De São Paulo, SP.
No sistema financeiro atual, bancos, seguradoras, corretoras e ... fundos de pensão, operam em plataformas centralizadas, em inglês: CeFi – Centralized Finance.
Celsius Network,
Voyager Digital, BlockFi e agora FTX, são todas corretoras de valores com
controle centralizado, chamadas pela comunidade crypto de CEX ou Centalized Exchanges.
Seu modelo de negócio existe há mais de 100 anos e a única novidade é que elas hoje
oferecem a seus clientes exposição a ativos digitais como cryptomoedas.
Elas jogam o jogo político
aconchegando-se aos reguladores, que alegam se preocupar com a proteção dos
consumidores.
Da mesma forma que o
Lehman Brothers, Goldman Sacks e outras mega-instituições financeiras que
colapsaram na crise financeira de 2007-2009 (lista mais ampla: aqui),
o incentivo econômico das corretoras centralizadas (CEX) é operar sub-colateralizadas,
assumindo riscos com $$$ dos clientes.
O Bitcoin ($BTC) foi
criado na esteira dos eventos que levaram a crise financeira cujo epicentro foi
2008. Seu desenvolvedor, que atuou sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, deixou
registrado no primeiro bloco do blockchain a seguinte mensagem:
“The Times 03/Jan/2009 Chancellor on brink of
second bailout for banks”, em tradução livre, algo tipo: A época é 03 de janeiro de 2009, Chanceler
(ou seja, a autoridade regulatória) à beira de um segundo resgate dos bancos.
Com o $BTC, Satoshi transferiu
o “locus” da tomada de decisões dos políticos para um software baseado em códigos
automatizados, dando as pessoas comuns a opção de participar de um sistema financeiro
alternativo que dispensa autorização para entrar.
Um sistema cujas regras
são públicas, se aplicam a todos e são executadas automaticamente. Então, com
os contratos inteligentes baseados na rede de blockchain Ethereum, surgiu um
sistema financeiro descentralizado que estendeu esses benefícios de várias
formas a centenas de milhares de pessoas e passou a ser chamado de DeFi ou
Descentralized Finance, em oposição ao sistema financeiro tradicional, CeFi.
A grande diferença da centralização
versus descentralização
Num déjà vu do colapso financeiro de 2008, o
colapso da FTX e de sua irmã Alameda
Research disparou uma “corrida aos bancos” através dos mercados de cryptomoedas.
Algumas corretoras CEX de crypto e plataformas CeFi estão sobrecarregadas com usuários
sacando seus fundos, forçando-as a congelar as retiradas. Algumas deverão ficar
insolventes.
Pessoas físicas ou jurídicas
com recursos na FTX provavelmente vão perder todo o dinheiro. Vários fundos de
venture capital e empresas da Web 3.0 já informaram seus investidores que uma
parte significativa de seus ativos sob gestão e $$$ em tesouraria foi perdido
em CEX. Cerca de 25% dos fundos de investimentos em crypto têm alguma exposição
a FTX.
Essa foi uma dura
maneira de aprender que se deve deixar um montante mínimo nas CEX, apenas
aquele voltado para necessidades imediatas.
No entanto, apesar de
todo o fuzuê e liquidações, Uniswapp, Curv, SuhiSwapp e outras corretoras de
crypto descentralizadas (DEX – Descentralized
Exchanges) bem como plataformas financeiras descentralizadas (DeFi) vem funcionando
tranquilamente, permitindo que seus usuários vendam suas posições atuais em
crypto ou se preferirem, capitalizem a baixa e aproveitem os preços baixos para
comprar.
Os usuários de DEX e
DeFi podem estar experimentando a redução em dólares ou reais no valor de seus
portfolios, mas não perderam o acesso aos ativos. Se isso não for proteção do
consumidor, não sei o que seria ....
As plataformas de DeFi foram
desenhadas para preservar os benefícios introduzidos pelo Bitcoin e catapultados
pelo Ethereum: dispensa permissão para participar, transparência, resistência à
censura, custódia auto-soberana dos ativos.
A melhor proteção para
o consumidor é a descentralização.
Os usuários dos serviços
financeiros devem exigir uma camada básica para liquidação das atividades econômicas
que seja a mais descentralizada possível, exatamente para evitar o que temos
visto nos últimos dias com a queda da FTX.
A história pode não se
repetir, mas certamente rima com o passado – por isso temos que prestar a
atenção às lições que ela ensina.
Da mesma forma que as instituições
financeiras que derreteram em 2008 e dos bancos durante as eleições de 2022,
que fizeram doações generosas para campanhas políticas, a corretora da FTX
passou as últimas semanas interagindo intensamente com autoridades reguladoras.
O CEO da FTX, Sam
Bankman-Fried (SBF), teve a audácia de dizer que DeFi precisava de mais proteção
do consumidor enquanto por trás dos bastidores apostava ativamente com o
dinheiro dos usuários.
Vale lembrar que SBF
administrava a segunda maior corretora CEX do mundo e que as plataformas centralizadas
– como o Mercado Bitcoin aqui no Brasil – veem DeFi como competidor. O que Sam
queria dos reguladores não era propriamente proteção dos consumidores, ao invés
disso queria proteger sua posição incumbente e criar uma trincheira protegendo seu
negócio contra a competição.
Os reguladores estão
prestando atenção ao colapso da FTX, é trabalho deles fazer isso. Aqueles bem-intencionados
deveriam se espelhar no que acontece hoje nas discussões sobre
ESG (Environmental, Social & Governance) e entender que os players
centralizados pedindo por regulamentação de DeFi estão fazendo isso para
servir aos seus próprios interesses.
Fundos de pensão
descentralizados – DePension?
É amplamente conhecida na
comunidade crypto a frase “not your keys,
not your coin”. Significa, basicamente, que se as cryptomoedas não estão
numa carteira digital individual - ou seja, auto-custodiadas - mas sim custodiadas
em uma corretora CEX, essas cryptomoedas não são da pessoa.
Quando os ativos ficam
sob custódia da própria pessoa, numa carteira digital como a Trezor ou Ledger,
isso permite que os ativos digitais sejam investidos mas impede que sejam
usados por terceiros como alavancagem como acontecia com a FTX.
De modo semelhante, mas
oposta, quando um fundo de pensão investe as contribuições de seus
participantes, esse $$$ não fica sob custódia individual de cada participante. Os
investimentos são decididos e feitos de forma centralizada pelo fundo de pensão,
que frequentemente terceiriza essas aplicações contratando bancos e fundos externos,
com a custódia dos ativos fora do controle individual.
Imagine um fundo de
pensão que atuasse de forma descentralizada, onde cada participante decidisse
onde investir seu dinheiro e esses ativos ficassem custodiados individualmente
na carteira digital de cada pessoa.
O valor passaria a ser agregado
pelo fundo de pensão ao oferecer um menu de opções para investimento, alinhados
com os propósitos e o perfil de cada participante, previamente mapeados por
meios interativos (parecido com o suitability
atual).
O funcionamento de um
plano de aposentadoria descentralizado no mundo digital seria bem mais complexo
do que isso, mas as vantagens da descentralização dos investimentos fornecidas por
um sistema financeiro “DeFi” seriam as mesmas:
* Dispensa de permissão: nem seu fundo de pensão, nem ninguém, precisaria autorizar que você fizesse um investimento
* Transparência: os investimentos seriam registrados no blockchain, com as operações abertas publicamente (não necessariamente atreladas ao seu nome)
* Resistência à censura: nenhuma autoridade
central poderia acessar seus recursos e seus investimentos
* Custódia auto-soberana: ninguém
poderia investir seu $$$ em títulos da Venezuela sem que você soubesse ou
tivesse autorizado ...
O colapso da FTX foi uma
falha do sistema financeiro centralizado (CeFi), não do DeFi. Investidores,
usuários e desenvolvedores de soluções tomaram nota disso. Muitos devem ter
aprendido a lição dessa vez, para esses: bem-vindos, novamente, a um mundo futuro
largamente descentralizado.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “FTX Showed the Problems of CentralizedFinance, and Proved the Need for DeFi”, escrito por Amanda Cassatt
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