quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O FIM DO ESCRITORIO COMO O CONHECEMOS

 


De São Paulo, SP.


Os escritórios estão sendo dissolvidos porque as empresas estão sendo dissolvidas.

Então, por inferência, os fundos de pensão também serão dissolvidos - não há fundo de pensão em seu modelo tradicional de negócios, sem empresa que o patrocine.

A etimologia de escritório, ou seja, a origem da palavra, é derivada do Latim scriptorium, lugar de escrita. A palavra em inglês, “office”, também vem do Latim, opus (trabalho) e facere (fazer).

Escritório, portanto, é o lugar onde o trabalho é feito, mas escritório também é o lugar onde o trabalho é gerado, é moldado – onde coisas desnecessárias são feitas, onde processos e hierarquia se expandem para servir a nenhum outro propósito que não o de sua própria expansão.

Essa falta de propósito inspirou muitos filmes de Hollywood retratando pessoas que passam o dia inteiro fazendo coisas que não tem a menor importância.

Os franceses já anteviam isso mais de um século atrás. Não é à toa que a palavra usada por eles para descrever escritório é bureau, cuja etimologia é bem interessante. Elting Morison, ex-professor do MIT, historiador de tecnologia, biógrafo militar e autor de Men, Machine and Modern Times, explica essa origem:

A raiz da palavra (bureau) é o termo em Latim “burra”. Burra significa “tosquia de ovelha”. A lã que resultava da tosquia das ovelhas era tecida e produzia um pano, que era colocado em cima das mesas usadas na administração dos impérios. Essas mesas eram chamadas de” burocracia”.

Burocracia é essencialmente uma forma de “governar através de escritórios” ou “administrar por meio de mesas”. O escritório não é apenas um lugar para se trabalhar. É a personificação de um local em um momento econômico no tempo. 

É o produto de um mundo no qual uma educação (treinamento) padronizada produzia empregados padronizados. No qual as pessoas de classe média viviam vidas “normais”, encaixando-se em organizações hierarquizadas e claramente estruturadas. No qual as empresas produziam resultados lineares por meio de esforços consistentes.

Escrito em 1966, Men Machine and Modern Times compara os escritórios aos computadores:

... burocracia (o escritório) é uma máquina de processamento de dados, um sistema de computador, desenhado para receber e digerir diferentes pedaços de informação, num volume muito maior do que um homem isolado poderia receber e produzir, partindo de uma massa de dados diversos sintetizados de forma útil.

Como uma espécie de computador humano, os escritórios passaram a ser essencialmente as fabricas do Século XXI. Eles impuseram uma estrutura que ajudou a economia a se livrar dos reis e das diferenças individuais.  

De certa maneira, os escritórios e as organizações (empresas) que eles representavam estavam engajados numa batalha espiritual contra a individualidade. Eram eficientes, mas tinham um custo:

Apesar do homem ter necessidade de ordem e segurança, eles também persistem na inconsistência e na conduta desordenada e até perigosa, da qual surgem tantas das obras criativas e originais do homem.

Fabricas e escritórios são soluções boas para produzir “a mesma coisa”, melhor e mais rápido. Não são tão bons para dar poder às pessoas que querem fazer coisas diferentes ou que querem fazer a mesma coisa de forma diferente.

Hoje entendo a razão de tanta dificuldade que enfrentei ao longo de minha carreira, há pessoas cuja personalidade não se encaixa com estruturas modulares de produção.

Uma campanha de propaganda da Apple nos anos 90 foi considerada radical e ousada por pregar exatamente isso - pensar diferente. 


Eu costumo fechar meu modulo do curso de certificação de conselheiros de fundos de pensão da UNIABRAPP com esse tema, passando o excelente video da Apple abaixo.

 


“Pense Diferente” soa obvio e evidente numa economia pós-industrial, globalizada e pós-covid, naquela época era uma atitude ousada para quem trabalhava em escritórios.

Minha dissertação de mestrado em administração profissional na FGV - SP (1996), inspirada em Peter Druker, falava dos “Fundos de Pensão na Sociedade do Conhecimento”. Vinte e sete anos se passaram e muita coisa mudou desde então.

A sociedade do conhecimento evoluiu e com ela o contexto no qual os fundos de pensão estão inseridos.

Os escritórios mudaram fisicamente e muita gente não passa mais o dia inteiro dentro de um deles. O trabalho remoto tem causado turbulência no mercado imobiliário de espaços de escritórios. 

Porém, as pessoas não estão se livrando dos escritórios apenas por isso. Há uma razão mais profunda empurrando esse movimento. As próprias empresas precisam que as pessoas trabalhem de modo diferente.

No passado, os escritórios e a burocracia corporativa eram voltados para eliminar as idiossincrasias humanas e transforma-las em mecanismos padronizados. Hoje, ironicamente, as empresas precisam exatamente dessa idiossincrasia das pessoas.

O sucesso das empresas não está mais em jogar a maior quantidade possível de recursos num moedor de carnes. No excelente artigo intitulado Betting The Firm (Ganhando da Firma), Dror Poleg diz que a “empresa” do futuro será parecida com um fundo de venture capital e talento se tornará verdadeiramente um ativo no qual se poderá investir – bem diferente daquele papo furado de que “os empregos são nosso maior ativo”, “capital humano” e outras hipocrisias corporativas.

Dror vai além, ele escreve que:

... no Século XXI o maior desafio não é fazer as coisas de modo mais eficiente; ao invés disso, o desafio é descobrir “o que” fazer e a relação entre o que entra e o que sai economicamente de uma empresa não é mais linear.

Considere a diferença entre a Ford Motors Company do início do Século XX e o Google do começo do Século XXI. A Ford sabia que acrescentando um numero X de empregados e construindo um numero Y de linhas de produção, podia-se prever razoavelmente a produção de carros adicionais.

Mas quando o Google pediu para Paul Buchheit – Engenheiro de Computação – mexer com e-mails, não sabia que ele acabaria criando o Gmail, também não tinha a menor ideia que seria criado o Google News, quando contratou Krishna Bharat. Contratar um numero a mais de engenheiros e coloca-los em um numero Y de estações de trabalho num escritório, não vai necessariamente aumentar a receita da empresa.

Numa era de resultados não-lineares as empresas precisam ter estruturas mais flexíveis, tem que experimentar diferentes tipos de gente e de projetos. Isso vai afetar os escritórios, bem como a forma e a estrutura das empresas de hoje.

As empresas serão “desmembradas”. Aumentará a demanda por trabalho criativo e altamente especializado, mas aumentará também a procura por trabalho sob demanda. Muitos empregos não serão estáveis ou mais precisamente, não serão empregos.

Profissionais serão chamados a contribuir com projetos específicos e convidados a se juntar a equipes por tempo determinado. Isso acontecerá tanto com os profissionais dentro das empresas como fora delas. 

Por isso, a busca de um novo modelo de negócios dos fundos de pensão passa pela criação de “planos instiuidos”, nos quais são flexibilizadas as amarras do vínculo empregatício permanente, por prazo indeterminado, para uma pessoa participar do plano. 

Mas essa flexibilização apenas cria um ambiente favorável para uma guinada, existe uma serie de outras variáveis que precisam ser modificadas para se caminhar em direção ao fundo de pensão do futuro. Isso, em breve abordarei aqui no substack, mas apenas para os assinantes pagantes …  

Há algumas semanas foi publicado um artigo pelo The Economist listando como a tecnologia está redesenhando as fronteiras de uma firma. O artigo, intitulado “How technology is redrawing the boundaries of the firm”, faz uma análise baseada em dados mostrando que:

  1. As empresas estão contratando mais empregados em tempo parcial, mais empregados terceirizados e até empregados localizados no exterior.
  2. Ocupantes de empregos qualificados estão "fluindo" para áreas rurais e cidades menores
  3. Está aumentando a exportação de serviços de países como Polonia, Índia, China e Indonésia, para países como EUA e Reino Unido.
  4. As empresas estão crescendo em tamanho, apesar de depender mais fortemente de empregados terceirizados e outros tipos de contrato que não na folha de pagamentos.

Esse último ponto é surpreendente, como pode as empresas estarem se livrando de várias atividades e mesmo assim estarem crescendo? Dror Poleg em seu livro “Rethinking Real Estate”, explica:

Para lidar com incerteza e produção não-linear, as empresas estão começando a se parecer com ecossistemas e redes fluidas, ao invés de estruturas claramente definidas.

O que permite esse desmantelamento é a redução dos custos de transação. No passado era muito caro achar, recrutar, reunir, transportar, pagar e depois desmobilizar um novo grupo ou equipe de pessoas para cada projeto corporativo. Hoje em dia, a tecnologia torna mais fácil e frequentemente mais lucrativo, identificar, contratar e coordenar o grupo ideal de profissionais pelo período de tempo de tempo necessário (e depois desmobiliza-lo).

Cada vez mais as empresas estão adotando esse modelo. Isso não significa o fim das grandes empresas, haja visto o tamanho da Amazon, Apple, Microsoft ... mas significa que mesmo nas empresas gigante não haverá grupos enormes e homogêneos de empregados trabalhando junto, no mesmo lugar, fazendo mesma coisa, durante longos e indefinidos períodos de tempo.

Diferente do que acontece hoje, o escritório do futuro não estará apenas num único local, será uma rede de espaços e serviços interconectados, dispersos, mundo afora.

Estamos testemunhando o mais dramático e profundo realinhamento econômico desde a revolução industrial. Esta mudança afetará onde como o trabalho é feito, transformará os vínculos de emprego entre as pessoas e os negócios, causará disruptura em segmentos inteiros – como o de fundos de pensão - e reconfigurará o mundo físico de maneiras que estamos apenas começando a entender.

Todo esse movimento de extinção dos escritórios e reformatação das empresas, negócios e fundos de pensão, já vinha acontecendo anos antes da pandemia, cujo mérito foi apenas o de evidenciar e trazer isso à tona.

Artigos como o escrito por The Economist são louváveis por notar as tendencias imediatamente após elas se tornarem evidentes. 

Para as pessoas que querem saber das coisas antes delas acontecerem, minha recomendação é lerem newsletters como esse aqui.

Grande abraço,

Eder.


Fonte: Remote Burocracy, escrito por Dor Poleg.


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