segunda-feira, 22 de julho de 2024

A MORTE DO PENSAMENTO CRÍTICO É UMA SÉRIA AMEAÇA À EFICÁCIA DO CONSELHO DO SEU FUNDO DE PENSĀO

 


De Sāo Paulo, SP.


TL;DR: Estamos presenciando um declínio multigeracional na compreensão de mensagens. Lemos menos, retemos menos daquilo que lemos e temos dificuldade para nos engajar em análises críticas. Se essa tendencia continuar, haverá serias implicações para nossa sociedade.

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Na era da mídia viral os conteúdos assumem o tamanho de bits & bites e as pessoas vão perdendo o foco e a paciência com mensagens longas e complexas. Folheamos e varremos, ao invés de lermos com atenção. Nossa capacidade de concentração encolheu para meros segundos.

Se por um lado a tecnologia permitiu a disseminação da informação, por outro, fragmentou nosso pensamento. Estamos sobrecarregados por ruido e sensacionalismo.

Manchetes que servem como isca paras clicks e posts nas mídias sociais que apelam para nossas emoções, ao invés do intelecto, vāo deixando-nos suscetíveis a desinformação. Compartilhamos artigos sem lê-los, simplesmente reagindo a títulos provocativos e abstratos. O contexto, as nuances e a acurácia não importam mais. A verdade objetiva se tornou secundária, cedeu lugar à sentimentos subjetivos e impulsos básicos.

Sem ler e compreender, somos incapazes de processar a informação de maneira criteriosa e tomar decisões fundamentadas. Perdemos a capacidade de analisar minuciosamente os problemas, de pensar criticamente, de entender diferentes perspectivas, de identificar falácias lógicas e de ponderar as evidências.

Nossas opiniões são moldadas por retóricas alarmistas e pelo viés de confirmação ao invés de fatos. Consumimos informação, mas não a digerimos verdadeiramente. Isso vai erodindo os fundamentos de uma democracia saudável: uma população educada.

Pode ser extremamente simplista dizer que as pessoas perderam totalmente a capacidade de leitura e compreensão. Seria mais preciso dizer que esquecemos como aplicar a leitura criteriosa às mídias modernas. Ainda mantemos as habilidades cognitivas básicas, mas não mais as alavancamos. Reagimos a vídeos do Youtube carregados de viés politico, ao invés de assisti-los, examiná-los e questioná-los.   

Lemos posts online com pontos de vista que confirmem nossos preconceitos ao invés de considerar perspectivas diferentes. Permitimos que nosso pensamento seja influenciado por quem fala mais alto nas mídias sociais, ao invés de considerarmos os discursos com fundamento. Nos tornamos intelectualmente preguiçosos, deixando de exercitar nossa natureza crítica.

Ler é mais do que uma habilidade útil. Nos expõe a novas ideias, culturas e experiencias. Livros nos permitem imaginar outras vidas, expandem nossa visão de mundo. Uma leitura profunda e cuidadosa exercita nossas capacidades mentais. Desenvolve foco, habilidades analíticas e pensamento abstrato. Ler cria empatia e compaixão. Através das histórias ganhamos perspectivas emocionais sobre a condição humana.  A erosão da leitura crítica prejudica o desenvolvimento cognitivo e a inteligência emocional.

Diante do surgimento do ChatGPT muitos argumentam que a IA representa a maior ameaça existencial do nosso tempo. Algoritmos avançados podem automatizar empregos, permitir a manipulação e usar a desinformação como arma. Mas os sistemas de IA ainda são desenhados por humanos. Suas capacidades são limitadas pelo que os programadores desenvolvem. Apesar de ser potencialmente perigosa, falta a IA atual a capacidade de ter consciência e percepção sensorial - definidas como senciência (pensar e sentir).

Em contraste, a morte da leitura crítica ameaça as mentes sencientes de bilhões de pessoas. Mentes que desenham, constroem, regulam e usam tecnologia para o bem e para o mal. Mentes que fazem julgamentos éticos com consequências globais. Perder a capacidade de compreender o mundo a nossa volta e fazer ideias complexas terem sentido, significa uma crise existencial.

Nenhum algoritmo pode substituir a sabedoria e análise humanas. Mas nenhum algoritmo precisará fazer isso se abandonarmos – no atacado – nossa capacidade milenar de pensar e ler criticamente.

Cada um de nós pode fazer um esforço para diversificar a leitura, refletir profundamente e verificar as afirmações antes de espalhar informações. Também podemos aplicar às mídias modernas, conscientemente, a capacidade de ler criticamente, ao invés de reagir reflexivamente. Escolhas e ações individuais, porém, não são o bastante.

A diminuiçāo da leitura e compreensão é um fenômeno complexo. Não pode ser reduzida de forma simplista a explicações do tipo “a tecnologia arruinou nossa capacidade de concentração”. E jogar a culpa na Geração Z seria ignorar a vulnerabilidade em massa à desinformação (mal estruturada), comprovada por usuários mais velhos - tanto a direita como a esquerda - que acreditam nas mais variadas narrativas e teorias da conspiração.    

As mídias digitais modernas treinam nosso cérebro de maneiras antiéticas e nos afastam de uma leitura imersiva e contemplativa. Um fluxo infindável de estímulos fragmenta nossa concentração reduzindo-a a pequenos pedacinhos de atenção. Abrimos múltiplos aplicativos e sites simultaneamente, nos expomos a ideias diversas, mas retemos muito pouco delas. Nossa atenção salta rapidamente de um post para outro, sem mergulhar profundamente em qualquer tópico.

O desenho de aplicativos e sites explora deliberadamente nossas vulnerabilidades: reprodução automática de vídeos e cliques para atualizar páginas, enganam nosso cérebro com novidades sem fim. Notificações interrompem nossos pensamentos desviando nossa atenção. Manchetes sensacionalistas se aproveitam de nossas emoções para sequestrar nossa curiosidade. Algoritmos aprendem de modo preciso qual conteúdo nos fisgam e nossas mentes são treinadas de modo Pavloviano a querer distração.

Pior ainda, esse ambiente frequentemente mascara conteúdos insípidos por trás de interfaces envolventes, otimizadas para maximizar o tempo que permanecemos no site. Suportamos vídeos chatos e repetitivos só para ver como terminam. Não conseguimos desviar o olhar de pessoas bonitas que vendem conselhos fúteis. Páginas cheias de anúncios e rastreadores esmagam nossa vontade de nos concentrar, nossa atenção é monetizada para enriquecer aqueles que dominam a arte de nos distrair.

Enquanto isso, longos textos, cheios de informações substanciais lutam para competir porque suas interfaces não foram projetadas para nos viciar e sim para nos esclarecer. Eles respeitam a escolha do leitor ao invés de direcioná-la algoritmicamente. Seus criadores estão mais preocupados com a verdade do que com os cliques. Esses oásis de leitura profunda soam cada vez mais estranhos às mentes modernas, acostumadas a um constante estímulo sensorial. Sua profundidade requer paciência e esforço analítico, que não parecem mais naturais após anos deslizando e rolando páginas com informações.

As mídias digitais têm muitos aspectos positivos, como expor as pessoas a perspectivas diversas que elas jamais encontrariam, mas o efeito colateral à capacidade de atenção é real.

Estudos confirmam que a multitarefa ativa dificulta a concentração em atividades cognitivamente exigentes e nos impede de filtrar a distração. Pessoas que consomem muita mídia online, exploram uma ampla gama de assuntos, mas possuem menos conhecimento profundo. Os nativos digitais pensam e leem de maneira fragmentada, muito diferente daqueles que foram alfabetizados no passado.

Enquanto a identificação das causas disso requer mais estudo, os resultados são preocupantes o bastante para demandar intervenção. A estrutura da mídia moderna ameaça essa capacidade de intervenção, mas uma mudança das políticas, uma reforma da educação e dos hábitos individuais, podem ajudar a reviver a leitura profunda.

Os desafios dos conselhos dos fundos de pensão

A complexidade dos assuntos tratados nos conselhos dos fundos de pensão, evoluiu. Os pacotes de informação fornecidos hoje em dia aos conselheiros, para que eles se preparem para as reuniões, passaram a privilegiar a quantidade de informações sobre a qualidade delas.

Os conselheiros são inundados com uma miscelânia perturbadora de dados que os distraem, ao invés de receberem as informações substantivas que importam. Essa pressão institucional torna mais difícil uma leitura profunda e reduz o sucesso na identificação dos problemas, agravado pelo contexto descrito anteriormente.

Os conselheiros sofrem uma imensa pressão ao se prepararem para as reuniões em um curto espaço de tempo e tem dificuldade ao navegar relatórios não-padronizados. Os conselheiros são induzidos a analisar quantitativamente os dados matemáticos e financeiros que recebem, comparando-os com dados anteriores, ao invés de refletir criticamente sobre o impacto deles no futuro do fundo de pensão. Tudo isso se agrava num momento em que conselheiros das novas gerações começam a chegar aos boards.

As decisões são baseadas muito mais em leituras mecânicas do que em análises críticas originais. Esse sistema acaba desencorajando a curiosidade intelectual e a paciência necessárias para uma leitura profunda.

Além disso, a desigualdade de experiencias e conhecimentos sobre previdência complementar entre os conselheiros oriundos das patrocinadoras e aqueles vindos do mercado, desempenha um papel importante.

A eficácia e a qualidade das decisões dos colegiados tem forte correlação com o nível de proficiência em previdência de seus membros. Aqueles lutando para entender aspectos técnicos básicos do setor, tem menos tempo e energia para refletir sobre as decisões. Essas desvantagens tornam-se obstáculos para se obter conselhos mais eficazes nos fundos de pensão.

O estigma da falta de conhecimento e experiencia em previdência complementar cria fricção psicológica dificultando uma leitura aprofundada, que leve a análise crítica dos assuntos.

Melhorar a tomada de decisões pelos conselheiros envolve muitas questões complexas, que se entrelaçam – tecnologia, processos e estrutura dos conselhos, origem, formação técnica e características de seus membros – não existe uma causa única para o problema nem uma solução singular para se chegar lá.

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O declínio da leitura e compreensão carrega implicações preocupantes para a sociedade como um todo e para os fundos de pensão em particular. As ferramentas necessárias para os conselheiros tomarem decisões num mundo cada vez mais complexo, estão em jogo.

Sem a inclinação, a habilidade e a condição de ler com profundidade, perdemos a capacidade de entender os problemas, pesar os fatos, debater respeitosamente, ter empatia com pontos de vista diferentes, discernir o verdadeiro do falso e nos engajar intelectualmente nas discussões.

As consequências permeiam várias facetas de nossas vidas. As decisões de negócio são tomadas reflexivamente, com base nas reações instintivas dos executivos ao invés de se nortearem pela análise de dados e pontos de vista. As políticas são traçadas para atender objetivos de curto prazo, em oposição aos impactos de longo prazo.

As questões éticas ficam esquecidas se faltam aos líderes solidas estruturas filosóficas. Investidores e participantes desinformados fazem escolhas influenciados por rumores, exageros e heurística, em vez de fundamentos financeiros e econômicos. As antigas soluções se sobressaem às inovações, que exigem conhecimento tecnológico, científico e educação financeira.

Em todos os campos, perdemos as bases compartilhadas para comunicar ideias com precisão. Sem lermos literaturas e textos complexos, o vocabulário encolhe, o discurso passa a ser controlado pela emoção e as analogias substituem os fatos.

Perdemos contato com a história, as artes e a cultura. O anti-intelectualismo ganha espaço na medida em que a leitura é considerada elitista e irrelevante em vez de enriquecedora.

Uma sociedade e um conselho que não conseguem ler pacientemente longos textos, tem dificuldade de entender o mundo, de tomar decisões sabias, de ter empatia pelas diferenças, de traçar políticas eficazes, de progredir tecnologicamente, com justiça econômica, com ciência de ponta e fazer prevalecer a verdade dos fatos sobre as crenças equivocadas.   

Reviver a leitura, a compreensão das informações e o pensamento critico, é uma das prioridades maios urgentes para o futuro das sociedades e nela, dos fundos de pensão.


Grande abraço,

Eder.


Fonte: “The Death of Critical Thinking Will Kill Us Long Before AI”, escrito por Joan Westenberg.


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