De São Paulo, SP.
Tecnologia sozinha não muda modelo de negócio.
De acordo com um estudo publicado agora em fevereiro de 2020 pela Forrester Research, uma firma norte-americana de pesquisas de mercado e data analytics, os prestadores de serviços financeiros investem cerca de ¼ do orçamento de TI em transformação digital.
Porque então, mesmo com todo esse investimento, bancos, administradoras de cartão de crédito e investidores institucionais vêm se mostrando incapazes de criar e executar estratégias coerentes de transformação digital que atendam às expectativas das novas gerações em sua jornada financeira?
i) Problema de entendimento
"Transformação digital" pode ser definida como um fenômeno que incorpora o uso da tecnologia digital às soluções de problemas tradicionais. A transformação digital não é um destino em si, mas um caminho numa viagem que nunca termina. As firmas que disseram “já ter terminado” somam 14% dos respondentes e aquelas que tem plena noção de que esse é um “estado permanente’”, são 26%.
Toda tecnologia desenvolvida nos últimos 10 anos, pelo menos, foi digital por natureza. Então, o que exatamente estão fazendo os 40% que responderam estar passando por uma transformação digital? Implantar um site próprio - algo que impressionantemente alguns fundos de pensão no Brasil ainda não fizeram - é uma transformação digital? Permitir que os participantes tenham acesso às suas contas de aposentadoria via dispositivo móvel - mesmo que majoritariamente apenas para consulta - pode ser chamado de transformação digital?
Nos fundos de pensão, por exemplo, para uma verdadeira transformação digital ocorrer hoje, seria obrigatório incorporar aspectos de DeFi, o campo da tecnologia digital que causará (dis)ruptura em todos os modelos de negócio financeiro, sem exceção.
DeFi – abreviação de “descentralized finance” - finanças descentralizadas, geralmente se refere aos ativos digitais, aos “smart contracts” - contratos inteligentes, protocolos e DApps que são aplicativos descentralizados, construídos na plataforma Ethereum. Simplificando, são softwares financeiros construídos no blockchain que podem ser juntados como se fossem dinheiro de Lego.
ii) Problema de foco e condução
O outro grande problema é que a maioria das firmas de serviços financeiros conta com o CIO - Chief Information Officer ou CTO - Chief Technology Officer para liderar (48%) e implementar (45%) as estratégias de transformação digital. Se por um lado esses profissionais possuem conhecimento e expertise técnica, não se pode dizer que tenham uma visão de negócios tão abrangente e estratégica quanto o CEO, a quem cabe junto com o conselho de administração, definir o futuro do negócio.
A transformação digital, centrada na experiência do consumidor (CX) e no aumento de receitas, conforme reportado no estudo, ganha como consequência um viés tecnológico e financeiro porque é isso que os encarregados das mudanças priorizam.
O atendimento das expectativas das novas gerações acaba ficando no meio do caminho diante de uma percepção equivocada de que a jornada financeira dos jovens se resume apenas ao uso de novas tecnologias.
Perde-se a oportunidade de se iniciar uma transformação mais profunda no modelo de negócios que somente uma visão abrangente unindo tecnologia, marketing, vendas, flexibilização das estruturas organizacionais e atração de novas competências, permitiriam.
Seja qual for sua definição de transformação digital, vai ficando claro concluir que ela é necessária, mas insuficiente para garantir a verdadeira transformação que os players do sistema financeiro precisam para sobrevivência no longo prazo: um novo modelo de negócios.
Siga o propósito, não o dinheiro
Os membros das novas gerações, que eventualmente aderirem hoje a um fundo de pensão, participarão de planos de contribuição definida ou planos CD, como são conhecidos no jargão da previdência complementar.
Diferentemente da maioria dos baby-boomers, que conta com benefícios garantidos por planos BD e não tem individualmente voz direta sobre o patrimônio de seus planos, a GenZ e os millenials têm possibilidade de escolher a alocação dos investimentos em seus planos e sabem que sua renda de aposentadoria poderá ser maior ou menor em consequência dessas escolhas.
A forma de modelagem dos planos CD, faz com que as escolhas dos participantes sejam feitas a partir da quantidade e tipo de alternativas de perfis de investimentos que cada fundo de pensão decide oferecer.
Um detalhe importante, ao longo dos meus +30 anos desenhando, modificando e implantando planos CD como consultor, não presenciei nenhum fundo de pensão ouvir diretamente a opinião dos participantes para saber o que eles querem.
Em outras palavras, o participante não é ouvido diretamente no processo de criação, alteração e eliminação dos perfis, não tem voz ativa na definição da quantidade de alternativas, no tipo de investimento nem nas alocações dos ativos dos perfis.
Um estudo da Legal & General, gestor de ativos do Reino Unido, mostra agora porque isso é um problema – recomendo a leitura. O trabalho intitulado “Finding The Greenest Generation“ lança luz sobre porque é preciso ouvir os indivíduos e relacionar seus propósitos, convicções e visões de vida ao que é feito com o dinheiro deles.
Sem isso, os fundos de pensão - que se perguntam desde sempre o que fazer para atrair os jovens - não terão a menor chance de engajar a GenZ, que começa a conscientizar inclusive os mais velhos sobre a importância da sustentabilidade para o futuro dessa incrível garotada.
A pesquisa foi feita entre os atuais participantes de planos de previdência corporativos e abrangeu baby-boomers (56-75 anos), Geração X (41-55 anos) e Geração Y ou millenials (26-40 anos). A Geração Z (5-25 aos) não foi incluída porque ainda está chegando no mercado de trabalho, mas pode anotar aí: questões ambientais, sociais e governança (princípios ESG), com destaque para voluntariado, diversidade e igualdade, são mais importantes para eles do que para qualquer outra geração.
Convicções vencem retornos e isso não está no manual dos gestores
Os jovens sabem que a batalha pela sustentabilidade e proteção do meio ambiente vem com uma etiqueta de preço maior, mas eles estão dispostos a pagar por isso. Uma millenial comentou: “Qualquer coisa que tem a ver com o meio ambiente – (produtos) orgânicos, seja o que for – custa mais caro, não é mesmo?”. Outra disse: “Para mim, o meio ambiente é mais importante. É o que deixaremos para nossos filhos, netos e bisnetos”.
- 47% dos millenials do sexo feminino e 44% do masculino disseram que gostariam de reduzir significativamente a exposição (investimentos) de seus fundos de pensão à indústria de combustíveis fosseis, independentemente do impacto sobre o retorno dos investimentos e o valor de seus benefícios;
- 75% das mulheres da Geração X e baby-boomers desinvestiriam o dinheiro do seu fundo de pensão de empresas com problemas de governança e discriminação na remuneração de mulheres;
- 60% da Geração X prefeririam investir menos ou simplesmente não investir nada em empresas cuja percepção é de que causam impacto social negativo;
- 47% dos millenials, 50% da Gen X e 49% dos boomers prefeririam uma política de investimentos que envolvesse primeiro um engajamento com as empresas investidas que não estivesse seguindo princípios ESG e só depois partir para o desinvestimento, comparados a 36% do total geral que prefeririam evitar completamente qualquer investimento nesse tipo de empresa.
Modelo de negócios dos fundos de pensão
O presidente de um fundo de pensão tem uma serie de responsabilidades, de extrema importância. Tradicionalmente, 80% do seu trabalho está relacionado a governança, compliance, definir as alocações do orçamento e dizer para os gestores o que fazer. Os outros 20%, ele dedica a fazer projeções, interpretar números e definir a estratégia para escrever o próximo capítulo da história.
Hoje em dia, essa proporção precisaria estar invertida, porque o futuro do atual modelo de negócios dos fundos de pensão é que (deveria?) está tirando o sono dos presidentes, não o orçamento.
O modelo de negócios é uma mistura de estratégias, insights e ideias que não apenas produzem mudanças, mas reagem a elas.
Como os modelos de sucesso hoje são centrados no cliente (participante), eles estão se tornando mais fluidos, mais dinâmicos e mais estratégicos. A transformação do modelo de negócios dos fundos de pensão requer uma forte visão de futuro. Ninguém compra um carro com o assento do motorista voltado para o vidro de trás ...
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Adaptado dos seguintes artigos:
- The state of digital transformation in financial services – 2020|Forrester Research|Feb.18, 2020
- Finding The Greenest Generation|Legal & General Investment Management|2020
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