quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O QUE LEHMAN BROTHERS E FTX TÊM EM COMUM E PORQUE O FUTURO DOS FUNDOS DE PENSÃO PODE ESTAR NUM SISTEMA FINANCEIRO DESCENTRALIZADO

 


Credito de Imagem: Montagem / Seu Dinheiro



De São Paulo, SP.

 

No sistema financeiro atual, bancos, seguradoras, corretoras e ... fundos de pensão, operam em plataformas centralizadas, em inglês: CeFi – Centralized Finance.


Celsius Network, Voyager Digital, BlockFi e agora FTX, são todas corretoras de valores com controle centralizado, chamadas pela comunidade crypto de CEX ou Centalized Exchanges. Seu modelo de negócio existe há mais de 100 anos e a única novidade é que elas hoje oferecem a seus clientes exposição a ativos digitais como cryptomoedas.


Elas jogam o jogo político aconchegando-se aos reguladores, que alegam se preocupar com a proteção dos consumidores.


Da mesma forma que o Lehman Brothers, Goldman Sacks e outras mega-instituições financeiras que colapsaram na crise financeira de 2007-2009 (lista mais ampla: aqui), o incentivo econômico das corretoras centralizadas (CEX) é operar sub-colateralizadas, assumindo riscos com $$$ dos clientes.


As grandes instituições financeiras passaram anos privatizando os ganhos dos riscos que assumiam com $$$ dos outros e que levaram ao colapso de várias delas, mas diante da quebradeira, forçavam o público a assumir as perdas graças a sua influência sobre políticos com poder de decisão discricionária.


O Bitcoin ($BTC) foi criado na esteira dos eventos que levaram a crise financeira cujo epicentro foi 2008. Seu desenvolvedor, que atuou sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, deixou registrado no primeiro bloco do blockchain a seguinte mensagem:


 “The Times 03/Jan/2009 Chancellor on brink of second bailout for banks”, em tradução livre, algo tipo: A época é 03 de janeiro de 2009, Chanceler (ou seja, a autoridade regulatória) à beira de um segundo resgate dos bancos.


Com o $BTC, Satoshi transferiu o “locus” da tomada de decisões dos políticos para um software baseado em códigos automatizados, dando as pessoas comuns a opção de participar de um sistema financeiro alternativo que dispensa autorização para entrar.


Um sistema cujas regras são públicas, se aplicam a todos e são executadas automaticamente. Então, com os contratos inteligentes baseados na rede de blockchain Ethereum, surgiu um sistema financeiro descentralizado que estendeu esses benefícios de várias formas a centenas de milhares de pessoas e passou a ser chamado de DeFi ou Descentralized Finance, em oposição ao sistema financeiro tradicional, CeFi.




A grande diferença da centralização versus descentralização

Num déjà vu do colapso financeiro de 2008, o colapso da FTX e de sua irmã Alameda Research disparou uma “corrida aos bancos” através dos mercados de cryptomoedas. Algumas corretoras CEX de crypto e plataformas CeFi estão sobrecarregadas com usuários sacando seus fundos, forçando-as a congelar as retiradas. Algumas deverão ficar insolventes.


Pessoas físicas ou jurídicas com recursos na FTX provavelmente vão perder todo o dinheiro. Vários fundos de venture capital e empresas da Web 3.0 já informaram seus investidores que uma parte significativa de seus ativos sob gestão e $$$ em tesouraria foi perdido em CEX. Cerca de 25% dos fundos de investimentos em crypto têm alguma exposição a FTX.


Essa foi uma dura maneira de aprender que se deve deixar um montante mínimo nas CEX, apenas aquele voltado para necessidades imediatas.


No entanto, apesar de todo o fuzuê e liquidações, Uniswapp, Curv, SuhiSwapp e outras corretoras de crypto descentralizadas (DEX – Descentralized Exchanges) bem como plataformas financeiras descentralizadas (DeFi) vem funcionando tranquilamente, permitindo que seus usuários vendam suas posições atuais em crypto ou se preferirem, capitalizem a baixa e aproveitem os preços baixos para comprar.


Os usuários de DEX e DeFi podem estar experimentando a redução em dólares ou reais no valor de seus portfolios, mas não perderam o acesso aos ativos. Se isso não for proteção do consumidor, não sei o que seria ....


As plataformas de DeFi foram desenhadas para preservar os benefícios introduzidos pelo Bitcoin e catapultados pelo Ethereum: dispensa permissão para participar, transparência, resistência à censura, custódia auto-soberana dos ativos.


A melhor proteção para o consumidor é a descentralização.


Os usuários dos serviços financeiros devem exigir uma camada básica para liquidação das atividades econômicas que seja a mais descentralizada possível, exatamente para evitar o que temos visto nos últimos dias com a queda da FTX.


A história pode não se repetir, mas certamente rima com o passado – por isso temos que prestar a atenção às lições que ela ensina.


Da mesma forma que as instituições financeiras que derreteram em 2008 e dos bancos durante as eleições de 2022, que fizeram doações generosas para campanhas políticas, a corretora da FTX passou as últimas semanas interagindo intensamente com autoridades reguladoras.


O CEO da FTX, Sam Bankman-Fried (SBF), teve a audácia de dizer que DeFi precisava de mais proteção do consumidor enquanto por trás dos bastidores apostava ativamente com o dinheiro dos usuários.


Vale lembrar que SBF administrava a segunda maior corretora CEX do mundo e que as plataformas centralizadas – como o Mercado Bitcoin aqui no Brasil – veem DeFi como competidor. O que Sam queria dos reguladores não era propriamente proteção dos consumidores, ao invés disso queria proteger sua posição incumbente e criar uma trincheira protegendo seu negócio contra a competição.


Os reguladores estão prestando atenção ao colapso da FTX, é trabalho deles fazer isso. Aqueles bem-intencionados deveriam se espelhar no que acontece hoje nas discussões sobre ESG (Environmental, Social & Governance) e entender que os players centralizados pedindo por regulamentação de DeFi estão fazendo isso para servir aos seus próprios interesses.


Fundos de pensão descentralizados – DePension?

É amplamente conhecida na comunidade crypto a frase “not your keys, not your coin”. Significa, basicamente, que se as cryptomoedas não estão numa carteira digital individual - ou seja, auto-custodiadas - mas sim custodiadas em uma corretora CEX, essas cryptomoedas não são da pessoa.


Quando os ativos ficam sob custódia da própria pessoa, numa carteira digital como a Trezor ou Ledger, isso permite que os ativos digitais sejam investidos mas impede que sejam usados por terceiros como alavancagem como acontecia com a FTX.




De modo semelhante, mas oposta, quando um fundo de pensão investe as contribuições de seus participantes, esse $$$ não fica sob custódia individual de cada participante. Os investimentos são decididos e feitos de forma centralizada pelo fundo de pensão, que frequentemente terceiriza essas aplicações contratando bancos e fundos externos, com a custódia dos ativos fora do controle individual.


Imagine um fundo de pensão que atuasse de forma descentralizada, onde cada participante decidisse onde investir seu dinheiro e esses ativos ficassem custodiados individualmente na carteira digital de cada pessoa.


O valor passaria a ser agregado pelo fundo de pensão ao oferecer um menu de opções para investimento, alinhados com os propósitos e o perfil de cada participante, previamente mapeados por meios interativos (parecido com o suitability atual).


O funcionamento de um plano de aposentadoria descentralizado no mundo digital seria bem mais complexo do que isso, mas as vantagens da descentralização dos investimentos fornecidas por um sistema financeiro “DeFi” seriam as mesmas:


* Dispensa de permissão: nem seu fundo de pensão, nem ninguém, precisaria autorizar que você fizesse um investimento


* Transparência: os investimentos seriam registrados no blockchain, com as operações abertas publicamente (não necessariamente atreladas ao seu nome)


* Resistência à censura: nenhuma autoridade central poderia acessar seus recursos e seus investimentos


* Custódia auto-soberana: ninguém poderia investir seu $$$ em títulos da Venezuela sem que você soubesse ou tivesse autorizado ...


O colapso da FTX foi uma falha do sistema financeiro centralizado (CeFi), não do DeFi. Investidores, usuários e desenvolvedores de soluções tomaram nota disso. Muitos devem ter aprendido a lição dessa vez, para esses: bem-vindos, novamente, a um mundo futuro largamente descentralizado.

 

Grande abraço,

Eder.

 

 

Fonte: “FTX Showed the Problems of CentralizedFinance, and Proved the Need for DeFi”, escrito por Amanda Cassatt


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