sábado, 15 de agosto de 2020

ERROS & OMISSÕES: O QUE A INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES AÉREOS PODE ENSINAR AOS CONSELHOS DOS FUNDOS DE PENSÃO

 

De São Paulo, SP.


“Quem nunca errou aprendeu, nada” - Anônimo

Certo dia a área financeira do fundo de pensão liga para um aposentado que tinha retirado empréstimo alguns anos antes. A conversa foi mais ou menos a seguinte: 

Financeiro: “daqui a seis meses termina o pagamento do seu benefício – relembrando que o senhor optou por receber o saldo de conta pelo prazo certo de 5 anos, mas ainda restam 12 prestações do empréstimo que o senhor retirou”. O senhor vai quitar antecipadamente as prestações?

Participante: “meu benefício só termina daqui a um ano, eu inclusive programei a última prestação do empréstimo e até do pagamento do seguro do meu carro para coincidirem com o término do meu benefício ...”

O problema escalou, foi bater numa reunião de diretoria e levou a um longo processo de investigação para se identificar o que havia de fato ocorrido. Foi difícil, levou meses, mas descobriu-se que o problema foi gerado durante uma mudança de perfil de investimentos. 

O sistema criou um descasamento nos prazos de pagamento ao deixar de ajustar o valor da cota do perfil de origem para a cota do perfil de destino. Com isso, passou a consumir os saldos de conta em ritmos maiores ou menores do que deveria (dependendo da cota do novo perfil, no momento da troca).

A investigação mostrou, também, que além do caso conhecido o erro sistêmico havia gerado problema no prazo de pagamento de centenas de aposentados e pensionistas. Alguns acabariam esgotando o saldo antes do prazo escolhido. Outros, que estavam recebendo rendas em valores menores do que deveriam, chegariam no último mês do prazo de pagamento com um grande saldo remanescente. 

Esse episodio é um caso real, que tive que enfrentar quando fui vice-presidente de previdência de um grande fundo de pensão, com 5 mil aposentados, mais de 20 mil participantes ativos, 21 planos de benefícios, dezenas de patrocinadoras e uma folha anual de benefícios equivalente hoje a R$ 600 milhões.

Aquela foi uma experiência incrível e uma das maiores lições que aprendi foi como tratar os erros operacionais quando eles surgem. Resolvi criar um treinamento interno, na época, para conscientizar a equipe que contava com quinze pessoas entre gerentes, coordenadores e analistas. 

A intenção foi juntar profissionais da área de seguridade de alguns fundos de pensão e fazer do treinamento de E&O uma interessante troca de experiências, com estudo de casos reais e uma dinâmica mais interativa. 

A agenda do treinamento, que deixo como referência para aqueles que estiverem montando treinamentos em seus fundos de pensão, era essa:

Quando um E&O é detectado, não basta apenas resolver o problema gerado por ele. Três providencias são necessárias:

  1. Focar no presente: identificar a causa do erro e descobrir o que levou o problema a acontecer;
  2. Focar no futuro: consertar imediatamente a causa, para evitar que o erro continue se perpetuando;
  3. Focar no passado: verificar se o erro afetou casos semelhantes no passado e conserta-los igualmente. 

Passada a crise, a tendência é se buscar culpados e foi exatamente isso que me levou a montar o treinamento. Você já vai entender a razão.

O objetivo deve ser corrigir o erro, não buscar culpados.

Meu velho pai tirou o brevê (1) aos 16 anos, foi pioneiro no Brasil da aviação embarcada (pousos em porta-aviões) e pilotou aviões da Força Aérea Brasileira em segurança por mais de 35 anos. Com ele aprendi coisas interessantes sobre excesso de confiança, investigação e prevenção de acidentes aéreos.  

(1) brevê, do francês brevet, é um documento que dá ao seu titular a permissão para pilotar aviões, sendo dividido nas vertentes civil e militar. Por uma dessas coisas da vida, que ninguém explica, no Brasil você pode pilotar um avião com 16 anos, mas carro, só aos 18.

Os pilotos de caça passam por longos e cansativos treinamentos até se tornarem aptos a voar naqueles jatos que atingem a velocidade do som. Com o tempo, eles vão adquirindo mais e mais habilidade e a autoconfiança vai crescendo na mesma proporção. 

No auge desse processo, quando o piloto já possui controle absoluto do avião, ele é mandado de volta para treinamento. Sabe por quê? Para evitar que o excesso de confiança leve ao relaxamento de tudo que foi ensinado nos treinamentos. Essa pausa faz parte do processo de prevenção de acidentes.

O mais importante sobre a investigação de acidentes aéreos, porém, é seu objetivo. Longe de procurar culpados, a investigação busca identificar as causas que levaram o acidente a acontecer e assim corrigir procedimentos e a engenharia de fabricação dos aviões. Ou seja, o objetivo é evitar que novos acidentes ocorram e mais vidas sejam perdidas.

Pense bem, se a investigação fosse uma caça as bruxas, as causas dos acidentes jamais seriam descobertas porque ninguém ajudaria a desvendar o que aconteceu. Essa mensagem estava nesses slides do treinamento: 


Você vai se surpreender, mas com base nas estatísticas de E&O de sistemas de processamento de dados, estimo haver entre 5% e 15% de erros operacionais nos pagamentos efetuados em cada folha de benefícios.

Acho que esse número é suficiente para chamar a atenção para o problema enfrentado por participantes e empregados de fundos de pensão.

Identificação e análise do erro

Planos de previdência são sistemas dinâmicos e assim como os aviões, estão sempre evoluindo, demandando acompanhamento e ajustes constantes. 

O primeiro jato comercial da história foi o DH 106 Comet, fabricado pela cia britânica de Havilland. Somente após dois anos do lançamento foi que surgiram os problemas com o avião porque as falhas estruturais só se manifestavam depois de uma certa quantidade de ciclos de pressurização e despressurização. 

Quando dois aviões caíram no curto período de meses, foi realizada um meticuloso trabalho de investigação que envolveu a construção de um gigantesco tanque de água para simular as condições de pressão estrutural.

Esse vídeo aqui, que mostro no treinamento, explica a saga do DH 106 Comet, desde seu lançamento até sua aposentadoria.

Da mesma forma que aconteceu com o Comet, os problemas no pagamento dos benefícios podem demorar anos para aparecer. As consequências dos erros operacionais, no entanto, afetam pessoas reais, podem destruir vidas e prejudicar a credibilidade do sistema de fundos de pensão.

 Por isso, de certa forma, os fundos se assemelham aos aviões, considerados conceitualmente “sistemas de suporte a vida”.  

O TWA-800 e suas duras lições

Na noite de 17 de julho de 1996, o voo TWA-800 fazendo a rota de Nova York a Paris, caiu na costa dos EUA doze minutos depois de decolar. O Boeing 747-131 levava 230 pessoas, nenhuma sobreviveu.

Relatos de testemunhas, que viram o avião em chamas numa trajetória ascendente, antes de cair, levaram as autoridades a pensar que um míssil pudesse ter atingido o avião ou uma bomba tivesse explodido a bordo.

As investigações, longas e meticulosas, concluíram que o problema nada tinha a ver com as hipóteses iniciais. Desgastes na fiação que passavam dentro do tanque de combustível sob o corpo do avião, geraram faíscas. O tanque de combustível, do tamanho de uma garagem para dois caros, estava vazio, havia apenas uma quantidade residual de 190 litros no fundo do tanque. O sistema de ar-condicionado, abaixo do tanque, aqueceu a estrutura, gerando vapores de combustível. A faísca causada pelos fios desgastados fez o vapor dentro do tanque explodir, o que rachou a estrutura, dividiu a fuzilam em dois e derrubou o avião no oceano Atlântico.

A história completa está nesse outro vídeo aqui:


Mostro um trecho desse vídeo no treinamento. Nada se compara a perda de vidas, porem, a correlação com o impacto causado pelos E&O no pagamento de benefícios possui efeito didático. Sem falar em todo o processo de investigação das causas do acidente e as medidas posteriores para que não voltem a acontecer.

 

Claro, o ideal seria que não ocorressem erros. Porém, a forma que você os trata depois que eles acontecem, diz muito mais sobre você do que sobre os erros em si. 

 

Conforme Frank A. Clark, cartunista e escritor americano nascido em 1911: “Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não levará a lugar nenhum”.

 

Trate os E&O profissionalmente e cuide da equipe com carinho. Erros cometidos com boa fé diferem de fraudes e de erros cometidos com dolo.

 

Grande abraço,

Eder.


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