De Sāo Paulo, SP.
Estar ciente das armadilhas que nos limitam, ajuda a entender a dificuldade de se evoluir e mudar o sistema de previdência social e complementar.
Em grupos de trabalho, nas empresas e em colegiados como conselhos deliberativos de fundos de pensão, geralmente a diversidade cognitiva supera o QI individual, mas não de forma incondicional.
Scott E. Page, Diretor do Centro de Estudos de Sistemas Complexos da Universidade de Michigan, demonstrou que um time de pessoas diversas tentando resolver um problema, supera o individuo mais inteligente do grupo.
Os vieses e limitações cognitivas individuais, até mesmo das pessoas mais inteligentes, geralmente não são páreo para um grupo de mentes que se corrigem e se desenvolvem mutuamente.
Mas esse benefício do raciocino coletivo se perde completamente se os membros do grupo não estiverem dispostos a desafiar uns aos outros. Essa relutância em expressar visões opostas intrigou o psicólogo Irving Janis, 40 anos atrás.
Irving cunhou o termo “groupthinking” (pensamento em grupo) para descrever a tendência de equipes ou times chegarem a conclusões unânimes, empurrados pelo desejo de conformidade de seus indivíduos – i.e., da vontade das pessoas se sentirem parte do grupo, seguindo assim o pensamento majoritário.
O pensamento em grupo, presente em 9 de cada 10 conselhos deliberativos de fundos de pensāo, é apenas uma forma de manifestação de uma barreira mais ampla, que impede discussões de alto nível para mudar o status-quo:
Trata-se do fenômeno que os economistas chamam de “path dependence feedback loop”, que poderia ser traduzido para algo, tipo: “dependência da trajetória em loop de feedback”
O fenômeno
A “dependência da trajetória em loop de feedback” influencia todos os aspectos de nossas vidas, pessoais e coletivas.
É o obstáculo que impede as coisas – tais como eventos, crenças, personalidades e sistemas, inclusive o de previdência social e complementar – de evoluírem, porque são parcialmente limitadas pelos parâmetros de sua própria trajetória. Colocado de modo simples:
“O passado determina os limites, aproximados, do caminho que o futuro toma”.
A expressão “feedback loop” se refere a um processo de feedback contínuo, no qual a saída de um sistema influencia a sua entrada, criando um ciclo. O loop de feedback se auto reforça. A saída do sistema - por exemplo, a resposta de um produto ao feedback do usuário - serve como insumo para o sistema, o que, por sua vez, gera uma nova saída, criando um ciclo contínuo.
Já “path dependence” indica que as decisões e eventos passados influenciam as decisões e eventos futuros, mesmo que as condições atuais sejam totalmente diferentes.
A dependência da trajetória é um conceito que explica por que eventos históricos, mesmo aparentemente aleatórios, podem ter um efeito duradouro e significativo em um sistema.
Uma decisão inicial, no passado, mesmo que não seja a melhor sob as condições atuais, pode forçar um caminho que limita opções futuras, criando um "efeito em cascata".
Quando combinados os dois, o fenômeno descreve um sistema em que as decisões e eventos históricos que determinaram sua trajetória, influenciam o ciclo de feedback, limitando as opções futuras e potencialmente levando a resultados que podem não ser ótimos sob as condições atuais.
As manifestações do fenômeno
A dificuldade de se mudar paradigmas em função da dependência da trajetória em loop de feedback, pode ser demonstrada em vários exemplos.
A foto abaixo viralizou na Internet. Ela mostra uma das raras casas construidas de concreto, que sobreviveu aos incêndios florestais catastróficos que, em janeio passado, fizeram arder a área metropolitana de Los Angeles.
Espera, as casas nos EUA såo feitas de madeira? Sim, mas por quê?
… nos Séculos XIX e XX, quando os Estados Unidos experimentaram um rápido desenvolvimento economico, a madeira era barata e abundante. Isso a tornou o material preferencial para construçāo de casas e edificaçōes.
Com o tempo, as casas de madeira se tornaram um simbolo cultural. Mesmo sabendo que o concreto é mais forte, resistente e à prova de fogo, o sonho da familia americana de classe media é ter uma casa assim:
Uma vez que a sociedade americana adotou a madeira como material de construçāo de suas casas, a construçāo civil, os arquitetos, os artesāos, os fornecedores, se especializaram em produzir casas de madeira.
Todo o sistema se alinhou em torno dessa escolha. Nem o grande incêndio que queimou completamete a cidade de Sāo Francisco em 1906, nem o incendio de Los Angeles agora em 2025, foram capazes de colocar um fim na inercia social que faz os americanos construirem casas de maderia.
Essa é a dependência da trajetória em loop de feedback em açāo.
O fenômeno não é necessariamente algo ruim, é apenas um fato da vida, um exemplo de como as coisas funcionam quando um evento aleatório evolui de modo não puramente aleatório.
Mas esse fenômeno pode ser problemático quando limita sub-repticiamente as opções disponíveis, especialmente, quando limita a forma de pensarmos.
Desviando a trajetória
Se tivermos conhecimento dos caminhos que seguimos, ficaremos menos presos a eles. Estar ciente daquilo que nos limita mentalmente é crucial para que o nosso pensamento individual seja rigoroso e para discussões em grupo produtivas.
A dependência da trajetória em loop de feedback permeia todas as conversas, incluindo reuniões de conselho, reuniões de equipe, off-sites estratégicos, deliberações do júri, agendas políticas etc.
As ideias se tornam enraizadas não porque sejam implicitamente endossadas, mas porque não são explicitamente criticadas.
O ponto de partida de uma discussão não é seu único limitador, a limitação também ocorre quando uma forte posição contrária não é desafiada e a conversa acaba se desviando para uma trajetória não muito diferente da inicial, mas igualmente restrita.
Enquanto os indivíduos têm dificuldade em superar seus preconceitos e limitações, os grupos podem ser altamente eficazes, tanto em corrigir uns aos outros, como em construir respostas a partir de ideias individuais.
Mas o benefício da atuação em grupo só acontece se a discussão não for restringida pelos limites de determinada trajetória, para isso:
“Os indivíduos devem ter um bom grau de independência uns dos outros, para que a conversa não seja dominada por um único fluxo de pensamento que se autorreforça”.
Quando não há independência de pensamento, todo mundo pode facilmente gravitar em torno do mesmo erro. Carl Sunstein, professor de Harvard, diz que a polarização em grupo acontece quando visões iniciais são acentuadas pela discussão, gerando momentum em uma direção única, sem influências que a contrabalancem.
Sem independência, diz Sunstein, incorre-se no problema dos conjuntos limitados de argumentos, quando a informação que desafia o argumento predominante não se faz presente ou não existe.
Evitar a polarização, ensina Sunstein, requer deliberação (tomada de decisão) estruturada, para garantir que os participantes do grupo sejam expostos a linhas alternativas de pensamento.
Essa conclusão complementa as pesquisas da Psicóloga Charlan Nemeth, que se concentra na facilidade com que o pensamento maioritário elimina o pensamento minoritário, apesar do valor que a discordância minoritária oferece.
Mesmo quando somos persuadidos, no particular, pela dissidência da minoria, nossa tendência é apoiar publicamente a visão da maioria.
“A única maneira de aprofundar uma discussão é ter argumentos concorrentes, portanto, promover discordância construtiva deve ser um dos principais objetivos de um líder de equipe, presidente de conselho ou coordenador de grupo, não importa a área: política, negócios, mundo académico, direito, até mesmo nas instituições religiosas.
A crítica melhora a qualidade e a quantidade do processo deliberativo - ela amplia e aprofunda a discussão. A argumentação construtiva tende a trazer mais informações para a discussão e a contemplar mais alternativas.
A discordância construtiva é o antídoto para a dependência da trajetória em loop de feedback é, portanto, um componente crucial para a discussão em grupo. A dissidência é necessária para assegurar a qualidade dos resultados, porque descorrelaciona os erros e preconceitos de cada indivíduo e de modo geral, aprofunda a qualidade do pensamento.
A discordância – com elegância, como diria o cantor Lobão – quebra o momentum das trajetórias rígidas, ao abrir novas possibilidades.
O dissenso depende de duas coisas: pensamento heterogêneo e conversação, para alavancar essa heterogeneidade. Grupos de pessoas cognitivamente diversas são capazes tanto de corrigir os erros, como de expandir as ideias uns dos outros, mas só se a discordância for permitida.
No entanto, minha experiência atuando em conselhos de fundos de pensão mostra que é mais fácil reunir pessoas com diferentes origens, conhecimentos e experiencias, para resolução de problemas, do que é gerar argumentação entre elas que não fique presa a um caminho (trajetória) dominante
Discordância autêntica e construtiva é crucial para empurrar o fluxo da conversa para fora de uma trajetória pré-determinada e assim permitir que outras linhas de pensamento possam ser examinadas objetivamente e alternativas consideradas.
A discordância alimenta o processo dialético requerido para tornar discussões em grupo produtivas e poderosas.
O atual sistema de previdência social adotado mundo afora, assim como os planos de previdência dos fundos de pensão, que o complementam, sofrem dessa inercia cultural.
Quando as pessoas continuam a fazer as coisas da mesma maneira, independente das evidências óbvias e ululantes de que os tempos mudaram e é urgente desenvolvermos alternativas muito melhores, catástrofes como as do incendio em Los Angeles podem acontecer.
E aí? Agora que você já sabe o que anda rolando, vai deixar seu fundo de pensão continuar sendo vítima da dependência de trajetória em loop de feedback?
Grande abraço,
Eder.
Opiniōes: Todas minhas | Fonte: “The dangers of path dependence: How it limits individual and group thinking”, escrito por Ted Cadsby.
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