De Sāo Paulo, SP.
Depois do advento dos planos de previdência complementar chamados no Brasil de contribuição flexível, ali por volta do final dos anos 80, começo dos anos 90, receber um benefício de aposentadoria passou a significar - para a maioria as pessoas - converter o saldo da poupança acumulada, em uma renda vitalícia (a ser recebida até morrer).
Com o surgimento dos planos de contribuição definida (CD) puros, que passaram a dominar o cenário dos fundos de pensāo a partir do final dos anos 90, as pessoas que chegam na idade de aposentadoria não contam mais com a opção de renda vitalícia.
Em troca, passaram a ter uma liberdade maior de escolha sobre o que fazer com sua poupança acumulada. As alternativas para recebimento de renda se multiplicaram, com opções podendo ser: (i) escolha de um percentual do saldo remanescente (ex.: 0,5%, 1,0% ... 2,5%); (ii) definição de um período fixo (5 a 20 anos); (iii) fixação de um valor nominal, pré-determinado, em Reais; (iv) alteração anual dos percentuais e/ou do numero de anos e/ou do valor e/ou da própria forma de recebimento mencionadas nos itens anteriores.
Junto com essa enorme flexibilidade de escolha, veio uma responsabilidade maior. De repente, as pessoas ficaram expostas a uma série de riscos envolvendo o que, para muitos, será a maior decisão financeira de suas vidas.
A maioria das pessoas chega na data de aposentadoria tendo acumulado um saldo de poupança por inércia, i.e., com falta de engajamento durante a carreira, sem projetar o benefício que deverão receber na aposentadoria.
Assim, poucos estão preparados para tomar decisões tão importantes e complexas, que requerem equilibrar longevidade, inflação e riscos dos investimento, para garantir que desfrutem de uma aposentadoria confortável, não ficando sem dinheiro antes de morrer.
Sem apoio especializado, nāo surpreende que a maioria das pessoas esteja assumindo riscos financeiros ao tomarem decisões ruins. Pesquisa feita em março de 2020 pela FCA – Financial Conduct Authority (a CVM do Reino Unido), mostrou que 1/3 das pessoas que tiveram acesso a sua poupança acumulada quando se aposentaram, resgataram parte do saldo e mantiveram o montante em dinheiro parado no banco, inevitavelmente, perdendo o retorno dos investimentos.
Esse é um problema urgente. Milhões de pessoas da geração Baby-boomer e da Geração X estão prestes a se aposentar nos próximos anos e não têm tempo para poupar mais. Há uma clara necessidade desses participantes receberem ajuda e assistência num estágio crucial de suas vidas, que é a entrada em aposentadoria.
É vital pensarmos em uma regulamentação que leve os fundos de pensāo e seguradoras a fornecer assessoria para as pessoas durante toda a fase de recebimento da renda de aposentadoria, assegurando a otimização do benefício durante a desacumulaçāo.
Essa é a única forma de impedir que as pessoas entrem em default, ou seja, se tornem inadimplentes consigo mesmas – o que ocorre quando acaba a renda de aposentadoria e ainda sobre tempo de vida pela frente. Isso acontece atualmente com mais da metade (56%) das pessoas que se aposentam em planos CD.
A solução para o “elefante na sala”: desacumulaçāo
Há cerca de 40 anos, desde que comecei a trabalhar no setor de previdência complementar, que meu proposito tem sido ajudar as pessoas a terem uma renda decente de aposentadoria.
Apesar do progresso das últimas décadas, o alcance dos fundos de pensão no Brasil ainda é limitado. Além disso, existe uma desconexão entre os produtos oferecidos e a segurança financeira futura almejada pelas pessoas.
Muita gente, inclusive eu, gostaria de ver mais pessoas obtendo apoio completo de seus fundos de pensāo e seguradoras durante o longo período de desacumulaçāo (fase de aposentadoria).
Por isso, venho cutucando, provocando, tirando da zona de conforto, tecnocratas, conselheiros de fundos de pensão, diretores de patrocinadoras, executivos de seguradoras e dirigentes de associações de aposentados.
Na fase de acumulação da poupança, ao longo da carreira, as soluções de investimentos disponibilizadas pelos planos CD funcionam para todo mundo porque as pessoas, de certa forma, estão procurando a mesma coisa, As pessoas estão tentando acumular o maior saldo de poupança possível, através de bons retornos dos investimentos, baseadas em seu perfil de risco.
Porém, uma vez que entram na fase de desacumulaçāo dessa poupança, tudo muda, porque cada individuo tem uma situação especifica e às vezes até a situação financeira de cada um pode mudar.
Pessoas diferentes têm necessidades diferentes, o que funciona para uns pode não ser o ideal para outros. Apesar de não ser possível oferecer uma única solução que seja perfeita para todos, os planos de previdência complementar corporativos deveriam, ao menos, proteger os poupadores de decisões que sabemos podem ser prejudiciais.
Devido à grande gama de opções disponíveis para recebimento da renda mensal, calculada a partir da poupança acumulada em planos CD, nāo surpreende vermos decisões “sub-otimizadas” sendo tomadas pelos participantes.
Fundos de pensão e seguradoras deveriam ser capazes de oferecer produtos flexíveis, que permitam aos participantes mudar sua abordagem conforme sua circunstância mude, mitigar grandes oscilações no nível de renda que recebem e abordar questões relacionadas à proteção contra a longevidade.
O que uma regulamentação deveria cobrir
O foco deveria ser o suporte aos indivíduos no ponto de acesso ao benefício de aposentadoria, ou seja, na data em que precisam definir a forma de recebimento do benefício de renda mensal.
Independente do tipo de operadora de previdência complementar, i.e., se fundos de pensāo (entidades fechadas) ou seguradoras (entidades abertas), os elementos-chave de uma regulamentação de apoio aos participantes na desacumulaçāo deveriam:
Exigir orientação e informação aos poupadores durante toda a jornada de desacumulaçāo, i.e., a fase de aposentadoria, seja com soluções internas ou externas ao plano, melhorando a experiencia de aposentadoria dos participantes;
Estabelecer um conjunto de padrões mínimos de produtos a serem oferecidos aos aposentados como parte do plano de previdência complementar, endereçando os numerosos e complexos riscos enfrentados na fase de recebimento da renda de aposentadoria, a serem disponibilizados pelos planos, pois as operadoras são mais capazes do que os poupadores para negociar esses riscos;
Requerer padrões mínimos de governança, essenciais para sustentar o design e a entrega dos elementos acima mencionados;
Impor a todos os conselheiros e administradores de planos de previdência complementar corporativos (fundos de pensão e seguradoras) a responsabilidade de oferecer produtos e serviços de desacumulação aos participantes, no “ponto de acesso” à renda de aposentadoria, com qualidade e preço adequados;
Exigir que os planos CD criem uma solução padrão de recebimento da renda (por exemplo, simplesmente pagando o montante fixo em dinheiro que é isento de impostos), com base no perfil geral de seus participantes. O participante seria colocado automaticamente nessa opção padrão, ao ter acesso à sua poupança de previdência, caso nāo fizesse uma escolha ativa sobre como receber a renda de aposentadoria;
Permitir acordos de parceria direta ou indireta entre fundos de pensão, seguradoras, fintechs e outras organizações, para fornecer uma ampla gama de serviços de desacumulaçāo aos participantes; e
Criar mercados que permitam o desenvolvimento de produtos para a fase de desacumulação, como o óbvio e ainda ausente no Brasil, mercado de anuidades (rendas vitalícias).
A legislação deveria exigir que os planos de previdência complementar corporativos - administrados por fundos de pensão e seguradoras – ofereçam, verdadeiramente, produtos de previdência. Assim, as pessoas teriam uma renda na aposentadoria e não apenas uma reserva de poupança, quando pararem de trabalhar.
A previdência complementar deveria ser obrigada a focar no recebimento da renda pelo aposentado, nāo apenas na acumulação de um saldo de poupança.
A legislação deveria, ainda, atribuir aos conselhos deliberativos dos fundos de pensão a responsabilidade fiduciário de oferecer não apenas uma solução ou uma gama de soluções de renda, mas também orientação ao participante durante o longo período de aposentadoria, constantemente otimizando essa renda.
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Estima-se que nos próximos 20 anos, mais de 40% dos aposentados dependerão, como única renda na aposentadoria, da poupança acumulada em planos de previdência complementar do tipo contribuição definida.
Para cumprir com seu dever fiduciário, fundos de pensão e seguradoras deveriam disponibilizar aos aposentados soluções de gestão permanente da renda de aposentadoria, do tipo “faça para mim” ou “faça comigo” e nāo como hoje, no estilo “faça sózinho” ou “se vire”.
Em suma, operadores de planos de previdência complementar deveriam, simplesmente, oferecer aos aposentados o conjunto de soluções de desacumulaçāo mais adequado às suas circunstâncias, tudo integrado no plano de previdência complementar, como um produto único.
Fundos de pensāo e seguradoras (alô @abrapp, @apep e @fenaprevi) poderiam, voluntariamente, desenvolver soluções de desacumulaçāo para melhorar seus produtos e serviços atuais.
Políticas publicas de previdência complementar (alô @ministériodaprevidência e @cnpc) poderiam encorajar o desenvolvimento de inovações, fornecendo orientações ao mercado para atingir esses objetivos, sem a necessidade de legislação.
Grupos de representantes dos aposentados (alô @ANAPAR), como as associações que existem aos montes, poderiam consultar seus membros sobre a gama de produtos e serviços de desacumulaçāo que eles precisam.
Mas se isso nāo aconteceu até aqui, a única forma de fazer isso é mesmo através de regulamentação (alô @camaradosdeputados, @senado e @congressonacional).
O plano de previdência complementar que se preocupa apenas com a fase de acumulação da sua poupança, mas não te ajuda na fase de desacumulação, quer seu dinheiro, nāo seu bem-estar ...
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fontes: “The challenges of default retirement income solutions”, escrito por Martin Richmond.
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