De Sāo Paulo, SP.
“Como pudemos ser tāo entupidos”?
Foi isso que o Presidente Kennedy perguntou aos seus assessores depois da Invasão da Baia dos Porcos, uma tentativa de tirar Fidel Castro do poder em Cuba.
A batalha, que durou três dias, foi um fiasco.
A estratégia era falha, as armas que seriam usadas eram inadequadas e a inteligência era imprecisa. Ainda assim, o movimento político foi autorizado pelas pessoas mais inteligentes do país.
O episódio é considerado nos livros atuais como um exemplo de erro na tomada de decisões e se tornou arquétipo de um fenômeno chamado pensamento em grupo.
Um psicólogo da Universidade de Yale chamado Irving Janis, foi pioneiro no estudo da forma de pensar que suprime a avaliação crítica em nome da busca por uma decisão unanime, por consenso.
O termo “pensamento em grupo”, que ilustra como um grupo de pessoas inteligentes pode tomar decisões ruins, foi inspirado no livro 1984 escrito por George Orwell, no qual o autor descreve uma sociedade onde o ato de pensar é deformado pela hiperconformidade, pelo falso consentimento e pela deferência a líderes políticos ou autonomeados.
Janis identificou uma serie de antecedentes que tornam o pensamento em grupo mais provável. Esses incluem: homogeneidade de experiencias e ideologias, liderança diretiva, contexto complexo ou ameaçador e membros do grupo lutando por unanimidade e coesão.
Inexiste uma teoria unificada sobre o pensamento em grupo, mas o trabalho de Janis ajudou a identificar os fatores sociais que podem levar um grupo de pessoas a tomar decisões desastrosas e fatores capazes de melhorar a tomada de decisões em grupo.
Um passeio por casos famosos de pensamento em grupo
Pensamento em grupo no mundo corporativo
Existem inúmeros exemplos de pensamento em grupo nas grandes empresas. O sintoma mais comum é a tentativa do grupo reduzir conflito e chegar ao consenso, evitando o exame critico de perspectivas e cursos de ação alternativos, negligenciando e desencorajando o dissenso de opiniões.
Como isso é possível com profissionais altamente treinados em empresas de ponta? Primeiro, pode ser devido a dependência de terceiros – auditores, advogados, conselho de administração, equipe interna e consultores externos instruindo o assunto – um fenômeno chamado de “responsabilidade difusa”.
Segundo, visando manter a harmonia no grupo, as pessoas evitam contrariar decisões abraçadas pela maioria e/ou pelo líder. Outro motivo podem ser as “algemas de ouro” – um termo educado que se referir ao forte incentivo financeiro para se olhar para o outro lado (salário e emprego).
- A análise de atas de reunião mostra que os conselhos, especialmente ao exercerem seu papel de supervisão e monitoramento, discutem uma única recomendação em 99% das situações e discordam do Presidente | CEO apenas em 3,3% dos casos;
- Alertas muito criveis foram ignorados como sendo bolhas de mercado. Ex.: Alerta do vice-presidente da Enron - Sherron Waltkins - para o CEO Ken Lay, alerta do diretor do banco central americano, Edward Gramlich, para o presidente Alan Greenspan e o reporte de Cynthia Cooper para o comitê de auditoria da WorldCom.
Pensamento em grupo na política e forças armadas
As pessoas que atuam em política, no meio militar ou em aviação, possuem background e valores profissionais homogêneos e tendem a exibir convergência na maneira de pensar, resultando em um processo de tomada de decisões sub-otimizado.
Nesses casos, algo que também pode acontecer em outros setores, o líder tem uma aura de legitimidade, podendo haver pressão direta nos membros do grupo que discordam. O setor de aviação vem combatendo o pensamento em grupo desde os anos 80 (talvez por causa do enorme impacto em termos de vida e passivos financeiros?).
- Nos dois desastres com ônibus espaciais, Challenger e Columbia, havia pressão sobre a NASA e seus subcontratados para lançamento dentro do prazo. Críticas externas não eram aceitas, desvios na performance eram normalizados e intuições dos engenheiros eram rapidamente descartadas. A trágica lição está escrita na sala de controle das missões da NASA em Houston: “Nenhum de nós é tão burro quanto todos nós”
- Antes do 11 de setembro, a agente do FBI Coleen Rowley, enviou alertas para o diretor do FBI Robert Mueller, sobre as atividades da Al-Qaeda em território americano. Em agosto de 2021 o escritório do FBI em Minneapolis recebeu informações da inteligência francesa de que Zacaria Moussaoui era integrante da Al-Qaeda. Em paralelo, a escola de pilotos local reportou ao escritório do FBI em Mineápolis que Moussaoui estava mais interessado em aprender a levantar voo do que a pousar o avião. O escritório do FBI em Mineápolis quis obter um mandado de busca para vasculhar o computador e o apartamento de Moussaoui, mas o quartel-general do FBI negou, alegando não haver prova suficiente para justificar um mandado.
- No acidente do aeroporto de Tenerife, entre um avião da KLM e outro da Pan Am, que matou 583 pessoas, vários fatores de risco concorreram naquele dia, mas o erro do piloto foi a causa principal. O comandante Van Zanten era um dos pilotos mais graduados na KLM e a tripulação era reticente em confrontar suas decisões. Ele indicou a decolagem antes da autorização da torre e não aceitou o alerta do copiloto que expos sua preocupação com uma voz suave, de acordo com a gravação de voz da cabine
Decisões em grupo são benéficas por utilizar a capacidade individual e conhecimento de seus membros, mesmo assim, percebe-se que decisões coletivas também são sujeitas a erro.
Por que, então, se costuma dizer popularmente que muitas cabeças pensam melhor do que uma?
Sabedoria das multidões em determinadas circunstâncias
Em 1907 o matemático britânico, Sir Francis Galton, pediu para 787 fazendeiros que participavam de uma feira agropecuária que escrevessem num papel sua estimativa para o peso de uma vaca.
Nenhum fazendeiro individualmente acertou, mas a média das respostas compiladas diferiu meros 1% do peso correto. Essa história clássica ratifica a sabedoria coletiva sobre a individual.
Entretanto, ninguém menciona que a decisão de cada fazendeiro foi tomada individualmente! No famoso livro “Sabedoria das Multidões”, o autor James Surowiecki explica em quais circunstâncias o grupo é mais inteligente do que o individuo mais inteligente nele: i) precisa haver independência no julgamento, de modo a não “contaminar” as opiniões; ii) as pessoas são especializadas e se baseiam no conhecimento individual (Galton pediu que fazendeiros estimassem o peso da vaca); iii) as opiniões são agregadas por um mecanismo, não por uma única pessoa ou por votação; e iv) as pessoas acreditam que o grupo quer tomar a melhor decisão.
A sabedoria das multidões tem limitações mesmo quando as condições acima são atendidas. A sabedoria coletiva é ótima para problemas envolvendo otimização, mas a multidão não despertará criatividade nem inovação.
Quem lembra do jogo em que o mestre do xadrez, Garry Kasparov, jogou contra dezenas de milhares de jogadores que decidiam os movimentos online. O jogo foi vencido por Kasparov, não pela “multidão”.
Advogado do diabo e o conselheiro profissional
Em um dos primeiros estudos sobre influência social, o pesquisador Solomon Asch induziu os participantes de um grupo a darem respostas obviamente incorretas.
Era apresentado aos participantes do grupo um segmento de linha e se pedia que escolhessem o segmento de linha igual ao apresentado, dentre três alternativas com comprimentos diferentes.
No grupo havia apenas um participante real, os outros eram atores disfarçados, instruídos para darem respostas erradas.
Na média, um terço dos participantes reais se alinhavam com a resposta claramente incorreta da maioria e nas 12 repetições do experimento, cerca de 75% dos participantes reais aderiram ao menos uma vez a resposta errada.
Curiosamente, quando Solomon pediu que um único participante falso, um dos atores no grupo, desse a resposta certa, o alinhamento dos participantes reais com os demais do grupo caiu para apenas 5%. A presença de um “aliado” diminui a conformidade com o grupo.
Outros estudos mostraram que a conformidade (alinhamento) com o grupo cai mesmo quando a opinião divergente dentro do grupo está incorreta. Uma voz divergente no grupo “dava permissão” ao participante real para quebrar a barreira e falar.
Tudo que foi necessário foi uma única pessoa dar uma resposta diferente da maioria. Uma voz divergente pode parecer digamos, irritante, mas pode frequentemente ser a barreira para decisão irracional.
Processos de decisão no cockpit
Depois do desastre no aeroporto de Tenerife, a NASA criou em 1979 um programa chamado CRM – Crew Resource Management (Gestão de Recursos em Grupos) para promover uma cultura em que opiniões divergentes e problemas podem ser reportados sem o sentimento de culpa.Isso inclui verificações cruzadas (cross-checks), releitura de procedimentos e a “regra dos dois desafios”: um membro da equipe pode ignorar outro se essa pessoa foi desafiada duas vezes, mas deixou de responder apropriadamente.
O programa estabeleceu uma cultura menos autoritária no cockpit (o termo “Senhor” foi proibido), com os copilotos sendo encorajados a expressar visões diferentes do comandante e questioná-lo se notassem erros – espera-se que comandantes admitam a falibilidade (ser sujeitos a erro), busquem conselhos e deleguem funções.
Nos anos 90 o CRM havia se tornado padrão na aviação global. Seus conceitos foram adaptados para outros ambientes onde erros humanos podem ter efeitos devastadores, tais como navegação marítima, combate a incêndios, controle de tráfego aéreo, salas de cirurgia e emergência e usinas nucleares.
Mensagem para conselhos de fundos de pensão
Fonte: Internet
Sob risco de desapontar muita gente, as pesquisas em biologia evolucionária e antropologia não são otimistas sobre a capacidade humana de resistir ao pensamento em grupo.
O cérebro registra em menos de 200 milissegundos que o grupo escolheu uma resposta diferente da nossa e leva menos de 380 milissegundos para nosso cérebro se sentir inclinado a mudar de opinião. Portanto, se não pararmos e esperarmos deliberadamente, tendemos a seguir em frente para ficar numa boa (com o grupo).
Um grupo de cientistas holandeses estudou os mecanismos neurais por trás da “conformidade social”. Usando scaners do cérebro mostraram que imitar os outros ativa nosso sistema de dopamina (um neurotransmissor associado a prazer).
Quando toamos uma decisão errada como parte de um grupo, a dopamina declina menos do que se o fizermos individualmente. Pertencimento nos faz sentir bem, mesmos se estivermos errados.
O mais intrigante, parece que quando os indivíduos percebem um desvio das normas do grupo, isso desencadeia uma resposta neural similar a previsão de que algo está errado, no reforço de aprendizagem.
Isso sinaliza a necessidade de alinhar o comportamento futuro do individuo às normas do grupo. Tipo: “eu penso A, mas se todo mundo pensa B, deixa pra lá, vou dizer B” e mais tarde isso acaba sendo reforçado por “pensando melhor, agora consigo entender porque na verdade é B”.
Conforme aprendemos com Solomon Asch:
É preciso uma única voz distoante para quebrar a conformidade
Lembre-se disso quando o conselho deliberativo do seu fundo de pensão - formado exclusivamente por profissionais oriundos de dentro da patrocinadora – tiver que tomar decisões sobre seu futuro e o futuro dos demais participantes ...
Vai um conselheiro profissional e independente aí?
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “Groupthink: When smart people make bad decisions”, escrito por Raluca Delaume