De São Paulo, SP.
A primeira página dos cursos de administração ensina que estratégia não funciona sem estrutura e vice-versa.
Ou seja, não adianta ter uma estratégia muito bem definida se você não tiver a estrutura adequada para implantá-la. Por outro lado, nem a melhor estrutura do mundo, com tecnologia de ponta, pessoas certas e recursos abundantes levará uma organização a atingir seus objetivos na ausência de uma boa estratégia.
Lucius Annaeus Seneca, filósofo que viveu na Roma do Século 4 a.c. e foi conselheiro do Imperador Nero, quando este assumiu o poder aos 16 anos de idade, tem uma frase que ilustra bem a necessidade de uma boa estratégia:
“Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”
Algumas lições que essa pandemia está nos ensinando são valiosas e afetarão, daqui pra frente, a forma de atuação dos fundos de pensão multipatrocinados.
Devido às grandes transformações no cenário econômico e social trazidas pelo Covid-19, muitas delas antecipando tendências que já estavam no radar, os multipatrocinados terão que apertar o botão de “reset” tanto de suas estratégias como de suas estruturas atuais.
Segue uma lista, não exaustiva, de algumas das mudanças em curso:
1. Transição para um mundo online
Caíram as fronteiras que delimitavam o campo de atuação das antigas entidades fechadas de previdência complementar. Antigamente, a divulgação de um plano de benefícios era feita em uma sala ou auditório, reunindo os potenciais participantes, todos empregados da empresa patrocinadora.
Agora, os potenciais participantes sejam eles empregados da patrocinadora, familiares dos empregados ou pessoas sem qualquer vínculo de emprego com a patrocinadora, estão dispersos geograficamente. Os empregados em home-office. Os familiares em casa. O resto, espalhado por aí.
O que muda: os fundos de pensão precisarão ser capazes de converter novos participantes online, com estruturas de captação e manutenção de “clientes” totalmente diferentes das atuais.
Dados da Majesco, uma InsureTech do Vale do Silício em São Francisco – EUA, baseados em ocorrências de 2019, mostraram que as interações digitais entre consumidor e prestador de serviços de seguros, ocorreram na proporção 250:1 em relação às interações face-a-face:
- interações face-a-face ocorreram em média 1-2x / ano;
- interações via centrais telefônicas ocorreram 5-10x / ano;
- interações online ocorreram 7-10x / mês;
- interação por smartphone ocorreram 20-30x / mês.
2. Atração de talentos e competências até no mais alto nível
Em um momento em que o mercado está indo na direção contrária e ao invés de recrutar talentos proativamente há previsão de demissões, os fundos multipatrocinados terão que atrair talentos, mas agora terão que faze-lo de forma igualmente online.
No aspecto talentos, acho que vale a pena chamar a atenção para a necessidade dos fundos multipatrocinados criarem Comitês de Nomeação e Governança em seus Conselhos Deliberativos. Somente através de estruturas como essa será possível virar o jogo da governança.
A era em que membros dos conselhos eram escolhidos com foco em pessoas está saindo de cena e dará lugar a escolha de conselheiros baseada nas competências e experiências necessárias para levar o fundo de pensão a enfrentar os desafios à frente. No Reino Unido, onde muitos supõe que os fundos de pensão contem com conselhos profissionalizados, um artigo recente dizia: “não há mais espaço para conselheiros que tragam apenas boa vontade, é preciso conselheiros que agreguem valor com suas experiências e vivencias na indústria de previdência complementar”.
3. Consolidação
O movimento de consolidação de fundos de pensão, que já vem ocorrendo ao longo de mais de uma década, vai se acentuar. Não é exclusivo do Brasil onde chegamos a ter, no pico, 365 fundos de pensão e hoje temos 292 alguns dos quais em processo de liquidação. Na Holanda, dados do banco central apontam para uma redução de 75% na quantidade de fundos de pensão nos últimos 20 anos. Chegaram a existir 800 fundos de pensão, hoje há menos de 200. Na Austrália eram 7.000 fundos de pensão em 2006, número que foi reduzido para 2.000 em 2016 (matéria da I&PE: aqui).
Em um primeiro momento essa consolidação foi puxada por movimentos de M&A no mundo corporativo. Agora, será uma consequência de uma espécie de teoria da evolução aplicada aos fundos de pensão cujo modelo de negócios está ancorado em escala. Sobreviverão aqueles que entenderem que as coisas estão mudando e olharem para a frente, ao invés de se apegarem ao modo passado de fazer as coisas e continuarem pilotando a organização com o assento do motorista voltado para o vidro de trás.
4. Necessidade de investimentos significativos
As preferencias dos consumidores mudaram, novas tecnologias chegaram e os potenciais participantes e “patrocinadoras” dos fundos de pensão também não são mais os mesmos. Com estruturas voltadas para um problema que já não é mais o mesmo, os atuais fundos multipatocinados não serão capazes de alavancar sua performance operacional e tão pouco alcançar o potencial futuro de clientes se não fizerem grandes investimentos em pessoas, tecnologias e capacitação. Ganhos de eficiência são sempre possíveis, porém, requerem investimento em novas tecnologias e soluções.
5. Uma outra governança
O sistema de reporte de informações unidirecional e de prestação de contas atual, nem de longe atenderá as necessidades dos participantes que estão chegando. Se antes a preocupação era apenas enviar informação ao participante, esse era o conceito de transparência, agora a relação terá que ser bidirecional. Vai implantar um novo perfil de investimentos? Não presuma que sabe o que é melhor para os participantes, vai ter que perguntar para eles. O fundo de pensão vai abraçar os princípios ESG? Não adianta apenas divulgar por aí, vai ter que criar um perfil de investimentos exclusivamente ESG porque os Millenials querem isso, a GenZ quer isso e até os mais velhos estão querendo isso.
Quem define onde, quando e como gerenciar o plano de previdência complementar hoje é o participante, o fundo de pensão que não entender isso vai ficar para trás.
Sabe o sistema de votação que seu fundo de pensão adota para eleger representantes de participantes para os conselhos? Pois é, sugiro pensar em novos usos para ele, além das eleições. Um sistema de votação do século XXI já existe, escrevi sobre isso aqui e aqui.
6. Flexibilidade e insights dos dados
A época das soluções pasteurizadas está chegando ao fim. O novo participante quer diferenciação, velocidade e customização. Esquece aqueles planos que mais pareciam sair de uma linha de produção em massa. Os dados estão a um clique de distância, use-os e alavanque o conhecimento sobre os participantes através deles.
7. Complexidade e segmentação
Imagine um banco em que todos os clientes têm as mesmas opções de investimento, tenham eles saldos de R$ 5 mil ou de R$ 5 milhões. É exatamente assim que os fundos de pensão tratam os atuais participantes. Se aplicarmos o principio de Pareto, 80% dos saldos de conta de planos de contribuição definida pertencem a 20% dos participantes. No entanto, os perfis de investimentos oferecidos são os mesmos, independentemente do saldo. Por que não ter a figura do “investidor qualificado”? Ou oferecer opções mais sofisticadas para saldos maiores?
Há alguns anos cheguei a ler um artigo sobre planos de previdência nos EUA avaliando permitir que o participante montasse sua própria carteira de ações, como num home-broker. Não precisamos ir tão longe, mas alguma diferenciação seria bem-vinda.
8. Remuneração e gestão de terceiros
Nesse novo momento dos fundos de pensão, participantes darão lugar a consumidores, comunicação será parte do marketing e prestadores de serviço comporão um ecossistema de parceiros de negócio.
A criação da cultura de vendas para atração de novas “patrocinadoras” e de marketing para conversão de novos participantes terá, necessáriamente, que vir acompanhada de uma sólida estratégia e uma nova estrutura para isso.
A figura abaixo sintetiza os vários componentes focados na relação com terceiros, parceiros de negócio e força de vendas que terão que ser definidos pelos fundos multipatrocinados que quiserem verdadeiramente crescer de modo sustentável.
Sem um olhar na direção apontada acima, os fundos de pensão multipatrocinados terão muita dificuldade para ganhar mercado e até mesmo, sobreviver.
Fica a dica!
Grande abraço,
Eder.