De Sāo Paulo, SP.
A bola da vez é a Inteligência Artificial. Todo santo dia são publicados dezenas de artigos sobre IA e uma das facetas preferidas dos produtores de conteúdo é seu potencial para eliminar empregos.
O impacto de novas tecnologias sobre o emprego é um assunto tão antigo - como diria um amigo meu - quanto andar para frente. Vem sendo abordado com maior ênfase desde os anos 1800, por conta dos impactos da Revolução Industrial sobre as atividades laborativas.
À parte determinados setores da economia e ocupações especificas, inevitavelmente afetadas pelas inovações e tecnologias emergentes, nunca causaram hecatombes sobre o mercado de trabalho.
Não obstante, existe uma ameaça muito, muito maior, com potencial enorme de afetar o mercado de trabalho no mundo todo. Pouco se fala dela. Trata-se do declínio da taxa de fecundidade, fenômeno que vem sendo verificado desde o século passado e reflete uma tendência global.
Taxa de fecundidade (ou fertilidade): é a estimativa do número médio de filhos que uma mulher teria ao longo de sua vida reprodutiva. Essa métrica é obtida pelo somatório das taxas específicas de fecundidade para cada idade das mulheres de 15 a 49 anos. Portanto, a taxa de fecundidade refere-se à capacidade biológica de uma população de produzir descendentes e indica o número médio de filhos que uma mulher teria ao longo da vida reprodutiva
A baixa fecundidade é considerada difícil de reverter, denota uma mudança das dinâmicas populacionais e é um dado importantíssimo para as análises e projeções demográficas.
Para que a reposição populacional seja assegurada, a taxa de fecundidade não pode ser inferior a 2,1 filhos por mulher, pois as duas crianças substituem os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar os indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva.
No Brasil, a taxa de fecundidade tem diminuído rapidamente ao longo das últimas décadas. Em 1960, a taxa era de 6,3 filhos por mulher, enquanto em 2023, esse número estava em 1,5 filho por mulher.
Muitos países estão experimentando queda nas taxas de natalidade. No mês passado o governo francês, alarmado com a menor taxa de nascimentos das últimas três décadas – de 1,68%, anunciou uma grande reforma no sistema de licença maternidade.
Taxa de natalidade: considera os nascimentos anuais e a população total, expressa por mil habitantes. A taxa de natalidade é a relação entre os nascimentos ocorridos em um ano e o número total da população nesse mesmo período. Portanto, representam o evento real de um novo ser vivo entrar no mundo.
Apesar do problema não ser exclusividade de nenhum país, vale a pena analisar o caso da Coreia do Sul, país que mostra o potencial catastrófico desse fenômeno. Lá, a taxa de natalidade em 2023 foi de 0,72%, uma taxa que não encontra precedentes na comunidade global (a taxa de natalidade dos países da OCDE, por exemplo, era de 1,58% em 2021).
Mantido esse ritmo, a população da Coreia do Sul estará reduzida pela metade até 2100. Em 2022 nasceram 249.000 bebês, mas para o mercado de trabalho sul coreano continuar funcionando são necessários no mínimo 500.000 novos bebês por ano. Atualmente nasce metade dessa quantidade.
Foi há muito tempo que a taxa de natalidade começou a cair na Coreia do Sul. Em 2005, quando a taxa atingiu 1,2%, o governo percebeu a extensão do problema e começou a adotar medidas para combatê-lo.
A presidência do país criou Comitê de Envelhecimento da Sociedade e Políticas Populacionais. Apesar dos esforços e do assunto continuarem no centro das prioridades do governo, o problema está se tornando uma emergência nacional.
As campanhas governamentais que incentivavam famílias pequenas em países como a China e a Coreia do Sul, desempenharam um papel importante para a situação atual. Nos anos 70 e 80 o slogan era: “Uma criança por família ainda é muito para a Coreia”.
Porém, de acordo com os especialistas, são dois os verdadeiros culpados impedindo que os jovens casais queiram ter e criar filhos hoje em dia: os custos exorbitantes de educação e de moradia.
Por um lado, o governo pode ser capaz de adotar medidas para lidar com o problema da moradia. Controlando preços via tributação, concedendo licenças preferenciais para construção de moradias para famílias com crianças pequenas e aprovando leis e regulamentações nessa área. É difícil, mas factível.
Por outro lado, quando se trata de educação, a coisa e diferente. A sociedade coreana tem uma cultura extremamente competitiva. Um número enorme de alunos de escolas públicas, frequenta simultaneamente escolas particulares. Em 2022 os gastos com crédito estudantil foram de US$ 20 bilhões e não refletem uma miríade de outras despesas associadas com educação, como livros, material escolar, aulas particulares e alimentação.
De acordo com um estudo feito pela Federação das Indústrias Coreana no ano passado, 26% da redução da taxa de natalidade entre 2015 e 2022 podem ser atribuídos aos custos proibitivos da educação para os pais em potencial.
Ironicamente, a inteligência artificial pode desempenhar um papel importante na redução dos custos de educação nas escolas privadas. Programas de ensino a distância baseados em IA podem substituir os métodos tradicionais de educação, que requerem presença dos alunos em aulas noturnas e soluções digitais podem tornar o ensino mais acessível para famílias de baixa renda.
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Em 2015 a ONU projetava um aumento da população mundial até o final do século, com um total acima de 11 bilhões de habitantes. Essa projeção foi revista em 2019 e o número caiu para 10 bilhões. Novos estudos, feitos pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) e publicados pelo The Lancet, sugerem que o número de pessoas no planeta pode começar a cair bem antes de 2100. Mais: aqui.
Credito de Imagem: Visual Capitalist
Se os estudos estiverem certos, em 2100 cerca de ¼ da população mundial terá mais de 65 anos de idade e haverá menos jovens para ocupar os empregos.
O impacto dessa trajetória demográfica será catastrófico para o mercado de trabalho em geral e para os fundos de pensão em particular.
E ainda tem gente com medo da IA tirar empregos ...
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “South Korea’s birth rate has become a national emergency”, escrito por Jaemin Lee.
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