quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Longevidade, Supremo Tribunal e os Problemas com o Atual Sistema de Nomeação dos Juízes - Contribuição de um atuário

 



De São Paulo, SP.

 

Com a aposentadoria dos ministros Celso de Melo em 2020 e Marco Aurélio em 2021, o presidente da república em exercício teve o privilégio de nomear em seu primeiro mandato, dois ministros para o STF - Supremo Tribunal Federal.

 

Tivesse sido reeleito, poderia ter nomeado mais dois agora em 2023 quando Rosa Weber e Ricardo Lewandowski atingirão a idade limite de 75 anos, conhecida por “expulsória”.

 

Esse privilégio, porém, tenderá a ficar cada vez mais raro conforme o tempo for passando, já que os ministros, assim como o resto da população, estão vivendo cada vez mais.

 

Os ministros do STF, indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, possuem cargo vitalício e se aposentam compulsoriamente ao completar 75 anos (salvo casos de morte, impeachment ou se quiserem deixar o cargo).

 

Em 1900, a expectativa de vida dos brasileiros era de 33,7 anos, mas deu um salto significativo e hoje gira em torno de 77 anos de acordo com o IBGE. O fato da expectativa de vida ter aumentado mais de 40 anos nas últimas 12 décadas significa que mais pessoas atingirão os 75 anos de idade e que os mandatos dos ministros da suprema corte tenderão a ser mais longos.

 

Entre 1891 e 1917 - um período inferior a 30 anos que começa no ano em que o Visconde de Sabará (o ministro Sayão Lobato) instalou a primeira sessão do STF e termina no epílogo da I Guerra Mundial - foram 27 os ministros que tiveram o mandato interrompido por causa da morte.

 

Isso contrasta com os 14 ministros que morreram durante o curso do mandato nos últimos 100 anos, ou seja, entre 1918 e 2018 - incluindo Teori Zavacki que não morreu de causas naturais.

 

Foi uma queda de 27 para 14! Sem falar na diferença de quase quatro vezes no número de anos entre os períodos analisados.

 

Com mandatos mais cumpridos, ao longo desse século, será nomeada uma quantidade menor de ministros para a suprema corte do que no último século.

 

Isso fica evidente analisando a quantidade de ministros indicada nos mesmos períodos acima. Os presidentes do período que vai de 1891 a 1917 indicaram ao todo 61 ministros, o que resulta em uma média de 9 ministros a cada quatro anos, enquanto os presidentes do período de 1918 a 2018 indicaram 107 ministros, uma média de apenas 4 ministros a cada 4 anos.

 

Replicando esse ritmo de redução, nos próximos 100 anos começando em 2018, a partir do mandato do próximo presidente, apenas cerca de 50 ministros serão nomeados e estes, permanecerão por mais tempo em suas confortáveis poltronas do STF.

 

O ministro Dias Tofolli, nomeado ainda jovem, aos 42 anos de idade, poderá ficar na corte por mais de oito mandatos presidenciais, já que se pode esperar que ele viva pelo menos mais 33 anos após sua nomeação, conforme indicam as projeções atuariais do IBGE.

 

De forma semelhante, o ministro Alexandre de Moraes, nomeado aos 49 anos deverá permanecer ativo por mais 26 anos, o que equivale a quase sete mandatos presidenciais.

 

Esse declínio nas nomeações para a suprema corte deve ser visto com preocupação pelos partidos políticos e por toda a sociedade. Com ministros servindo, daqui para frente, por mandatos que durarão em média 30 anos, o processo de escolha de um novo membro da suprema corte vai se transformar numa verdadeira batalha.

 

Presidentes que não controlarem o senado, muito provavelmente não conseguirão nomear ninguém deixando cadeiras vagas no tribunal e afetando o equilíbrio do colegiado. Por outro lado, presidentes que puderem fazer múltiplas nomeações terão influência desproporcional sobre as interpretações das leis e da própria constituição, como já podemos perceber no conjunto atual.

 

Essas interpretações poderão perdurar por anos, indo muito além do tempo em que os ministros ocuparam suas cadeiras.


Atual composição do STF

O momento é oportuno, portanto, para a sociedade discutir propostas para lidar com a longevidade dos ministros do STF. Chegar numa solução para o problema não é tarefa fácil e muitos anos terão se passado até que uma mudança finalmente venha a ocorrer.

 

Uma proposta seria limitar os mandatos a 18 anos, o que mitigaria os desafios que a longevidade está criando. Porém, um olhar mais atento perceberá que uma limitação simples desse tipo criaria outro problema.

 

Aumentaria a chance de um presidente poder apontar a maioria dos ministros da corte. Instituir um limite de 18 anos faz surgir 43% de chance de um presidente que venha a ser reeleito possa nomear a maioria dos ministros.

 

Na era republicana, além do Marechal Deodoro da Fonseca que nomeou os 15 primeiros ministros da suprema corte, somente oito dos trinta e três presidentes puderam até hoje apontar mais de 5 ministros. O último presidente a conseguir isso foi Lula.

 

Desatrelar o limite da figura pessoal dos ministros e associá-lo às cadeiras que ocupam seria uma forma mais eficiente de assegurar rotatividade no STF e ao mesmo tempo evitar que qualquer presidente tenha influência excessiva sobre o tribunal.

 

Isso faria surgir uma nomeação a cada quatro anos, sempre no segundo ano do mandato presidencial, fazendo com que 41 ministros ao invés de 50 sejam nomeados no próximo século. Além disso, haveria uma probabilidade de apenas 12% de que um presidente reeleito pudesse nomear a maioria dos ministros do supremo.

 

Esse sistema também asseguraria que cada presidente possa, ao longo de um mandato de quatro anos, indicar pelo menos um ministro.

 

Seja qual for a solução que vier a ser adotada, está claro para todo mundo que chegou a hora de lidarmos com a questão dos mandatos do STF.

 

O que talvez não estivesse claro até agora é o impacto da longevidade sobre o sistema atual. Sendo assim, essa é uma singela contribuição dos atuários para assegurar que o saudável equilíbrio entre os poderes continue existindo, algo que um supremo tribunal estático certamente colocará em risco.

 


Grande abraço,

Eder.


 

 

Nota: Esse artigo foi originalmente publicado em agosto de 2018 e o assunto continua mais atual do que nunca. 

 

Fonte: Adaptado do artigo “The Supreme Court Has a Longevity Problem, but Term Limits on Justices Won’t Solve It“, escrito por David Fishbaum


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