segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

A TRANSFORMAÇÃO DE FUNDOS DE PENSÃO, EMPRESAS, SETORES ECONÔMICOS E PESSOAS, SÓ OCORRE DE FORA PARA DENTRO

 


De São Paulo, SP.


É a capacidade do conselho deliberativo em aceitar opiniões daqueles que pensam diferente dele, que de fato impulsiona o progresso de um fundo de pensão.


Da mesma forma que a evolução humana depende de mutações, erros e desvios, o progresso dos fundos de pensão depende do que é novo, de uma perspectiva diferente.


No trabalho de consultoria em governança de conselhos que desenvolvo há anos, tenho me deparado com um tema em comum, que permeia todos os fundos de pensão que cruzaram o meu caminho até aqui:


a dificuldade dos conselhos em abraçar uma perspectiva diferente, vinda de pessoas de fora do seu domínio de conhecimento  


Isso acontece independentemente de o conselho ser formado por pessoas que sabem muito sobre como as coisas são feitas no segmento de previdência complementar ou que sabem pouco.


Acontece em fundos patrocinados por empresas do setor de mineração, financeiro, químico, farmacêutico, de energia, _________ (preencha a vontade), cujos conselheiros possuem uma expertise incrivelmente focada no negócio da empresa patrocinadora, mas que estão tão entrincheirados em seus afazeres que se tornam incapazes de enxergar o mundo fora dele ou mesmo tolerar a ideia de trabalhar com alguém estranho a ele.


Não escapam nem mesmo os conselheiros das patrocinadoras do setor de tecnologia, que contam com amplo conhecimento de inovação, possuem um ou dois sucessos profissionais em seus currículos e pensam que por isso podem transitar por qualquer domínio do conhecimento e desafiar tudo que nele está estabelecido.


A verdade é que todos estão fadados a falhar lentamente. Amplo conhecimento de qualquer setor específico, extensa rede de relacionamento e domínio das melhores práticas do passado criam um dogma, um bloqueio, que impede o avanço de coisas que são possíveis fazer nos fundos de pensão, tornando qualquer mudança extremamente difícil, senão, impossível.


Se você olhar com atenção para os membros que compõe qualquer conselho deliberativo, verá profissionais com uma miríade de formações profundas, mas é incrível como eles contam com zero expertise no campo em que estão se metendo quando se sentam na cadeira de conselheiro de um fundo de pensão.



O atual modelo de governança dos conselhos dos fundos de pensão, aí incluída a exigência de curso de habilitação para que qualquer um se torne conselheiro, está fadado a levar todo o setor ao abismo.

Quem faz um curso de formação de conselheiros de fundos de pensão visando cumprir um requisito legal para habilitação, pensando que se tornou um especialista no assunto e após 70, 80 horas de treinamento pode tomar decisões envolvendo bilhões de $$$ que afetarão a vida e o futuro de milhares de pessoas, sugiro refletir sobre a Lei de Hofstadter:


“Sempre leva mais tempo do que você pensa, mesmo quando você leva em consideração a Lei de Hofstadter” 

 

A melhor pergunta que se pode fazer sobre como começar a concertar o modelo de governança que está aí é: como ampliar a visão, expertise e experiencia do conselho deliberativo de um fundo de pensão?


A resposta vocês já sabem: trazendo conselheiros profissionais e independentes para o colegiado. “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” – mas um dia a água acaba e ...


O progresso dos fundos de pensão é um pouco mais difícil do que parece e depende de coisas mais duras e dolorosas do que gostaríamos. Ocorrerá de fora para dentro, mas para acontecer, depende em primeiro lugar da vontade interna e em segundo de tempo, que encurta a cada santo dia.


Grande abraço,

Eder.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

TE CONTEI? UMA COMPARAÇÃO DOS BANCOS TRADICIONAIS COM OS CHALLANGER BANKS NO REINO UNIDO TRÁS LIÇÕES PARA OS FUNDOS DE PENSÃO

 



De São Paulo, SP.



O QUE ESTÁ ACONTECENDO: 


Nubank, C6 e N26 são fintechs brasileiras criadas na estrutura do sistema financeiro, ou seja, são bancos, mas com uma pegada tecnológica. Por desafiarem os bancos tradicionais, são chamados de “challanger banks”. Uma firma de consultoria especializada em CX (experiência do consumidor) chamada “Built for Mars”, comparou em 2020 o app para celular de 12 bancos do Reino Unido e repetiu a análise 900 dias depois, agora em 2023.  

 

POR QUE ISSO É IMPORTANTE: 


Veja os principais resultados: 

  1. Custo para enviar £$100 da Inglaterra para o exterior, no caso os EUA: o menor custo foi da fintech Starling Bank, de apenas £$0,70 e o maior foi do Santander, de £$28,36 (gráfico abaixo). Os bancos tradicionais não estão nem aí para reduzir esse custo e só te informam sobre eles quando você já está no final do processo; 
  2. Resolução de defeitos: em 2020 foram apontados diversos bugs e problemas com os app, dois anos e meio depois os que mais concertaram os defeitos foram os challanger banks, ao contrário dos bancos tradicionais. O Santander deixou de resolver 95% dos defeitos apontados, difícil acreditar que eles de fato estejam preocupados com a experiencia do usuário; 
  3. Média de dias entre atualizações do app: a fintech Revolut atualizou seus aplicativos a cada 5,56 dias, o banco Baclays levava 82,10 dias entre atualizações. As fintechs atualizaram os apps com frequência 4,6 vezes maior que os bancos tradicionais. 

CONCLUSÃO: 


Os bancos tradicionais até abraçaram o uso de tecnologia em suas operações, mas são ruins em resolver problemas associados ao seu uso, respondem de forma lenta à melhorias, são mais caros e tem menor atenção e preocupação com a experiência dos consumidores. A lição que fica para os fundos de pensão: não basta para as organizações da era analógica fazerem uso de tecnologia digital, é preciso se reestruturar, mudar a cultura, pensar e agir digitalmente. A competição daqui para a frente não será entre fundos de pensão antigos que foram modernizados, mas sim entre eles e players que já estão nascendo digitais.

 

Grande abraço,

Eder.   

 


Fonte: 900 days of progress, escrito por Peter Ramsey



quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O FIM DO ESCRITORIO COMO O CONHECEMOS

 


De São Paulo, SP.


Os escritórios estão sendo dissolvidos porque as empresas estão sendo dissolvidas.

Então, por inferência, os fundos de pensão também serão dissolvidos - não há fundo de pensão em seu modelo tradicional de negócios, sem empresa que o patrocine.

A etimologia de escritório, ou seja, a origem da palavra, é derivada do Latim scriptorium, lugar de escrita. A palavra em inglês, “office”, também vem do Latim, opus (trabalho) e facere (fazer).

Escritório, portanto, é o lugar onde o trabalho é feito, mas escritório também é o lugar onde o trabalho é gerado, é moldado – onde coisas desnecessárias são feitas, onde processos e hierarquia se expandem para servir a nenhum outro propósito que não o de sua própria expansão.

Essa falta de propósito inspirou muitos filmes de Hollywood retratando pessoas que passam o dia inteiro fazendo coisas que não tem a menor importância.

Os franceses já anteviam isso mais de um século atrás. Não é à toa que a palavra usada por eles para descrever escritório é bureau, cuja etimologia é bem interessante. Elting Morison, ex-professor do MIT, historiador de tecnologia, biógrafo militar e autor de Men, Machine and Modern Times, explica essa origem:

A raiz da palavra (bureau) é o termo em Latim “burra”. Burra significa “tosquia de ovelha”. A lã que resultava da tosquia das ovelhas era tecida e produzia um pano, que era colocado em cima das mesas usadas na administração dos impérios. Essas mesas eram chamadas de” burocracia”.

Burocracia é essencialmente uma forma de “governar através de escritórios” ou “administrar por meio de mesas”. O escritório não é apenas um lugar para se trabalhar. É a personificação de um local em um momento econômico no tempo. 

É o produto de um mundo no qual uma educação (treinamento) padronizada produzia empregados padronizados. No qual as pessoas de classe média viviam vidas “normais”, encaixando-se em organizações hierarquizadas e claramente estruturadas. No qual as empresas produziam resultados lineares por meio de esforços consistentes.

Escrito em 1966, Men Machine and Modern Times compara os escritórios aos computadores:

... burocracia (o escritório) é uma máquina de processamento de dados, um sistema de computador, desenhado para receber e digerir diferentes pedaços de informação, num volume muito maior do que um homem isolado poderia receber e produzir, partindo de uma massa de dados diversos sintetizados de forma útil.

Como uma espécie de computador humano, os escritórios passaram a ser essencialmente as fabricas do Século XXI. Eles impuseram uma estrutura que ajudou a economia a se livrar dos reis e das diferenças individuais.  

De certa maneira, os escritórios e as organizações (empresas) que eles representavam estavam engajados numa batalha espiritual contra a individualidade. Eram eficientes, mas tinham um custo:

Apesar do homem ter necessidade de ordem e segurança, eles também persistem na inconsistência e na conduta desordenada e até perigosa, da qual surgem tantas das obras criativas e originais do homem.

Fabricas e escritórios são soluções boas para produzir “a mesma coisa”, melhor e mais rápido. Não são tão bons para dar poder às pessoas que querem fazer coisas diferentes ou que querem fazer a mesma coisa de forma diferente.

Hoje entendo a razão de tanta dificuldade que enfrentei ao longo de minha carreira, há pessoas cuja personalidade não se encaixa com estruturas modulares de produção.

Uma campanha de propaganda da Apple nos anos 90 foi considerada radical e ousada por pregar exatamente isso - pensar diferente. 


Eu costumo fechar meu modulo do curso de certificação de conselheiros de fundos de pensão da UNIABRAPP com esse tema, passando o excelente video da Apple abaixo.

 


“Pense Diferente” soa obvio e evidente numa economia pós-industrial, globalizada e pós-covid, naquela época era uma atitude ousada para quem trabalhava em escritórios.

Minha dissertação de mestrado em administração profissional na FGV - SP (1996), inspirada em Peter Druker, falava dos “Fundos de Pensão na Sociedade do Conhecimento”. Vinte e sete anos se passaram e muita coisa mudou desde então.

A sociedade do conhecimento evoluiu e com ela o contexto no qual os fundos de pensão estão inseridos.

Os escritórios mudaram fisicamente e muita gente não passa mais o dia inteiro dentro de um deles. O trabalho remoto tem causado turbulência no mercado imobiliário de espaços de escritórios. 

Porém, as pessoas não estão se livrando dos escritórios apenas por isso. Há uma razão mais profunda empurrando esse movimento. As próprias empresas precisam que as pessoas trabalhem de modo diferente.

No passado, os escritórios e a burocracia corporativa eram voltados para eliminar as idiossincrasias humanas e transforma-las em mecanismos padronizados. Hoje, ironicamente, as empresas precisam exatamente dessa idiossincrasia das pessoas.

O sucesso das empresas não está mais em jogar a maior quantidade possível de recursos num moedor de carnes. No excelente artigo intitulado Betting The Firm (Ganhando da Firma), Dror Poleg diz que a “empresa” do futuro será parecida com um fundo de venture capital e talento se tornará verdadeiramente um ativo no qual se poderá investir – bem diferente daquele papo furado de que “os empregos são nosso maior ativo”, “capital humano” e outras hipocrisias corporativas.

Dror vai além, ele escreve que:

... no Século XXI o maior desafio não é fazer as coisas de modo mais eficiente; ao invés disso, o desafio é descobrir “o que” fazer e a relação entre o que entra e o que sai economicamente de uma empresa não é mais linear.

Considere a diferença entre a Ford Motors Company do início do Século XX e o Google do começo do Século XXI. A Ford sabia que acrescentando um numero X de empregados e construindo um numero Y de linhas de produção, podia-se prever razoavelmente a produção de carros adicionais.

Mas quando o Google pediu para Paul Buchheit – Engenheiro de Computação – mexer com e-mails, não sabia que ele acabaria criando o Gmail, também não tinha a menor ideia que seria criado o Google News, quando contratou Krishna Bharat. Contratar um numero a mais de engenheiros e coloca-los em um numero Y de estações de trabalho num escritório, não vai necessariamente aumentar a receita da empresa.

Numa era de resultados não-lineares as empresas precisam ter estruturas mais flexíveis, tem que experimentar diferentes tipos de gente e de projetos. Isso vai afetar os escritórios, bem como a forma e a estrutura das empresas de hoje.

As empresas serão “desmembradas”. Aumentará a demanda por trabalho criativo e altamente especializado, mas aumentará também a procura por trabalho sob demanda. Muitos empregos não serão estáveis ou mais precisamente, não serão empregos.

Profissionais serão chamados a contribuir com projetos específicos e convidados a se juntar a equipes por tempo determinado. Isso acontecerá tanto com os profissionais dentro das empresas como fora delas. 

Por isso, a busca de um novo modelo de negócios dos fundos de pensão passa pela criação de “planos instiuidos”, nos quais são flexibilizadas as amarras do vínculo empregatício permanente, por prazo indeterminado, para uma pessoa participar do plano. 

Mas essa flexibilização apenas cria um ambiente favorável para uma guinada, existe uma serie de outras variáveis que precisam ser modificadas para se caminhar em direção ao fundo de pensão do futuro. Isso, em breve abordarei aqui no substack, mas apenas para os assinantes pagantes …  

Há algumas semanas foi publicado um artigo pelo The Economist listando como a tecnologia está redesenhando as fronteiras de uma firma. O artigo, intitulado “How technology is redrawing the boundaries of the firm”, faz uma análise baseada em dados mostrando que:

  1. As empresas estão contratando mais empregados em tempo parcial, mais empregados terceirizados e até empregados localizados no exterior.
  2. Ocupantes de empregos qualificados estão "fluindo" para áreas rurais e cidades menores
  3. Está aumentando a exportação de serviços de países como Polonia, Índia, China e Indonésia, para países como EUA e Reino Unido.
  4. As empresas estão crescendo em tamanho, apesar de depender mais fortemente de empregados terceirizados e outros tipos de contrato que não na folha de pagamentos.

Esse último ponto é surpreendente, como pode as empresas estarem se livrando de várias atividades e mesmo assim estarem crescendo? Dror Poleg em seu livro “Rethinking Real Estate”, explica:

Para lidar com incerteza e produção não-linear, as empresas estão começando a se parecer com ecossistemas e redes fluidas, ao invés de estruturas claramente definidas.

O que permite esse desmantelamento é a redução dos custos de transação. No passado era muito caro achar, recrutar, reunir, transportar, pagar e depois desmobilizar um novo grupo ou equipe de pessoas para cada projeto corporativo. Hoje em dia, a tecnologia torna mais fácil e frequentemente mais lucrativo, identificar, contratar e coordenar o grupo ideal de profissionais pelo período de tempo de tempo necessário (e depois desmobiliza-lo).

Cada vez mais as empresas estão adotando esse modelo. Isso não significa o fim das grandes empresas, haja visto o tamanho da Amazon, Apple, Microsoft ... mas significa que mesmo nas empresas gigante não haverá grupos enormes e homogêneos de empregados trabalhando junto, no mesmo lugar, fazendo mesma coisa, durante longos e indefinidos períodos de tempo.

Diferente do que acontece hoje, o escritório do futuro não estará apenas num único local, será uma rede de espaços e serviços interconectados, dispersos, mundo afora.

Estamos testemunhando o mais dramático e profundo realinhamento econômico desde a revolução industrial. Esta mudança afetará onde como o trabalho é feito, transformará os vínculos de emprego entre as pessoas e os negócios, causará disruptura em segmentos inteiros – como o de fundos de pensão - e reconfigurará o mundo físico de maneiras que estamos apenas começando a entender.

Todo esse movimento de extinção dos escritórios e reformatação das empresas, negócios e fundos de pensão, já vinha acontecendo anos antes da pandemia, cujo mérito foi apenas o de evidenciar e trazer isso à tona.

Artigos como o escrito por The Economist são louváveis por notar as tendencias imediatamente após elas se tornarem evidentes. 

Para as pessoas que querem saber das coisas antes delas acontecerem, minha recomendação é lerem newsletters como esse aqui.

Grande abraço,

Eder.


Fonte: Remote Burocracy, escrito por Dor Poleg.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

ERA APENAS UMA QUESTÃO DE TEMPO, CHEGOU O “GOVERNANCE-WASHING”

 



De São Paulo, SP.


Juntando-se ao green-washing e ao social-washing, o governance-washing” provavelmente será o próximo termo a ser abraçado pelos lexicógrafos – aqueles profissionais que estudam as palavras, sua estruturação, funcionamento e mudança, para elaboração de dicionários.

 

Os conselhos de administração que praticam governance-washing são aqueles que querem fazer o mundo em geral e os investidores | acionistas em particular, acreditarem que são colegiados mais diversos, modernos, orientados para uma boa supervisão da gestão e cumpridores de seus deveres fiduciários, do que realmente são.

 

Pode haver uma ligação entre conselhos que adotam uma boa governança e aqueles que, simultaneamente, praticam governance-washing.

 

O exemplo mais recente de falha na governança corporativa, que pode trazer lições valiosas para todo mundo, é o caso das Lojas Americanas, amplamente divulgado na mídia. A pergunta certa no debacle da Americanas é: onde foi que o conselho falhou em seu papel de supervisão? 

 

Alguém precisa ser responsabilizado pelo buraco de R$ 20 bilhões (nº conhecido até aqui) no balanço das Americanas, uma falha que destruirá valor para os acionistas, ceifará emprego das pessoas - são 40.000 empregados na rede de lojas - e está contaminando a credibilidade de todo o mercado com risco sistêmico. Ainda é cedo para apontar o dedo para culpados, mas vai ser uma pena se sairmos desse episódio responsabilizando os de sempre, os do andar debaixo e nunca os do andar de cima.

 


O embrolho das Americanas é, sem dúvida alguma, um problema de governança e quanto mais se fuçar, mas virá à tona. Porém, o problema de governança das Americanas ameaça a existência da organização nos dias de hoje, diferente do problema de governança de varios fundos de pensão, que ameaça sua sustentabilidade no longo prazo.

 

Muitos artigos publicados na mídia enaltecem os conselhos dos fundos de pensão que adotam as melhores práticas e seguem regras consagradas de boa governança. No entanto, essa boa governança não tem nada a ver com um dos maiores deveres fiduciários de um fundo de pensão para com seus participantes: assegurar que a organização continuará a existir no futuro e continuará honrando os benefícios concedidos e a conceder.

 

Existe uma desconexão entre a defesa dos interesses de longo prazo dos participantes e o papel de supervisão da gestão dos fundos de pensão, exercido hoje pelos conselhos deliberativos.

 

Os conselhos estão hiper focados em assegurar que os planos de previdência complementar sejam muito bem administrados, mas isso não faz a mínima diferença quando se trata de garantir a sustentabilidade de longo prazo de um fundo de pensão. 

 

Ao longo das últimas duas décadas inúmeros fundos considerados benchmark em boas práticas de governança, simplesmente foram varridos do mapa. A consolidação dos fundos de pensão no mundo é uma realidade da qual muitos não vão escapar. 

 

O exemplo mais recente é o da PrevChevron, incorporado pela TextPrev agora em janeiro de 2023. Com apenas 176 participantes e patrimônio de R$ 74 milhões, o fundo de pensão da Chevron não tinha condição mínima de sobreviver isoladamente. 

 


O que há de se perguntar é se a Texprev, que sai da incorporação com um patrimônio de R$ 165 milhões, é ela própria sustentável no longo prazo (spoiler: não, não é não).

 

Como se pode ver, uma excelente governança não é garantia para os participantes ativos e assistidos de que seu fundo de pensão existirá amanhã.

 

Claro que há exemplos de sobra de fundos com governança ruim que desapareceram ao longo do tempo, mas esses também precisam ser estudados em campos que vão além da governança de conselhos.

 

A única maneira de realmente se assegurar a promessa de continuidade no pagamento dos benefícios de aposentadoria para todos os participantes, ativos e assistidos, é trabalhar para que os fundos de pensão continuem a existir no futuro.

 

Para isso, são necessárias ações reais, baseadas em soluções efetivas, com a criação de novos produtos e serviços, atração de jovens e independência das patrocinadoras, principalmente a financeira. Num mundo em que as empresas duram cada vez menos, os fundos de pensão não podem depender da existência de suas patrocinadoras para continuar existindo.

 

Uma governança focada, por exemplo, em obter resultados menos ruins dos investimentos diante de uma economia conturbada, não levará os fundos de pensão ao futuro.

 

Um conselho que reduz a exposição do passivo atuarial de seus planos BD à oscilação dos juros, adota a governança do menos ruim. Um board que elimina totalmente o risco atuarial de seus planos de previdência complementar, tem uma governança melhor do que a menos ruim. Mas um conselho que incorpora conselheiros profissionais e independentes no colegiado, que investe em novas classes de ativos digitais e implanta produtos e serviços alinhados com a visão de mundo e valores das novas gerações, que olha para o futuro de verdade, esse efetivamente adota uma governança sustentável.

 

Os fundos de pensão, tipicamente, se preocupam muito pouco com disruptura e vem implantando pouca ou nenhuma inovação para atrair os jovens da Geração Z que começam a chegar no mercado de trabalho.  

 


É aqui que minha definição de boa governança diverge dos experts no assunto. A maioria dos especialistas em governança de fundos de pensão não foca na existência futura dessas organizações. A preocupação com a gestão do fundo no momento atual é marcantemente diferente da preocupação com isso mais sua continuidade no futuro.

 

Em última instancia, uma boa governança não se restringe a adoção de regras de prudência, preocupação com compliance, investimentos e gestão, os conselhos precisam entender a diferença entre boa governança e governança sustentável.

 

A única maneira de se ter uma governança sustentável é adotando ações efetivas para assegurar que o fundo de pensão continuará existindo, mesmo quando os atuais conselheiros e os planos dos quais participam não estiverem mais por aqui.

 

Sem isso, arrisca-se ver o nome no mais recente grupo de governance-washing.

 

Grande abraço,

Eder.


domingo, 15 de janeiro de 2023

FUNDOS DE PENSÃO DEVERIAM AJUDAR AS PESSOAS A GASTAR, NÃO APENAS A JUNTAR

 


 

De São Paulo, SP.


Certa vez o CEO da General Electric, Jack Welch, quase morreu de um ataque cardíaco. Anos depois, foi entrevistado por Stuart Varney – hoje ancora de um talk show na Fox Business.

Durante a entrevista, Varney perguntou o que se passou na cabeça de Welch enquanto o levavam às pressas para o hospital, durante aqueles que poderiam ter sido seus últimos momentos de vida.

A resposta de Welch: “Merda, não gastei dinheiro suficiente”! Surpreso, o entrevistador perguntou por que diabos aquilo teria se passado por sua mente. 

“Todos nós somos produtos do nosso passado”, disse Welch. “Quando eu era criança, não tinha sequer duas moedas para esfregar uma na outra, então, eu penso barato. Sempre comprei os vinhos mais baratos”.

Depois do ataque do coração, Welch jurou a Deus que nunca mais compraria uma garrafa de vinho por menos de cem dólares. Essa foi, para Welch, a maior lição do episodio.

“Só isso?”, perguntou Varney. 

“Sim, basicamente isso”, encerrou Welch.


Dinheiro é complicado

Existe um elemento humano com relação ao dinheiro que desafia a lógica – $$$ é pessoal, é emocional, é complicado ...

A economia comportamental, atualmente é um campo bem desenvolvido, aborda muitos comportamentos associados aos gastos das pessoas, mas todas as atenções dos fundos de pensão continuam focadas na maneira que as pessoas investem seu dinheiro. 

A história de Jack Welch mostra que a psicologia envolvendo dinheiro é muito mais densa, mais profunda, mais complexa do que se imagina. O modo que você gasta seu dinheiro pode revelar traumas existenciais, determinar as coisas que você valoriza na vida, com quem você quer passar seu tempo, porque escolheu sua carreira e o tipo de atenção que gostaria dos outros.

Existe uma ciência que ensina como gastar dinheiro, tipo: como procurar por uma barganha, como fazer um orçamento, como otimizar os juros, escriturar um livro-caixa, coisas assim. Mas existe, também, a arte de gastar dinheiro, que não é quantitativa, varia de pessoa a pessoa e revela aspectos do caráter e dos valores de cada um. 

A maneira que as pessoas investem seu dinheiro tende a ser escondida das vistas, mas a forma que elas gastam é muito mais visível e pode ser ainda mais reveladora.

Todo mundo é diferente, não existe preto & branco, isso torna o assunto fascinante.

Um dia, os fundos de pensão - ou o que vier depois deles - ajudarão as pessoas a compreender seus drivers, o que direciona seus gastos e fornecerão ferramentas e ensinamentos valiosos, cujos impactos se farão sentir tanto na fase de acumulação, como na fase de desacumulação de poupança.

Aqui vão alguns aspectos sobre a arte de gastar $$$ sobre os quais, infelizmente, seu fundo de pensão nunca te falou.

Histórico familiar e experiencias passadas: grande influência nos hábitos de gastar 

Uma manchete do Washington Post de junho de 1927, portanto, antes da grande depressão de 1929, dizia: “Quanto mais você foi desprezado quando era pobre, mais você gosta de mostrar sua riqueza”. Essa frase é eterna e explica muita coisa.

gastança da vingança tem efeito abrangente, acontece com adultos que cresceram na pobreza, foram intimidados, provocados e discriminados por sua condição financeira. Quando crescem e melhoram de vida, adquirem uma mentalidade permanente de gastos que tenta livrá-los do trauma da infância.

Aquelas pessoas que gostam de ostentar, que compram as maiores casas, os carros mais rápidos, as joias mais caras, os relógios mais sofisticados, geralmente cresceram nesse contexto. Parte de seus gatos não tem a ver com o valor dos bens que adquirem, tem a ver com a tentativa de cicatrizar uma ferida que lhes foi infligida quando jovens, coisas que queriam ter e lhes foram negadas pela falta de dinheiro.

Para alguém que cresceu numa família afluente de “sangue azul”, ter uma Lamborghini simboliza um egoísmo gritante, mas para quem cresceu sem nada, simboliza que chegou lá. Muito dos nossos gastos são feitos para preencher uma necessidade psicológica.

Aprisionados pelo dinheiro 

Muitas pessoas que quebram devotam a vida a gastar, mas não tem prazer com seus gastos. Gastam $$$ achando que isso vai fazê-las mais felizes, mas quando isso não acontece a reação é “não estou gastando o suficiente”, então, dobram a aposta. 

Tenho um amigo que costuma se enterrar em dívidas no cartão de crédito fazendo passeios para lugares paradisíacos, mas ele curte cada segundo das viagens que faz. Apesar de isso não ser recomendável para ninguém, entendo que ele está certo ao usar o dinheiro com coisas que gosta de fazer e considero que ele coloca o dinheiro a seu serviço e não o contrário.

Aqueles que gastam achando que dinheiro é para ser gasto, independente do prazer que isso lhes trás, geralmente são prisioneiros do dinheiro e são controlados por ele, ao invés de controlá-lo.



Inércia da Frugalidade: o hábito de poupar nunca se transforma no de gastar

Se você desenvolver, cedo, o hábito de poupar e conseguir viver habitualmente abaixo de seu nível de renda – parabéns, você venceu. 

Mas se você não consegue viver abaixo do seu nível de renda e entra assim na fase de aposentadoria, mesmo tendo poupado pesadamente num plano de previdência complementar, como avalia essa situação? Mesmo contando com a aposentadoria de um fundo de pensão, alguém que não é capaz de gastar menos do que ganha pode dizer que venceu?

Os fundos de pensão nunca ligaram para isso, quando trombeteiam preocupação com educação financeira, seus programas geralmente passam ao largo dessas questões.

Por outro lado, os planejadores financeiros sabem que o maior desafio é ajudar os clientes a controlar os gastos na fase de aposentadoria, ajudá-los a gastar conservadoramente.

Poupar e viver frugalmente se tornam hábitos tão fortes que passam a fazer parte da identidade individual, a pessoa simplesmente não consegue mudar.

Algumas pessoas sentem mais prazer em ver sua poupança crescer do que em gastá-la, essas estão bem. O problema está com aquelas para as quais o nível ideal de poupança nunca é atingido, porque estão sempre gastando mais do que podem.

Ser participante de planos BD e de fundos de pensão, como se vê, não é necessariamente sinal de segurança financeira na velhice, ainda que a patrocinadora do seu fundo de pensão entenda que fez a parte dela.

O prazer de gastar diminui na mesma proporção que aumenta a renda 

Num livro de 1903 intitulado “A busca por uma vida simples” (The Quest for a Simple Life), William Dawson escreveu:

A coisa menos entendida sobre dinheiro é que todo o prazer termina no momento em que economizar se torna desnecessário. O homem que pode comprar o que quer sem consultar a conta bancária, não valoriza nada que compra” 

Há um ditado que diz que a melhor refeição que você jamais terá é um copo d’agua quando você está com sede. Todos os gastos são equivalentes a esse ditado. 

Richard Nixon, ex-presidente americano, disse sabiamente que “as pessoas mais infelizes do mundo são aquelas em lugares como o Sul da França, Palm Springs e Palm Beach, frequentam festas toda noite, jogam golfe toda tarde, bebem muito, falam muito, pensam pouco. Totalmente aposentados. Sem propósito”.

Quem diz que gostaria de não precisar trabalhar diariamente, que gostaria de ficar pescando, viajando, passeando, que isso seria a melhor coisa do mundo – não conhece a vida. O que faz a vida ter algum significado é proposito. Um objetivo. A batalha, a dificuldade – mesmo que você não vença. 


Faça perguntas de R$ 30.000, não de R$ 3

O historiador americano Cyrill Parkinson cunhou a Lei de Parkinson, que diz:

O nível de atenção que um assunto obtém é o inverso da sua importância

Parkinson usa como exemplo um comitê financeiro hipotético, que vou substituir por uma reunião fictícia do conselho deliberativo de um fundo de pensão. O conselho discute três assuntos: aprovação de um sistema de TI de R$ 5 milhões para levar adiante a transformação digital da organização, de R$ 500 para fazer um abrigo para as bicicletas dos funcionários e de R$ 20 para salgadinhos e biscoitos a serem colocados no espaço onde os funcionários tomam café.

O conselho aprova imediatamente os R$ 5 milhões porque o número é muito grande para contextualizar, as alternativas são muito ruins e ninguém no conselho é expert em transformação digital.

O abrigo para as bicicletas atrai muito mais debate e discussões. A cobertura deveria ser de alumínio ou de plástico? Será que um rack para pendurar as bicicletas seria melhor? Os conselheiros já passaram por uma decisão dessas em casa, cada um tem uma opinião, uma ideia, um palpite a ser dado.

Os doces e salgados para a cafeteria tomam dois terços do tempo da reunião, todo mundo tem uma opinião forte sobre qual salgadinho é mais gostoso, que marca é melhor que a outra, que tipo de salgadinho ...

Muitas vezes pensamos se deveríamos gastar R$ 3 com um cafezinho, quando o que interessa para as despesas domésticas são os R$ 30 mil da faculdade do filho.

* * * * *


Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, mais conhecido como Montesquieu, foi um político, filósofo e escritor francês. 

Ficou famoso pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais, inclusive a Constituição Brasileira que parece estar meio desprezada.

Há 275 anos Montesquieu escreveu:

Se você quisesse apenas ser feliz, isso poderia ser facilmente atingido; mas queremos ser mais felizes do que as outras pessoas e isso é sempre difícil porque acreditamos que os outros são mais felizes do que eles realmente são”

Seus gastos podem representar o duro que você deu trabalhando e a quantidade de stress que tem que enfrentar para receber seu contracheque todo mês.

Alguém que trabalhe 100 horas por semana e deteste o que faz gasta seu dinheiro frivolamente na tentativa de compensar o dissabor que passam para ganhá-lo.

Um executivo que passa 12 meses do ano trabalhando até duas horas da madrugada, tem urgência em provar para si mesmo que valeu a pena, então, gasta o bônus anual assim quando recebe. 

É como alguém que fica preso debaixo d’agua por um minuto, assim que volta a superfície não respira calmamente, mas arfa desesperadamente em busca de ar. 

O oposto também é verdade. Aqueles mais capazes de adiar uma recompensa (gratificação) frequentemente são os que mais apreciam aquilo que fazem. Eles não tem necessidade de compensar o trabalho duro gastando pesadamente.

Gastar $$$ para fazê-lo feliz é difícil se você já é feliz :)

 

Grande abraço,

Eder

 

Fonte: The art and science of spending money, escrito por Morgan Housel


 

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