terça-feira, 9 de junho de 2020

INGLATERRA: DEPOIS DA CHACOALHADA DO COVID-19 OS CONSELHOS TERÃO QUE ENFRENTAR VERDADES DIFICEIS SOBRE GOVERNANÇA




De São Paulo, SP.

Cansamos de ouvir que a pandemia nos jogará em um "novo normal", que o home-office será permanente em muitas empresas e as reuniões virtuais serão a regra e não a exceção.

Nossas vidas cotidianas, inevitavelmente, sofrerão mudanças depois do COVID-19 e isso não será diferente na indústria dos fundos de pensão. 

Um artigo publicado anteontem pela revista Pensions Expert fornece algumas pistas do que poderá vir pela frente para os fundos de pensão ingleses, mais especificamente, na governança de seus conselhos deliberativos. 

A análise, que aborda especificamente o mercado Britânico, uma indústria de previdência complementar bem mais antiga do que a nossa, traz conclusões fortes

Alega que a crise deverá provocar um fim rápido na existência de conselhos deliberativos mal gerenciados, particularmente aqueles de fundos de pensão pequenos e médios. Logo no início da matéria da Pensions Expert, aparece um veredicto impactante:

O COVID-19 mostrou que os dias em que um conselho era gerido por amadores bem-intencionados, eram não  apenas indesejáveis, mas intoleráveis

Uau!!! Os caras pegaram pesado.

As tensões financeiras impostas a todo tipo de negócio pela pandemia, de fato, depositou uma carga extra sobre os ombros dos responsáveis pela supervisão de planos de aposentadoria ao redor do mundo. 

No mínimo, espera-se que conselheiros e gestores estejam à altura do trabalho, não bastando apenas que tenham conhecimento e sejam diligentes. Espera-se que saibam repelir com força todo tipo de pressão e sejam capazes de dizer “não” quando necessário. 

A triste verdade, no entanto, é que muitos conselheiros, apesar de imbuídos das melhores intenções, não parecem se encaixar muito nesses requisitos. 

O Coronavirus expôs as lacunas de conhecimento

O problema já estava no radar do órgão regulador do Reino Unido, conhecido por TPR - The Pensions Regulator. Tanto que em fevereiro passado este vinha se mobilizando para elevar o nível de competência e conhecimento dos conselheiros. Algo que muitos naquele mercado consideraram estar chegando com atraso.

As iniciativas, no entanto, foram congeladas na medida em que os reguladores ingleses precisaram redirecionar recursos e atenção para enfrentar a crise do COVID-19. 

Quando a crise tiver ficado para trás, o problema da governança ruim voltará ao topo da agenda dos reguladores britânicos. Planos bem administrados são essenciais para proteger os interesses dos participantes, seja em tempos bons ou ruins.

A pandemia tornou o trabalho dos conselheiros muito mais difícil. Antes da crise, alguns conselheiros conseguiam navegar sem ter um profundo conhecimento sobre previdência complementar, sobre o negócio da empresa patrocinadora ou a indústria em que essa opera. 

Os conselheiros sem tal conhecimento técnico ou especializado, compensavam essa carência com compromisso e dedicação para fazer um bom trabalho. A crise chegou e está requerendo que os conselheiros tomem decisões que demandam muito conhecimento técnico e especializado, deixando leigos e amadores em situação difícil.

Decisões complicadas que demandam expertise e posições firmes

O ponto que está no centro das discussões de centenas de conselhos é a solidez das patrocinadoras dos planos – muitas fortemente afetadas pela quarentena (lockdown). 

Os conselheiros, mais do que nunca, estão precisando entender como funciona um balanço, o fluxo de caixa e as operações da empresa que patrocina o plano. A crise aumentou a importância da solvência das patrocinadoras para sobrevivência de muitos planos, algo que se tornou incerto diante do atual ambiente econômico. 

No mundo todo os membros dos conselhos dos fundos de pensão vêm tendo que decidir sobre questões delicadas, como suspensão de contribuições de patrocinadoras e interrupção do pagamento de déficits. Decisões que estão sendo tomadas em circunstâncias difíceis, sem que todas as informações estejam na mesa. Cabe aos conselheiros saber discernir se o fundo de pensão está dando apoio à patrocinadora nesses tempos difíceis ou se está sendo tratado de forma injusta quando comparado a outros credores.

O relaxamento nas regras de solvência que vem sendo estudado pelos órgãos de supervisão Britânicos – vale notar que no mundo todo isso está na pauta – significa que os conselheiros terão que ser bem mais proativos em assegurar que o plano não seja colocado em posição ainda mais vulnerável em caso de quebra da patrocinadora. 

Diferentemente do Brasil, no Reino Unido os conselhos têm tomado decisões controversas que vem enfurecendo alguns participantes ao impedir resgates e portabilidade de planos BD, como forma de proteger os remanescentes. 

Desenhei dezenas de regulamentos de planos ao logo dos +30 anos que atuei como consultor e posso afirmar que aqui muitos regulamentos também têm espaço para medidas assim. Mas para ser franco, tanto aqui como lá, mesmo quando a situação requer decisões desse tipo para proteção dos participantes, não é fácil para um conselheiro convencer as patrocinadoras dessa necessidade e assumir os riscos envolvidos numa situação dessas. 

 O que vem depois?

A pandemia tem potencial para exacerbar as lacunas entre a governança dos planos bem administrados e aqueles com administração fraca. Não seria concebível existir uma categoria de participantes e assistidos de 1ª classe e outra de 2ª apenas porque seus conselhos possuem níveis diferentes de proficiência. 

O plano do órgão regulador britânico para melhorar a governança dos fundos de pensão começará pela atualização do código de melhores práticas para conselheiros e revisão da governança dos conselhos. Na sequência, passará a testar o conhecimento dos conselheiros.

Em outras palavras, visando assegurar um padrão elevado para a governança do setor, o governo pretende conduzir avaliação individual dos membros dos conselhos deliberativos, adotando as ações adequadas (?) quando o resultado for abaixo das expectativas.

Nunca houve um modo claro para se demonstrar que os conselheiros, mesmo certificados, estejam em conformidade com os requisitos de conhecimento e experiência necessários para atuação em boards de fundos de pensão. 

Nesse momento o governo britânico ainda não está adotando medidas mais radicais, como exigir que os fundos de pensão indiquem membros profissionais para seus conselhos, leia-se conselheiros independentes. 

No entanto, arrisco em dizer que esse será o passo natural na sequência das medidas ora adotadas. Isso não seria novidade no mundo corporativo. Apenas para citar um exemplo, desde 2003 nos EUA as regras de governança exigem que os boards das empresas listadas na bolsa de Nova York e na Nasdaq sejam compostos com maioria de membros profissionais.

No mundo ideal os conselheiros deveriam buscar ajuda do órgão regulador quando sentissem necessidade de um melhor embasamento para tomada de decisões. Ou então deveriam contar com programas de mentoria e ajuda de coaching profissional para conselheiros, pagos pelo fundo de pensão. No limite, caso não se sintam os mais aptos para tomar as decisões necessárias, deveriam simplesmente renunciar.

Muitos na Inglaterra esperam que um dos grandes legados dessa crise do COVID-19 seja a subida na régua da governança dos conselhos dos fundos de pensão Britânicos. 

Por mais forte que a frase do início desse artigo possa parecer, não deveria ser preciso um vírus para mostrar ser não apenas indesejável, mas intolerável, que o futuro de participantes ativos e aposentados seja decidido de forma amadora, mesmo que com a melhor das boas intenções.
  
Grande abraço,
Eder.


Fonte: Adaptado do artigo “Trustees must face hard governance truths after Covid shake-up” escrito por Josephine Combo.

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