terça-feira, 2 de junho de 2020
A “Regra do Viajante” e as ações regulatórias sobre uma fronteira tecnológica desconhecida
Credito de Imagem: www.coindoo.com
De São Paulo, SP.
Agora em junho vence o prazo para as empresas que negociam com ativos virtuais ao redor do mundo adequarem suas plataformas e soluções à chamada “Regra do Viajante” – Travel Rule em inglês – bem como às demais regulamentações que a acompanham.
O aumento dramático das transações com criptomoedas ao longo dos últimos anos, principalmente as negociações e investimentos em Bitcoins, vinham evoluindo rapidamente à margem do sistema financeiro tradicional e chamaram a atenção de órgãos voltados para regulação como o FATF - Financial Action Task Force.
O FATF, um órgão supragovernamental independente, foi criado em 1989 para orientar seus 37 países membros sobre como deveriam criar regulamentação Anti-Lavagem de Dinheiro e contra o anonimato, conhecida como “Conheça-Seu-Cliente” (KYC – Know Your Customer). No Brasil a atuação do FATF se dá através do GAFI - Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem e Dinheiro e Financiamento do Terrorismo do Ministério da Economia.
A supervisão das autoridades costuma ser bem-vinda porque traz transparência e segurança tanto para investidores quanto para operadores que atuam no sistema financeiro. Porém, uma das regras vem causando significativa controvérsia no mercado de criptomoedas.
A Recomendação 16, que ficou conhecida como Regra do Viajante, requer “a obtenção, guarda e transmissão de informações do originário e do beneficiário de forma a identificar e reportar transações suspeitas, monitorar a disponibilidade de informação, tomar medidas para congelamento das operações e proibir transações com pessoas ou entidades designadas”.
A FATF não se refere a essa recomendação como Regra do Viajante. Isso acabou ocorrendo devido a sua impressionantemente similaridade com uma regra anterior, a Bank Secrecy Act (BSA) rule [31 CFR 103.33(g)] que obriga todas as instituições financeiras a transmitirem certas informações para a instituição financeira subsequente, na transferência de determinados fundos, em operações envolvendo mais de uma instituição financeira.
As recomendações da FATF não tem força de lei e dependem da aprovação de legislação específica pelos países membros para se tornarem obrigatórias. No entanto, devido ao seu peso moral, os países tendem a seguir as recomendações por não quererem ser vistos como paraísos fiscais que encobertam lavagem de dinheiro e outros crimes internacionais. Ou seja, é apenas uma questão de tempo para a Regra do Viajante se tornar lei nas principais economias do mundo.
Quando isso acontecer, as regras valerão para os players que atuam com ativos virtuais. Prestadores de serviço de negociação de criptomoedas, transferência de recursos, custódia, carteira virtual e outros modelos de negócio terão que reportar operações acima de determinado valor. Nas transferências a cabo (wire transfers) esse limite é hoje de USD 1.000 ou €1.000, mas isso dependera da regulamentação de cada país específico.
O que se busca, conforme orientação de agosto/2019 emitida pela autoridade de supervisão do sistema financeiro da Suíça (Switzerland’s Financial Market Supervisory Authority) é um sistema parecido com o SWIFT.
Ou seja, um sistema que permita a transmissão confiável em nível nacional e internacional dos dados que identificam as transações financeiras em um blockchain. Sem que a informação sobre a identidade esteja necessariamente no blockchain, porque a regra precisa ser interpretada de maneira tecnologicamente-neutra.
As autoridades entendem que as transações financeiras, seja por meio de bancos, blockchain ou outras formas, têm que ser tratadas da mesma maneira e sujeitas as mesmas leis contra lavagem de dinheiro e anonimato no sistema financeiro. Alegam que, se outros canais de pagamento conseguem cumprir esses requerimentos, então esperam que as informações sobre clientes e beneficiários sejam transmitidas junto com as transferências de tokens da mesma forma que são transmitidas nas transferências bancárias.
Um marco regulatório para fechar a brecha dos criptoativos
Diferentemente dos bancos, as plataformas tecnológicas usadas hoje nas operações com criptomoedas não possuem meios legais para obtenção, armazenagem e transmissão de informações sobre a identidade das partes envolvidas na transação.
Apesar do avanço em alguns países, inexiste um consenso global sobre como essas transações devem ser tratadas quando ultrapassam fronteiras nacionais e envolvem diferentes países.
O ecossistema das tecnologias de registros distribuídos (distributed ledger technologies) possui impregnado em sua origem o conceito de transações sem a necessidade de uma supervisão externa centralizada.
Para os entusiastas que defendem a troca de tokens e outros criptoativos sem a interferência de bancos, governos e outras organizações, qualquer regulamentação que possa cercear o bastião da privacidade e soberania individual é visto como anátema.
Porem, é exatamente a habilidade de obscurecer as transações que tem feito as criptomoedas serem usadas para lavagem de dinheiro, transmissão ilegal de fundos e outras atividades ilícitas. As autoridades querem fechar essa brecha e impedir que os controles financeiros sejam contornados.
Coreia do Sul e Singapura dando o tom
Os países da Ásia são os mais adiantados no desenvolvimento de soluções e inovações para adaptação a Regra do Viajante. Estão criando regulamentações dos mercados de criptoativos que deverão ser seguidas pelos demais países.
Em maio passado o fundador e CEO da CoolBitX, Michael Ou, reuniu em um painel algumas lideranças da região para discutir o progresso, desafios e lições aprendidas com a Regra do Viajante e o que podem ensinar para outros mercados.
O webinar, chamado Meeting the Travel Rule Requirements - Lessons from Asia foi moderado pela Editora de Mercados Globais da Bloomberg News, a Joanna Ossinger e contou com Alex Liu - Fundador e CEO do Grupo MaiCoin, Hiroyuki Mihara - COO do Bitbank, Junwon Lee - Head e Parcerias Estratégicas da BitSonic e Ken Kawai – Sócio da Anderson Mori & Tomotsune.
Uma fronteira tecnológica desconhecida
Para uma tecnologia como a dos criptoativos, que está levando o mercado financeiro para uma nova era, será um desafio a mais criar parâmetros que satisfaçam todos as exigências para verificação da identidade, proteção da informação e manutenção do acesso circunscrita às partes envolvidas.
A natureza descentralizada das criptomoedas torna o cumprimento de normas como a Regra do Viajante ainda mais problemático. Moedas virtuais operam além das fronteiras e à margem dos sistemas tradicionais.
Existem inúmeras tecnologias e canais para transações que terão que ser considerados. Apenas para citar uns poucos, há carteiras digitais, transações P2P (pessoa-a-pessoa), quiosques de criptomoedas, DApps (aplicativos descentralizados), ICOs (ofertas iniciais de moedas), cassinos de Internet e multi-sig-wallets (carteiras digitais com assinaturas múltiplas).
Os diferentes sistemas de criptomoedas surgiram historicamente sem nenhuma coordenação ou sincronização entre eles. Agora, terão que trabalhar juntos para criar tecnologias que permitam a interrelação e que funcionem para todos ... e rápido. A FATF pediu que os países membros enviem seus relatórios agora em junho/2020 para verificar o progresso.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado do artigo “The travel rule: new compliance guidance for cryptocurrency exchanges”, escrito por Zac Cohen (https://www.trulioo.com/blog/travel-rule/)
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