Para que serve? Para que fins será útil?
Em 1840, no alvorecer da era da informação, o rei da Sardenha perguntou para Charles Babbage: para que fins será útil podermos enviar mensagens quase instantâneas pelo telégrafo? Vinte anos depois, ficou óbvio.
Quando a IA se apresentou para as massas através do ChatGPT no final de 2022, enxergamos muitas possibilidades para seu uso, mas não percebemos (de imediato) o que estávamos deixando escapar para a previdência complementar.
“Em 20 anos, para que fins será útil”? teria sido a melhor maneira de pensar sobre o que está prestes a acontecer na previdência complementar com o avanço da IA.
A IA provocará uma transformação tão grande como as trazidas pelo telégrafo e pela Internet, talvez maior ainda. Em poucos anos as diretorias e os conselhos dos fundos de pensão se perguntarāo: “por que não estávamos fazendo melhores perguntas”?
Bem-vindo ao mundo das máquinas.
A era industrial está tão arraigada na mente das pessoas que até os economistas mais renomados continuam se referindo aos tempos atuais como a “4ª Revolução Industrial”. Prefiro chamar de 1ª Revolução das Máquinas.
O conceito de “cliente-máquina” - termo mais comum usado para descrever essa nova tendência (um outro é “clienbot”) - surgiu de discussões em torno da tecnologia de IoT – Internet of Things, que em tradução livre seria a “Internet das Coisas”.
Essas entidades ou agentes digitais de compras, orientados por IA, estão alterando drasticamente o mercado de consumo, as estratégias do varejo, o marketing e a adoção de tecnologias, em vários setores.
Lembre-se, um plano de previdência complementar é um produto que, como tantos outros, precisa ser “comprado” e sua gestão é um serviço.
Diferente do consumidor tradicional, o cliente-máquina está ativamente analisando dados, aprendendo preferências e fazendo compras, que se alinham com os hábitos e necessidades de suas contrapartes humanas, em nome de quem operam.
Isso contrasta fortemente com as decisões motivadas pela emoção dos compradores humanos, com implicações profundas para os negócios, pois agora eles precisam entender e atender um novo tipo de consumidor – informado com base em dados, impulsionado pela eficiência, dominado pela racionalidade.
“Os CEOs acreditam que o clientes-máquina representarão 20% ou mais das receitas das empresas até 2030” - Gartner
Em um artigo publicado no mês passado na BizTech Insights, Jack Rosenberger captura a essência dessa incrível mudança:
“Pela primeira vez na história humana, máquinas estão tomando decisões autônomas de compra”
Essa mudança significa uma transformação profunda na dinâmica dos mercados. As empresas e negócios, agora, precisam entender e atender não apenas o que impulsiona os consumidores humanos, mas também o que determina a decisão de uma gama crescente de máquinas inteligentes e interconectadas que compram.
Como a IA está transformando o consumo
As máquinas passaram a funcionam como agentes autônomos de compra. Elas avaliam, decidem e executam sozinhas as transações.
Geladeiras inteligentes que fazem compras em supermercados e carros autônomos que gerenciam a própria manutenção, não são apenas tecnologias convenientes, mas um novo tipo de “consumidor” que se baseia em lógica e eficiência.
Essas entidades movidas por IA tem o potencial não apenas de complementar, mas de superar os consumidores humanos, tanto em quantidade como em poder de compra.
Uma estimativa impactante feita pela Gartner revela a magnitude dessa mudança: até 2030, projeta-se que entre 15% e 20% da receita das empresas será gerada pelas compras feitas por clientes-máquina.
Essa mudança dramática ressalta a importância das empresas e negócios se adaptarem a esse novo tipo de consumidor, que opera com base em algoritmos e decide a partir de dados ao invés de impulsos e desejos.
Os ambientes empresariais, tipo, escritórios e fábricas, também estão adotando essas tecnologias. Uma fábrica ou um escritório podem, por exemplo, encomendar matéria-prima de forma autônoma, quando os estoques diminuírem, assegurando a continuidade da produção.
Todos esses exemplos ilustram um futuro no qual compras controladas por IA, agilizam operações, aumentam a eficiência, otimizam a cadeia de suprimentos, minimizam a pegada de carbono, redefinem a experiencia do consumidor e os próprios negócios.
Estratégias para um mercado movido por máquinas
Os clientes-máquina divergem significativamente dos humanos no seu processo de tomada de decisões, se baseiam numa logica incansável, imperturbável, livre de emoções ou preconceitos.
Para as empresas, isso significa repensar estratégias e incorporar considerações sobre o cliente-máquina em suas abordagens de mercado.
Desenvolver expertise nessa área envolve investir em análise de big-data, investir em IA para entender os padrões de compra das máquinas e customizar produtos e serviços para atender a esses novos consumidores digitais.
Ao abraçar essas mudanças, os negócios poderão atender efetivamente consumidores humanos e clientes-máquina, abrindo novas avenidas para crescimento e inovação num mercado crescentemente integrado pela IA.
O mundo que teremos pela frente
Enquanto testemunharmos a ascensão do cliente-máquina em todos os seguimentos de negócio, os consumidores (humanos) e a economia se encontram numa conjuntura pivotal.
Essa transição para compras direcionadas por IA não é uma mera tendência; é uma mudança de paradigma que reconfigura a maneira pela qual produtos e serviços são propagandeados, vendidos e consumidos.
Leia outra vez: quando as máquinas compram produtos, elas também decidem como investir seu $$$ para lhe assegurar um futuro financeiramente mais seguro.
As implicações são vastas, da simplificação das operações à novas dinâmicas de mercado. É imperativo imaginarmos no segmento de fundos de pensão, a trajetória da evolução de um participante humano para uma entidade autônoma.
Essa transição delineia um futuro no qual a distinção entre as preferências humanas de um participante e as de uma máquina, ficam turvas, difíceis de enxergar e criam um novo paradigma para o engajamento (ou a atual falta dele) e as interações dos participantes com suas poupanças de longo prazo e os próprios fundos de pensāo.
Veja uma linha do tempo que encapsula essa progressão e pode servir de roteiro para os fundos de pensão interessados em navegar pelas mudanças no comportamento do participante.
- Participante (hoje): Os fundos de pensão, atualmente, definem as regras, determinam quais perfis de investimentos vão disponibilizar e qual alocação de ativos terá cada perfil. Cabe ao participante, humano, escolher seu perfil de investimentos em função do seu grau de versão a risco e sua situação particular (idade, estado civil etc.). Também cabe ao participante executar alterações mudando de perfil anualmente ou periodicamente. O participante precisa acompanhar a evolução da sua poupança de longo prazo, saber se as contribuições estão sendo suficientes, qual renda projetada terá no futuro. Se o participante não se engaja ...
- Participante adaptável (até 2029): as máquinas decidirão em conjunto com os humanos, tomando decisões otimizadas a partir de uma gama de escolhas disponíveis. Situações individuais tipo: idade, tempo para “aposentadoria”, estado civil, apetite de risco, projeção de renda, adequação do saldo acumulado; serão tratadas pelos algoritmos. O atual problema da falta de engajamento dos participantes (ativos e aposentados) no controle de seu benefício, será reduzido, nessa fase, quase a zero. Devido ao ritmo lento de evolução dos hábitos, costumes e leis, o participante humano ainda será chamado a “aprovar” as sugestões da máquina. Isso será refletido nos regulamentos e regras de funcionamento dos planos - lembre-se, foram precisos 20 anos para aprovarmos a simples adesão automática, abaixo da Linha do Equador. Os fundos de pensão, por outro lado, ainda precisarão evoluir muito e ir além da oferta dos três perfis de investimentos: conservador-moderado-agressivo.
- Participante autônomo (até 2035): As máquinas assumirão a liderança, inferindo necessidades, fazendo mudanças de perfil, definido alocações, modulando o nível de contribuições, projetando rendas, tudo com base num complexo entendimento pelos algoritmos de IA, das regras, alternativas e preferencias individuais. Os “assistentes pessoais turbinados pela IA” assumirão o controle, o acompanhamento e a gestão das poupanças feitas pelos indivíduos nos planos de previdência complementar. A autorização do participante será dada a priori, sem a necessidade de interferências e aprovações posteriores a cada etapa. Ah, a nova realidade implica, também, que os sistemas inteligentes de gestão da poupança individual poderão escolher outros fundos de pensão, que estejam performando melhor e entregando maior valor para cada $$$ de contribuição feita pelo participante ...
O papel do conselho na era do “participante-digital”
Essa transição representa tanto desafios como oportunidades para os fundos de pensão. A responsabilidade pela gestão e pela escolha do prestador de serviços de previdência complementar pelos participantes não serão mais centradas apenas no individuo, o comportamento das máquinas ganhará influência crescente nisso.
Para os fundos de pensão, isso significa uma mudança na estratégia e na abordagem, para acomodar esses novos “participantes-digitais” e “clientes-máquina”.
O futuro do comércio e dos serviços será moldado por decisões tomadas por máquinas, tornando imperativo para empresas e fundos de pensão se preparar para um mercado onde seus principais clientes poderão não ser humanos de forma nenhuma.
O desafio para o conselho deliberativo do seu fundo de pensão não é só entender essa mudança, mas estar à frente dela, criando oportunidades de crescimento e refletindo sobre como navegar nesse novo cenário.
Meu caro leitor, engaje-se na discussão sobre as implicações para seu fundo de pensão do surgimento do participante-máquina, compartilhe seus insights nos comentários.
O futuro dos fundos de pensão está sendo reescrito e sua opinião é valiosa na construção da previdência complementar que temos pela frente, impulsionada pelas ferramentas de IA.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “Your future customer is a machine”, escrito por Tamah Usher | “For what purpose will it be usefull”?, escrito por Seth Godin.
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