sexta-feira, 19 de junho de 2020

SE VOCÊ QUER DESCOBRIR PARA ONDE VAI O DINHEIRO DA GENZ, SIGA O PROPÓSITO E REPENSE SEU MODELO DE NEGÓCIOS – PARTE II





De São Paulo, SP.

Tecnologia sozinha não muda modelo de negócio.
De acordo com um estudo publicado agora em fevereiro de 2020 pela Forrester Research, uma firma norte-americana de pesquisas de mercado e data analytics, os prestadores de serviços financeiros investem cerca de ¼ do orçamento de TI em transformação digital.
Porque então, mesmo com todo esse investimento, bancos, administradoras de cartão de crédito e investidores institucionais vêm se mostrando incapazes de criar e executar estratégias coerentes de transformação digital que atendam às expectativas das novas gerações em sua jornada financeira? 
O próprio estudo da Forrester, intitulado The state of digital transformation in financial services - 2020, fornece algumas pistas. De cara, percebe-se que há: (i) um problema de entendimento; e (ii) outro de foco, decorrente da condução dessa transformação.
i) Problema de entendimento
"Transformação digital" pode ser definida como um fenômeno que incorpora o uso da tecnologia digital às soluções de problemas tradicionais. A transformação digital não é um destino em si, mas um caminho numa viagem que nunca termina. As firmas que disseram “já ter terminado” somam 14% dos respondentes e aquelas que tem plena noção de que esse é um “estado permanente’”, são 26%.
Toda tecnologia desenvolvida nos últimos 10 anos, pelo menos, foi digital por natureza. Então, o que exatamente estão fazendo os 40% que responderam estar passando por uma transformação digital? Implantar um site próprio - algo que impressionantemente alguns fundos de pensão no Brasil ainda não fizeram - é uma transformação digital? Permitir que os participantes tenham acesso às suas contas de aposentadoria via dispositivo móvel - mesmo que majoritariamente apenas para consulta - pode ser chamado de transformação digital?
Nos fundos de pensão, por exemplo, para uma verdadeira transformação digital ocorrer hoje, seria obrigatório incorporar aspectos de DeFi, o campo da tecnologia digital que causará (dis)ruptura em todos os modelos de negócio financeiro, sem exceção. 
DeFi – abreviação de “descentralized finance” - finanças descentralizadas, geralmente se refere aos ativos digitais, aos “smart contracts” - contratos inteligentes, protocolos e DApps que são aplicativos descentralizados, construídos na plataforma Ethereum. Simplificando, são softwares financeiros construídos no blockchain que podem ser juntados como se fossem dinheiro de Lego. 
ii) Problema de foco e condução
O outro grande problema é que a maioria das firmas de serviços financeiros conta com o CIO - Chief Information Officer ou CTO - Chief Technology Officer para liderar (48%) e implementar (45%) as estratégias de transformação digital. Se por um lado esses profissionais possuem conhecimento e expertise técnica, não se pode dizer que tenham uma visão de negócios tão abrangente e estratégica quanto o CEO, a quem cabe junto com o conselho de administração, definir o futuro do negócio. 

A transformação digital, centrada na experiência do consumidor (CX) e no aumento de receitas, conforme reportado no estudo, ganha como consequência um viés tecnológico e financeiro porque é isso que os encarregados das mudanças priorizam.
O atendimento das expectativas das novas gerações acaba ficando no meio do caminho diante de uma percepção equivocada de que a jornada financeira dos jovens se resume apenas ao uso de novas tecnologias. 
Perde-se a oportunidade de se iniciar uma transformação mais profunda no modelo de negócios que somente uma visão abrangente unindo tecnologia, marketing, vendas, flexibilização das estruturas organizacionais e atração de novas competências, permitiriam. 
Seja qual for sua definição de transformação digital, vai ficando claro concluir que ela é necessária, mas insuficiente para garantir a verdadeira transformação que os players do sistema financeiro precisam para sobrevivência no longo prazo: um novo modelo de negócios.
Siga o propósito, não o dinheiro 
Os membros das novas gerações, que eventualmente aderirem hoje a um fundo de pensão, participarão de planos de contribuição definida ou planos CD, como são conhecidos no jargão da previdência complementar. 
Diferentemente da maioria dos baby-boomers, que conta com benefícios garantidos por planos BD e não tem individualmente voz direta sobre o patrimônio de seus planos, a GenZ e os millenials têm possibilidade de escolher a alocação dos investimentos em seus planos e sabem que sua renda de aposentadoria poderá ser maior ou menor em consequência dessas escolhas.
A forma de modelagem dos planos CD, faz com que as escolhas dos participantes sejam feitas a partir da quantidade e tipo de alternativas de perfis de investimentos que cada fundo de pensão decide oferecer. 
Um detalhe importante, ao longo dos meus +30 anos desenhando, modificando e implantando planos CD como consultor, não presenciei nenhum fundo de pensão ouvir diretamente a opinião dos participantes para saber o que eles querem.
Em outras palavras, o participante não é ouvido diretamente no processo de criação, alteração e eliminação dos perfis, não tem voz ativa na definição da quantidade de alternativas, no tipo de investimento nem nas alocações dos ativos dos perfis. 
Um estudo da Legal & General, gestor de ativos do Reino Unido, mostra agora porque isso é um problema – recomendo a leitura. O trabalho intitulado “Finding The Greenest Generation“ lança luz sobre porque é preciso ouvir os indivíduos e relacionar seus propósitos, convicções e visões de vida ao que é feito com o dinheiro deles. 
Sem isso, os fundos de pensão - que se perguntam desde sempre o que fazer para atrair os jovens - não terão a menor chance de engajar a GenZ, que começa a conscientizar inclusive os mais velhos sobre a importância da sustentabilidade para o futuro dessa incrível garotada.
A pesquisa foi feita entre os atuais participantes de planos de previdência corporativos e abrangeu baby-boomers (56-75 anos), Geração X (41-55 anos) e Geração Y ou millenials (26-40 anos). A Geração Z (5-25 aos) não foi incluída porque ainda está chegando no mercado de trabalho, mas pode anotar aí: questões ambientais, sociais e governança (princípios ESG), com destaque para voluntariado, diversidade e igualdade, são mais importantes para eles do que para qualquer outra geração. 
Convicções vencem retornos e isso não está no manual dos gestores
Os jovens sabem que a batalha pela sustentabilidade e proteção do meio ambiente vem com uma etiqueta de preço maior, mas eles estão dispostos a pagar por isso. Uma millenial comentou: “Qualquer coisa que tem a ver com o meio ambiente – (produtos) orgânicos, seja o que for – custa mais caro, não é mesmo?”. Outra disse: “Para mim, o meio ambiente é mais importante. É o que deixaremos para nossos filhos, netos e bisnetos”.

  • 47% dos millenials do sexo feminino e 44% do masculino disseram que gostariam de reduzir significativamente a exposição (investimentos) de seus fundos de pensão à indústria de combustíveis fosseis, independentemente do impacto sobre o retorno dos investimentos e o valor de seus benefícios;
  • 75% das mulheres da Geração X e baby-boomers desinvestiriam o dinheiro do seu fundo de pensão de empresas com problemas de governança e discriminação na remuneração de mulheres;
  • 60% da Geração X prefeririam investir menos ou simplesmente não investir nada em empresas cuja percepção é de que causam impacto social negativo;
  • 47% dos millenials, 50% da Gen X e 49% dos boomers prefeririam uma política de investimentos que envolvesse primeiro um engajamento com as empresas investidas que não estivesse seguindo princípios ESG e só depois partir para o desinvestimento, comparados a 36% do total geral que prefeririam evitar completamente qualquer investimento nesse tipo de empresa.   

Modelo de negócios dos fundos de pensão
O presidente de um fundo de pensão tem uma serie de responsabilidades, de extrema importância. Tradicionalmente, 80% do seu trabalho está relacionado a governança, compliance, definir as alocações do orçamento e dizer para os gestores o que fazer. Os outros 20%, ele dedica a fazer projeções, interpretar números e definir a estratégia para escrever o próximo capítulo da história. 

Hoje em dia, essa proporção precisaria estar invertida, porque o futuro do atual modelo de negócios dos fundos de pensão é que (deveria?) está tirando o sono dos presidentes, não o orçamento. 

O modelo de negócios é uma mistura de estratégias, insights e ideias que não apenas produzem mudanças, mas reagem a elas.

Como os modelos de sucesso hoje são centrados no cliente (participante), eles estão se tornando mais fluidos, mais dinâmicos e mais estratégicos. A transformação do modelo de negócios dos fundos de pensão requer uma forte visão de futuro. Ninguém compra um carro com o assento do motorista voltado para o vidro de trás ...  

Grande abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado dos seguintes artigos:
  • The state of digital transformation in financial services – 2020|Forrester Research|Feb.18, 2020
  • Finding The Greenest Generation|Legal & General Investment Management|2020



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