quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

ERA APENAS UMA QUESTÃO DE TEMPO, CHEGOU O “GOVERNANCE-WASHING”

 



De São Paulo, SP.


Juntando-se ao green-washing e ao social-washing, o governance-washing” provavelmente será o próximo termo a ser abraçado pelos lexicógrafos – aqueles profissionais que estudam as palavras, sua estruturação, funcionamento e mudança, para elaboração de dicionários.

 

Os conselhos de administração que praticam governance-washing são aqueles que querem fazer o mundo em geral e os investidores | acionistas em particular, acreditarem que são colegiados mais diversos, modernos, orientados para uma boa supervisão da gestão e cumpridores de seus deveres fiduciários, do que realmente são.

 

Pode haver uma ligação entre conselhos que adotam uma boa governança e aqueles que, simultaneamente, praticam governance-washing.

 

O exemplo mais recente de falha na governança corporativa, que pode trazer lições valiosas para todo mundo, é o caso das Lojas Americanas, amplamente divulgado na mídia. A pergunta certa no debacle da Americanas é: onde foi que o conselho falhou em seu papel de supervisão? 

 

Alguém precisa ser responsabilizado pelo buraco de R$ 20 bilhões (nº conhecido até aqui) no balanço das Americanas, uma falha que destruirá valor para os acionistas, ceifará emprego das pessoas - são 40.000 empregados na rede de lojas - e está contaminando a credibilidade de todo o mercado com risco sistêmico. Ainda é cedo para apontar o dedo para culpados, mas vai ser uma pena se sairmos desse episódio responsabilizando os de sempre, os do andar debaixo e nunca os do andar de cima.

 


O embrolho das Americanas é, sem dúvida alguma, um problema de governança e quanto mais se fuçar, mas virá à tona. Porém, o problema de governança das Americanas ameaça a existência da organização nos dias de hoje, diferente do problema de governança de varios fundos de pensão, que ameaça sua sustentabilidade no longo prazo.

 

Muitos artigos publicados na mídia enaltecem os conselhos dos fundos de pensão que adotam as melhores práticas e seguem regras consagradas de boa governança. No entanto, essa boa governança não tem nada a ver com um dos maiores deveres fiduciários de um fundo de pensão para com seus participantes: assegurar que a organização continuará a existir no futuro e continuará honrando os benefícios concedidos e a conceder.

 

Existe uma desconexão entre a defesa dos interesses de longo prazo dos participantes e o papel de supervisão da gestão dos fundos de pensão, exercido hoje pelos conselhos deliberativos.

 

Os conselhos estão hiper focados em assegurar que os planos de previdência complementar sejam muito bem administrados, mas isso não faz a mínima diferença quando se trata de garantir a sustentabilidade de longo prazo de um fundo de pensão. 

 

Ao longo das últimas duas décadas inúmeros fundos considerados benchmark em boas práticas de governança, simplesmente foram varridos do mapa. A consolidação dos fundos de pensão no mundo é uma realidade da qual muitos não vão escapar. 

 

O exemplo mais recente é o da PrevChevron, incorporado pela TextPrev agora em janeiro de 2023. Com apenas 176 participantes e patrimônio de R$ 74 milhões, o fundo de pensão da Chevron não tinha condição mínima de sobreviver isoladamente. 

 


O que há de se perguntar é se a Texprev, que sai da incorporação com um patrimônio de R$ 165 milhões, é ela própria sustentável no longo prazo (spoiler: não, não é não).

 

Como se pode ver, uma excelente governança não é garantia para os participantes ativos e assistidos de que seu fundo de pensão existirá amanhã.

 

Claro que há exemplos de sobra de fundos com governança ruim que desapareceram ao longo do tempo, mas esses também precisam ser estudados em campos que vão além da governança de conselhos.

 

A única maneira de realmente se assegurar a promessa de continuidade no pagamento dos benefícios de aposentadoria para todos os participantes, ativos e assistidos, é trabalhar para que os fundos de pensão continuem a existir no futuro.

 

Para isso, são necessárias ações reais, baseadas em soluções efetivas, com a criação de novos produtos e serviços, atração de jovens e independência das patrocinadoras, principalmente a financeira. Num mundo em que as empresas duram cada vez menos, os fundos de pensão não podem depender da existência de suas patrocinadoras para continuar existindo.

 

Uma governança focada, por exemplo, em obter resultados menos ruins dos investimentos diante de uma economia conturbada, não levará os fundos de pensão ao futuro.

 

Um conselho que reduz a exposição do passivo atuarial de seus planos BD à oscilação dos juros, adota a governança do menos ruim. Um board que elimina totalmente o risco atuarial de seus planos de previdência complementar, tem uma governança melhor do que a menos ruim. Mas um conselho que incorpora conselheiros profissionais e independentes no colegiado, que investe em novas classes de ativos digitais e implanta produtos e serviços alinhados com a visão de mundo e valores das novas gerações, que olha para o futuro de verdade, esse efetivamente adota uma governança sustentável.

 

Os fundos de pensão, tipicamente, se preocupam muito pouco com disruptura e vem implantando pouca ou nenhuma inovação para atrair os jovens da Geração Z que começam a chegar no mercado de trabalho.  

 


É aqui que minha definição de boa governança diverge dos experts no assunto. A maioria dos especialistas em governança de fundos de pensão não foca na existência futura dessas organizações. A preocupação com a gestão do fundo no momento atual é marcantemente diferente da preocupação com isso mais sua continuidade no futuro.

 

Em última instancia, uma boa governança não se restringe a adoção de regras de prudência, preocupação com compliance, investimentos e gestão, os conselhos precisam entender a diferença entre boa governança e governança sustentável.

 

A única maneira de se ter uma governança sustentável é adotando ações efetivas para assegurar que o fundo de pensão continuará existindo, mesmo quando os atuais conselheiros e os planos dos quais participam não estiverem mais por aqui.

 

Sem isso, arrisca-se ver o nome no mais recente grupo de governance-washing.

 

Grande abraço,

Eder.


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