quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O SENSO DO QUE É CERTO E O QUE É ERRADO PODE LEVAR CONSELHEIROS DE FUNDOS DE PENSÃO A DILEMAS

 



De São Paulo, SP.


Tanto na linguagem matemática como na linguagem comum, um duplo negativo se torna um positivo.

Alguém que não é desinteressante, normalmente é alguém interessante. Uma experiencia que não é desagradável, geralmente é uma experiencia agradável.

Isso, porém, não significa que essa característica possa ser extrapolada para moralidade, um campo no qual duas coisas erradas não se tornam uma coisa certa.

Não é porque uma empresa frauda sua contabilidade e engana seus acionistas (tipo a Americanas) que furtar em suas lojas seja certo.

Em questões éticas, a premissa (existência da primeira coisa errada) não é relevante para a conclusão (a segunda coisa errada ser algo correto).

Quando se trata de moralidade e ética, duas coisas erradas virem a se tornar uma coisa correta é considerado uma “falácia informal”.

Falácia informal é um tipo de argumento incorreto em linguagem natural. A fonte do erro não se deve apenas à forma do argumento usada, como no caso das falácias formais, mas pode se dever também ao seu conteúdo ou ao contexto. Falácias, a despeito de serem incorretas, geralmente parecem ser corretas e por isso seduzem as pessoas a aceitarem-nas e usá-las. Essa aparência enganosa está normalmente conectada a vários aspectos da linguagem natural, como expressões ambíguas ou vagas, bem como a premissas implícitas ao invés de explicitas.

Estranhamente, o oposto disso tem seus méritos – dois certos podem fazer um errado. Uma piada deixa isso bem claro: um professor argumentando que duas coisas certas não podem levar a uma coisa errada, se mostra errado quando um aluno gaiato e inconveniente grita do fundo da sala “Isso mesmo, está certo!”

O conceito moral de certo versus errado e a relação desconfortável entre múltiplos “certos” se manifesta algumas vezes nas decisões que tomamos.

Motivado pelo que é certo fazer

As situações em que duas coisas “certas” conflitam uma com a outra, não são incomuns em nosso dia a dia.

Em certo sentido, isso é inerente às escolhas que temos que fazer entre o que é certo e o que é errado onde há pouco ou nenhum espaço para as nuances na definição de certo e errado.

A maioria de nós considera, de forma geral, que roubar é um ato claramente errado, mesmo que haja circunstâncias nas quais julgaríamos que roubar é aceitável – por exemplo, para alimentar uma criança morrendo de fome.

Não porque consideremos menos errado roubar em determinadas circunstâncias, mas sim porque consideramos certo roubar em circunstâncias especificas.

Isso significa que nessas situações não consideramos os ganhos e perdas econômicos que consideramos em outras situações.

Podemos decidir cortar o pão na chapa que comemos na padoca pela manhã para poder economizar e ir ao cinema.

Podemos decidir acordar mais cedo e caminhar tranquilamente apreciando a paisagem para o metrô ao invés de acordar mais tarde e ter que correr feito um desesperado.

Mas não podemos decidir fazer algo um pouco menos certo em troca de algum ganho ou decidir fazer um sacrifício para ganhar um pouco mais de honestidade.

Certo e errado são absolutos para nós.

A ambiguidade entre certo e errado e a responsabilidade pelas decisões

Lidamos com conflitos adotando uma perspectiva tipicamente hierárquica: consideramos que existem coisas certas e coisas erradas, mais importantes e menos importantes.

Isso quer dizer que inevitavelmente violamos a coisa certa considerada menos importante nessa hierarquia.

Ao fazermos a coisa certa, somos frequentemente compelidos a fazer também a coisa errada. Existem casos em que tais conflitos são gritantes.

The Whale é um filme candidato ao Oscar de 2023, estrelado pelo ator Brendan Fraser. O longa-metragem é uma adaptação da peça homônima de Samuel D. Hunter.

Conta a história de Charlie, um professor de inglês de meia-idade, pesando 270 kg, que abandona esposa e a filha de 8 anos para viver com um amante gay, que acaba morrendo.

Charlie, então, passa a comer compulsivamente com dor e culpa por tudo o que aconteceu e busca se reconectar com a filha adolescente para reparar seus erros do passado.

É correto querer estar com a pessoa que você ama, mas também é correto para um pai viver com sua filha. Ao optar pela primeira alternativa, Charlie optou, também, por não fazer a segunda – fazer uma coisa certa o levou a fazer uma outra coisa errada.

Se tivesse feito o oposto – implicando que permanecer com a filha é mais importante na hierarquia do que viver com o amor da sua vida, ele estaria fazendo a coisa errada por ter decidido fazer a coisa certa.

Esse é, essencialmente, o problema entre certo e errado. Infelizmente, não há muito que possamos fazer.

Ocasionalmente podemos ser capazes de levantar um problema com o paradigma do certo e o errado, tratando o assunto como uma questão de preferência pessoal.

Porém, o mais provável é que isso funcione apenas numa minoria de casos, dificilmente podemos fugir de decisões dolorosas porque simplesmente não existe o certo correto.

A performance do seu fundo de pensão não ter sido um desastre recentemente, não significa que foi boa. Se você é conselheiro, seu papel é identificar o que está acontecendo para a performance não ser melhor que a média de mercado.

O conselho de administração da Americanas não ter detectado as fraudes na contabilidade da empresa, não significa que não falharam com seu dever fiduciário de supervisão da gestão e por isso não devam ser punidos.

O que é certo e o que é errado é, em última instancia, uma decisão pessoal pela qual nós mesmos e apenas nós, temos que assumir a responsabilidade.

 

Grande abraço,

Eder.

Fonte: The trouble with right and wrong, escrito por Koen Smets



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