De São Paulo, SP.
Tanto na
linguagem matemática como na linguagem comum, um duplo negativo se torna um positivo.
Alguém que não
é desinteressante, normalmente é alguém interessante. Uma
experiencia que não é desagradável, geralmente é uma experiencia agradável.
Isso, porém,
não significa que essa característica possa ser extrapolada para moralidade, um
campo no qual duas coisas erradas não se tornam uma coisa certa.
Não é porque
uma empresa frauda sua contabilidade e engana seus acionistas (tipo a Americanas)
que furtar em suas lojas seja certo.
Em questões éticas,
a premissa (existência da primeira coisa errada) não é relevante para a
conclusão (a segunda coisa errada ser algo correto).
Quando se trata
de moralidade e ética, duas coisas erradas virem a se tornar uma coisa correta
é considerado uma “falácia informal”.
Falácia informal é um tipo de argumento incorreto em linguagem natural. A fonte do erro não se deve apenas à forma do argumento usada, como no caso das falácias formais, mas pode se dever também ao seu conteúdo ou ao contexto. Falácias, a despeito de serem incorretas, geralmente parecem ser corretas e por isso seduzem as pessoas a aceitarem-nas e usá-las. Essa aparência enganosa está normalmente conectada a vários aspectos da linguagem natural, como expressões ambíguas ou vagas, bem como a premissas implícitas ao invés de explicitas.
Estranhamente, o
oposto disso tem seus méritos – dois certos podem fazer um errado. Uma piada deixa
isso bem claro: um professor argumentando que duas coisas certas não podem
levar a uma coisa errada, se mostra errado quando um aluno gaiato e inconveniente
grita do fundo da sala “Isso mesmo, está certo!”
O conceito
moral de certo versus errado e a relação desconfortável entre múltiplos “certos”
se manifesta algumas vezes nas decisões que tomamos.
Motivado
pelo que é certo fazer
As situações em
que duas coisas “certas” conflitam uma com a outra, não são incomuns em nosso
dia a dia.
Em certo
sentido, isso é inerente às escolhas que temos que fazer entre o que é certo e
o que é errado onde há pouco ou nenhum espaço para as nuances na definição de
certo e errado.
A maioria de
nós considera, de forma geral, que roubar é um ato claramente errado, mesmo que
haja circunstâncias nas quais julgaríamos que roubar é aceitável – por exemplo,
para alimentar uma criança morrendo de fome.
Não porque
consideremos menos errado roubar em determinadas circunstâncias, mas sim
porque consideramos certo roubar em circunstâncias especificas.
Isso significa que
nessas situações não consideramos os ganhos e perdas econômicos que
consideramos em outras situações.
Podemos decidir
cortar o pão na chapa que comemos na padoca pela manhã para poder economizar
e ir ao cinema.
Podemos decidir
acordar mais cedo e caminhar tranquilamente apreciando a paisagem para o metrô ao
invés de acordar mais tarde e ter que correr feito um desesperado.
Mas não podemos
decidir fazer algo um pouco menos certo em troca de algum ganho ou decidir
fazer um sacrifício para ganhar um pouco mais de honestidade.
Certo e errado
são absolutos para nós.
A
ambiguidade entre certo e errado e a responsabilidade pelas decisões
Lidamos com
conflitos adotando uma perspectiva tipicamente hierárquica: consideramos que
existem coisas certas e coisas erradas, mais importantes e menos importantes.
Isso quer dizer
que inevitavelmente violamos a coisa certa considerada menos
importante nessa hierarquia.
Ao fazermos a
coisa certa, somos frequentemente compelidos a fazer também a coisa errada. Existem
casos em que tais conflitos são gritantes.
The Whale é um filme candidato ao Oscar de 2023, estrelado
pelo ator Brendan Fraser. O longa-metragem é uma adaptação da peça homônima de
Samuel D. Hunter.
Conta a
história de Charlie, um professor de inglês de meia-idade, pesando 270 kg, que abandona
esposa e a filha de 8 anos para viver com um amante gay, que acaba morrendo.
Charlie, então,
passa a comer compulsivamente com dor e culpa por tudo o que aconteceu e busca
se reconectar com a filha adolescente para reparar seus erros do passado.
É correto querer estar com a pessoa que você ama, mas também é correto para um pai viver com sua filha. Ao optar pela primeira alternativa, Charlie optou, também, por não fazer a segunda – fazer uma coisa certa o levou a fazer uma outra coisa errada.
Se tivesse feito
o oposto – implicando que permanecer com a filha é mais importante na hierarquia
do que viver com o amor da sua vida, ele estaria fazendo a coisa errada por
ter decidido fazer a coisa certa.
Esse é, essencialmente,
o problema entre certo e errado. Infelizmente, não há muito que possamos fazer.
Ocasionalmente
podemos ser capazes de levantar um problema com o paradigma do certo e o
errado, tratando o assunto como uma questão de preferência pessoal.
Porém, o mais provável
é que isso funcione apenas numa minoria de casos, dificilmente podemos fugir de
decisões dolorosas porque simplesmente não existe o certo correto.
A performance
do seu fundo de pensão não ter sido um desastre recentemente, não significa que
foi boa. Se você é conselheiro, seu papel é identificar o que está acontecendo
para a performance não ser melhor que a média de mercado.
O conselho de
administração da Americanas não ter detectado as fraudes na contabilidade da
empresa, não significa que não falharam com seu dever fiduciário de supervisão da
gestão e por isso não devam ser punidos.
O que é certo e
o que é errado é, em última instancia, uma decisão pessoal pela qual nós mesmos
e apenas nós, temos que assumir a responsabilidade.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: The trouble with right and wrong, escrito por
Koen Smets
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