De Sāo Paulo, SP.
Há duas razões pelas quais as pessoas tendem a falar, desnecessariamente, de forma complicada sobre assuntos que abordam: (i) elas têm interesse pessoal em fazer os outros acreditarem que o assunto é mais complexo do que realmente é; ou (ii) elas de fato não entendem do que estão falando.
Esse é o caso de quase todas as discussões envolvendo a composição de conselhos de fundos de pensão.
Se você quer ver rostos espantados dos altos executivos que nomeiam os representantes das patrocinadoras para os boards de seus fundos de pensão, use o “exemplo do eletricista”. Eles não terão mais dúvida em relação à nomeação de conselheiros, pelo resto da vida.
O Problema do Eletricista
Um eletricista está trabalhando no quadro de força da entrada da sua casa - aquele perto do poste - e alguém te pede para ir lá fora observar o eletricista e reportar de volta se ele está fazendo um bom trabalho.
Como você é desprovido de qualquer conhecimento técnico sobre eletricidade, provavelmente vai tentar deduzir a expertise dele baseado em algumas pistas contextuais.
Tipo: (1) o eletricista tem uma aparência profissional e consistente com um técnico qualificado? (2) a linguagem corporal dele denota confiança e propósito? (3) ele parece ter as ferramentas apropriadas para o trabalho? (4) há algum sinal indicando claramente que ele não é qualificado (atitude confusa, faíscas, luzes piscando, cheiro de queimado)?
Quando você volta para dentro de casa, você reporta que, baseado no que viu, ele parece qualificado e parece estar procedendo de forma hábil.
A futilidade de todo o exercício fica evidente, o entanto, quando alguém faz a pergunta crucial: “Como se pode confiar na sua avaliação ... se você não entende nada de eletricidade”?
A resposta, claro, é: “não se pode”. Não obstante, isso acontece o tempo todo em centenas de fundos de pensão Brasil afora.
O elo faltante nas salas de reunião dos conselhos
Considere os fundos de pensão com planos do tipo benefício definido (BD). Um risco chave que esses planos tipicamente possuem é uma avaliação recorrente de seus passivos atuariais.
Apesar disso, a quase totalidade dos fundos de pensão brasileiros não possui membros com expertise profissional em riscos atuariais, avaliação de passivos, definição de hipóteses, demografia, processos estocásticos, etc. em seus conselhos deliberativos.
Então, como eles supervisionam esses riscos? Bem, se falta esse requisito na expertise dos conselhos, eles ficam limitados a uma espécie de dedução lógica, baseados naquilo que a própria gestão lhes apresenta.
Em outras palavras, eles não conseguem saber se os passivos estão corretamente dimensionados nem se as táticas de gestão dos riscos atuariais são boas ou não. Eles se baseiam e acreditam naquilo que lhes é apresentado.
Nos conselhos deliberativos dos fundos de pensão brasileiros, responsáveis por administrar os maiores planos BD, com bilhões de $$$ em compromissos, está faltando um elo - talvez o mais importante: o atuário.
Mas se as questões atuariais representam a maior fatia dos quase um trilhão de reais em compromissos dos fundos de pensão, por que ninguém consegue encontrar um atuário entre os conselheiros dos fundos de pensão? Onde foram parar os atuários?
Sim, os próprios fundos de pensão, supervisionados por esses conselhos deliberativos, tem dificuldade para contratar atuários para seus quadros de gestão. Mas as questões atuariais também não deveriam ter voz nos colegiados?
Cerca de 10% dos fundos de pensão possuem um ou menos atuários em seus conselhos deliberativos, 90% não tem nenhum. Indivíduos com bacharelado em ciências exatas (estatística, matemática, física, química) são mais fáceis de encontrar do que atuários.
Será que é porque os atuários não querem fazer parte dos conselhos ou por que os conselhos não querem nenhum atuário? (Confissão: o autor desse artigo é atuário)
Talvez não haja atuários suficientes por aí. Isso é real, mas um problema bem diferente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Atuaria - IBA, existem no país 1.497 profissionais (associados), mesmo a profissão existindo desde 1944 no Brasil.
Mas mesmo esse número escasso de profissionais é certamente suficiente para preencher pelo menos uma cadeira nos conselhos dos 272 fundos de pensão existentes, cuja composição conta em média com 6 membros.
Alguns poderiam argumentar que seu fundo de pensão não tem nenhum plano BD – mas a realidade é que não existe previdência complementar sem análise de riscos de morte, invalidez e sobrevivência.
Como os planos desses fundos de pensão vão assegurar que seus produtos são adequados para quem busca segurança financeira presente e futura para si e para suas famílias? Quais ameaças financeiras e tecnológicas estão a espreita para extinguir o principal negócios dos fundos de pensão?
Qual fundo de pensão poderia suspeitar que a tecnologia reduziria pela metade o quadro de empregados das patrocinadoras com impactos profundos na sua própria sustentabilidade?
Os riscos atuariais estão em todo lugar. Em todo lugar, mas parece que menos nos conselhos dos fundos de pensão!
Grande abraço,
Eder.
Fontes: "Struggling with who should be on your board? Call an electrician”, escrito por Adam J. Epstein | “Engineers: The Boardroom’s Missing Link?”, escrito por Norman R. Augustine and Sai Mamidala
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