduciário dos dirigentes?
Como outros fundos de pensāo brasileiros tratam esse tema?
Houve algum caso de contestação judicial no Brasil?
Qual o plano de melhoria da comunicação para evitar novas contas esquecidas?
Esses recursos poderiam ser devolvidos aos participantes ou aos seus beneficiários?
Perguntas para o Administrador Terceirizado / Record-keeper:
Vocês recebem, direta ou indiretamente, algum benefício financeiro pelo uso desses saldos para pagar custeio administrativo?
Como a matriz da patrocinadora trata “os saldos esquecidos” em planos CD no exterior?
Existem cláusulas contratuais que criam incentivos perversos para manter saldos inativos sem rastreamento ativo?
Como vocês auxiliam no rastreamento desses ex-participantes?
Perguntas internas do Conselho Deliberativo e Fiscal:
Estamos cumprindo o dever fiduciário ao permitir o uso desses recursos da forma atual?
O benefício decorrente dessa prática vai para o participante… ou apenas para a patrocinadora/fundo de pensāo?
Se essa pratica se tornasse pública, seria defensável perante os participantes?
Essa política passaria no “teste de transparência”?
Como podemos mitigar risco regulatório ou reputacional?
3) Recomendações práticas de aprimoramento
a) Criar Política de Gestão de Saldos Inativos, incluindo
prazos máximos de permanencia após os quais os recursos sāo utilizados;
prioridade de reversão aos participantes;
mecanismos automáticos de rastreamento do participante desligado
b) Implementar “Ciclo de Busca Ativa”
12 meses após saída do participante: 1ª comunicação;
18 meses: envio por canais múltiplos, incluindo midias sociais;
24 meses: acionamento de prestadores de serviço de localização;
36 meses: relatório ao Conselho com recomendações.
c) Avaliar redistribuição automática
Reverter saldos inativos proporcionalmente ao conjunto de participantes do mesmo plano, quando juridicamente permitido.
d) Ampliar transparência
Criar nota explicativa específica no balanço anual.
Publicar relatório semestral com evolução e destinação dos saldos.
e) Segurança jurídica
Solicitar parecer jurídico periódico, especialmente se os valores forem significativos.
Verificar aderência à governança e à jurisprudência internacional (ERISA, UK Pensions Act).
4) Redução de risco reputacional
Conselhos podem estimar:
impacto financeiro,
impacto reputacional,
potencial passivo jurídico,
caso os “saldos esquecidos” sejam usados de forma controversa.
O ideal seria nāo ter que utilizar os saldos esquecidos, abandonados, deixados para trás, localizando o ex-participante e portando os valores para um plano individual por ele indicado.
No entanto, caso tenha esses saldos esquecidos tenham que ser utilizados, entāo que beneficiem todos os stackeholders e nāo apenas uma parte deles …
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “Centene, Fidelity sued over alleged excessive 401(k) fees, misuse of forfeited assets”, escrito por Kristen Smithberg.
Disclaimer: Esse artigo foi escrito com uso de IA, baseado em prompts, no profundo conhecimento do mercado por parte do autor e em informações das fontes citadas.




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