De Sāo Paulo.
Uma daquelas frases que de vez em quando jogamos ao vento é: “Quero passar mais tempo com ...”, minhas crianças, minha esposa, meus pais, meus amigos ou comigo mesmo.
Fazemos um esforço descomunal para economizar dinheiro para o futuro, esperamos ter esse tempo lá na frente. Pagamos por ele. Ansiamos por ele.
Embora poupar para o futuro seja extremamente importante, existe uma desconexão com o presente. O lado perfeccionista do cérebro, alimentado por filmes românticos e pelo Instagram, quer que tudo nesse nosso futuro seja especial, que seja “perfeito”.
Mas esse é um ideal que nossa versão ocupada, comum, “fazendo o melhor que podemos”, nem sempre é capaz de viver no nosso próprio presente.
O resultado? Um inevitável senso de desapontamento. Um sentimento de que os outros estão se saindo melhor do que nós hoje e se darão melhor no futuro também. Sentimos culpa. Sentimos pressão. Pensamos: “Ah se eu tivesse $$$ ou um emprego melhor ou vivesse num país rico, as coisas seriam melhores”.
Só que não. A razão? “Quero passar mais tempo” é algo que não existe. Jerry Seinfield, pai de três crianças retrata bem isso no livro “The Daily Dad: 366 Meditations on Love, Parenting and Raising Great Kids”. Ele diz que essa história de “quero passar mais tempo” é muito triste. Ele coloca a coisa assim:
Acredito no ordinário e mundano. Eu quero o dia a dia. É isso que eu gosto. Você passa e vê seu filho ou sua filha lendo uma revista em quadrinhos no quarto, você para e fica meio que observando aquilo por um minuto. Ou você come uma cumbuca de pipoca com ele as 23:00 horas quando a criança nem deveria estar acordada. O dia a dia, é isso que eu amo”
O que importa é a vida mundana, a banalidade, o comum, o agora. Quero momentos especiais, mais tempo, lá na frente? Nah. Cada dia é especial. Cada minuto pode ser “mais tempo”. O agora pode ser “mais tempo”.
Os budistas dizem isso. A felicidade pode estar em lavar os pratos depois do jantar. A alegria tem a ver com quem você é enquanto está fazendo isso, desde que esteja presente enquanto faz isso.
Eu lembro da época em que trabalhava em uma empresa de consultoria internacional e fui convidado para das aulas no mestrado de risco financeiro e atuarial da FIPECAFI – USP. Eu estava nos primeiros anos de casamento, minha filha nasceu, minha carreira estava decolando.
Ficou difícil conciliar minha vida pessoal com a profissional, trabalhando um número insano de horas durante a semana, 10, 12 horas e ainda dedicando os sábados para as aulas. Eu saia de casa antes do sol nascer e chegava muito tempo depois dele ter se posto.
Um dia minha esposa olhou para mim e disse: “você tem que encontrar os momentos dentro dos momentos, para ver sua filha crescer”. Outra maneira de dizer aquilo teria sido: “aproveite cada momento que puder, porque nunca mais vai tê-los”.
Deixei de dar aulas no mês seguinte e procurei chegar em casa mais cedo para ver minha filha acordada, trabalhava em casa só depois que ela ia dormir. Encontrei os momentos dentro dos momentos para curtir as pessoas que amo, para fazer as coisas de modo melhor.
Aproveitar o momento para as pessoas comuns é aproveitar o dia a dia. Nunca entendi os pais que reclamam de ser “motorista” dos filhos: “virei motorista?”, dizem eles. Claro que é um pé no saco ter que levar os filhos para escola, natação, aula de inglês, casa dos amigos, dentista. Dirigir aquele pedacinho de gente para lá e para cá é cansativo.
Mas ao invés de ver isso como uma obrigação ou um inconveniente, porque não ver como um presente. Um momento dentro do momento, até melhor, um tempo cativo, junto com seus filhos. Uma oportunidade para se conectar com eles.
Muitos pais de crianças mais velhas dizem que alguma coisa muda quando sua criança está no carro com você. De repente, você não é o pai ou a mãe. É só uma companhia, equalizada pelo trânsito. As crianças dizem coisas no carro que não diriam em nenhum outro lugar. Melhor ainda, quando também tem um amigo deles no carro, você meio que “desaparece” da cena e de repente pode ver como seu filho é com as outras pessoas. Como se você fosse um detetive observando por trás daquele vidro espelhado. Você aprende coisas sobre seu próprio filho ou filha que nunca saberia de outra forma.
Isso não acontece apenas com as crianças. Também acontece com sua esposa, seus amigos, seus colegas de trabalho, no carro, no cafezinho ou sentado esperando um voo atrasado. As vezes esses momentos transitórios levam a conversas que não teríamos em outras ocasiões.
Quando lhe faltam desculpas por estar ocupado, quando você não pode adiar um futuro idealizado, você é forçado a se contentar com o que está na sua frente. A distinção entre hoje e o “quero passar mais tempo” desaparece e você fica com o tempo que simplesmente tem.
O tempo que você tem para passar com seus filhos ou com qualquer um que você ame é o mesmo. O que você faz com ele é que o torna especial, não onde você faz ou por quanto tempo você faz ou a que custo você faz
Vale a pena lembrar disso em todas as facetas da sua vida. Você pode ser uma família sem precisar se vestir e ir passear fora de casa. Você pode estar apaixonado na fila do supermercado da mesma forma que naquela viagem fantástica para um lugar caro. Você pode ser uma boa pessoa cumprimentando o vizinho enquanto leva o lixo, atende o telefone ou manda e-mails.
Conforme uma citação de Tolstoy: “Não há passado nem futuro; ninguém jamais entrou nesses dois reinos imaginários. Há somente o presente”.
Nenhuma experiencia especial, férias, nem mesmo um passeio em família acontece sozinho. Há planejamento. Folga do trabalho. Despesa. Há a intenção e isso é ótimo, precisa ser celebrado quando acontece.
Apenas não se dê muito crédito porque você programou uma viagem para a praia, um almoço num restaurante ou uma ida ao cinema. Qualquer um pode fazer isso, essa é a opção mais fácil.
O mais difícil é apenas estar presente no momento, só sentar e falar da vida. Qualquer momento pode ser especial ... se você escolher fazê-lo assim. Esse momento na sua frente é uma dádiva, é tudo que você sempre quis e tudo que você precisa. É você que escolhe abraçá-lo.
Poupe para o futuro sim, mas aproveite cada momento do presente porque, como disse Tolstoi, é nele que você vive.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “When You’re Too Busy Aiming For It, You Miss The Moments In Front Of You”, escrito por Ryan Holliday.
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