De São Paulo, SP.
No papel e na cabeça dos legisladores, os conselhos dos fundos de pensão funcionam mais ou menos assim:
- A empresa patrocinadora nomeia um grupo de pessoas experientes, comprometidas, detentoras de históricos de alto desempenho, trabalho duro e visão estratégica;
- Submete-as a processo de certificação, fornece treinamento sobre os meandros da previdência complementar e aspectos de governança de conselhos.
- Coloca todo mundo em uma sala e obtém como resposta um colegiado topo de linha, com alta performance, uma cultura sadia e um papel de supervisão efetivo da gestão.
Na vida real, no entanto, as coisas são um pouco mais complicadas do que isso.
Na prática, a cultura de nenhum conselho de fundo de pensão é perfeita. Todo board é atormentado por discussões que saem dos trilhos, opiniões que são rejeitadas sem sequer serem aprofundadas, conversas paralelas, conselheiros que dominam as discussões sem dar espaço ao contraditório, outros que mordem a língua antes de expressar opiniões e alguns tímidos demais para uma participação mais ativa.
As empresas patrocinadoras, na esmagadora maioria dos casos, passam a maior parte do tempo pensando na experiência e na expertise dos candidatos para compor o colegiado dos seus fundos de pensão, achando que é esse o caminho para ter conselhos mais eficazes.
A nomeação de conselheiros deliberativos vem deixando de lado a importância da dinâmica das reuniões, ditada pelo elemento humano e seus inúmeros vieses de comportamento que todos levam, naturalmente, para a mesa de reuniões.
Desde que minha filha disse para minha esposa e para mim há seis anos que estudaria psicologia, passei a ler mais sobre o comportamento humano.
Diferentemente dela, que se formou em psicologia na Sorbonne – Paris VII (Paris Diderot), concluiu mestrado na Universidade de Strasbourg e aos 25 anos trabalha na França com crianças altistas, meu interesse se voltou para o trabalho de Daniel Kahneman e Amos Tversky.
Kahneman e Tversky se dedicaram a catalogar centenas de tipos de viés de comportamento humano, a entender como nosso cérebro ordena as informações no processo de tomadas de decisões e como isso influencia as maneiras que as pessoas julgam a si mesmas e os outros.
No ambiente de negócios, como numa reunião de conselho de um fundo de pensão, esses vieses de comportamento podem levar uma pessoa a supervalorizar ou subestimar outras que se sentam ao redor da mesa ou as ideias que elas expressam.
Podem, também, influenciar o ambiente do colegiado, determinando se as pessoas se sentem “seguras” o bastante para falar livremente ou mesmo se o ambiente é favorável a diversidade de pensamentos.
Melhorar a dinâmica das reuniões é um dos principais pontos que abordo em meus treinamentos para conselheiros de fundos de pensão, além de insistir “ad nauseam” na importância da diversidade nos colegiados.
Existem vários caminhos para enfrentar os desafios de se melhorar a dinâmica das reuniões de conselho nas empresas modernas, mas na Pesquisa Anual de Conselheiros de Administração 2020 da PWC as pessoas parecem preferir o caminho mais fácil.: 49% dos conselheiros acham que pelo menos um colega no colegiado precisa ser substituído.
Prefiro caminhos menos drásticos para melhorar a dinâmica dos conselhos no caso dos fundos de pensão, por isso é tão importante compreender a psicologia do comportamento humano e as formas de contornar as barreiras existentes.
Dentre os incontáveis vieses de comportamento com potencial para frear a dinâmica de uma reunião de conselho e impedir que o colegiado agregue maior valor a um fundo de pensão, quatro deles emitem claros sinais que identificam sua presença e para cada um deles existem técnicas que ajudam a combater seus efeitos nocivos sobre o colegiado.
Pensamento em grupo
Um conselho é eficaz quando consegue decidir por consenso, mas o caminho para se chegar lá é que tem importância. Vamos supor que um fundo de pensão esteja pensando em investir parte de seu patrimônio no exterior, mas 4 dos 9 conselheiros estão preocupados em discutir o assunto e alguns conversaram sobre isso entre eles antes da reunião. Durante a reunião um dos conselheiros começa a expor sua preocupação, mas o Diretor Presidente não dá muita atenção e rapidamente prossegue com as apresentações. No curso da reunião as cabeças vão balançando em concordância com a aprovação da proposta. Nenhuma parte da estratégia de investimento no exterior é modificada e no final das discussões todo o colegiado parece concordar com a recomendação, incluindo os conselheiros cujas preocupações foram desconsideradas.
Apesar da construção do consenso ser importante, os conselhos são inclinados a buscar harmonia e conformidade e isso pode levar ao pensamento em grupo. Num ambiente em que todos os conselheiros nomeados pela patrocinadora acham que precisam pensar da mesma forma, o dissenso tende a ser desencorajado e visões divergentes não são bem-vindas.
Na pesquisa da PWC que mencionei acima, 36% dos conselheiros disseram ter dificuldade em expor visão divergente em pelo menos um assunto no conselho. A razão mais comum apontada pelos conselheiros para sufocarem suas discordâncias, foi o desejo de manterem a colegialidade com seus pares.
Dica para contornar: Visando reduzir o pensamento em grupo, considere implantar um processo de avaliação do conselho. Durante as entrevistas individuais com os conselheiros ou quando eles forem preencher os questionários de avaliação, situações em que os conselheiros geralmente se sentem mais a vontade para falar livremente, tente identificar se o dissenso costuma ser desencorajado no colegiado. Se determinado conselheiro estiver contribuindo para impedir o dissenso, o presidente do conselho deve assumir a difícil tarefa de conversar com o mesmo para mudar a dinâmica das discussões. Trazer consultores e profissionais de fora do fundo de pensão para apresentar uma visão diferente ou dissonante dos assuntos, para solicitar a opinião de cada membro do conselho em questões controversas ou contratar um conselheiro profissional e independente para agregar verdadeira diversidade ao colegiado e trazer uma perspectiva diferente do mundo, também podem ser possíveis soluções.
Viés de autoridade
Conselhos deliberativos de fundos de pensão precisam de experts, claro, por isso buscam conselheiros com base em sua formação e no seu conjunto de experiência e conhecimentos. Porém, da mesma forma que todos se voltam para a opinião de um membro do colegiado que seja atuário sempre que numa reunião surge um assunto relacionado ao risco da longevidade ou à ciência atuarial, os conselhos podem depender demais da experiência ou opinião de apenas um conselheiro. Aí, podem ser muito influenciados por aquela opinião desconsiderando o que os outros tem a dizer ou abdicando das suas responsabilidades individuais para equilibrar as discussões do grupo.
Esse viés de autoridade também pode ser produto de uma estrutura de poder no colegiado. Há pesquisas mostrando que os colegiados tendem a priorizar a visão dos membros do sexo masculino, dos conselheiros com mais tempo de mandato, dos que tem um tom de voz mais alto ou daqueles com algum status de poder, tipo cargos hierarquicamente mais elevados. Acaba-se, assim, caindo na armadilha de se esperar para ouvir essas “autoridades” primeiro ou de sempre ser delas a última palavra. As opiniões dos especialistas deixam, então, de ser checadas ou contrapostas. Durante alguns anos tive a chance de interagir com o conselho deliberativo de um fundo de pensão presidido pelo CFO da patrocinadora, que era uma gigante multinacional do setor de Telecom. Os demais conselheiros sempre relutavam em desafiar a visão do presidente daquele conselho de modo que a opinião dele sempre prevalecia.
Dica para contornar: Para minimizar o viés da autoridade, o presidente do conselho poderia pedir a opinião de cada membro do colegiado de cada vez. Isso permite que todos os diretores expressem suas opiniões sobre certo assunto e que os especialistas de certa área opinem sobre outras áreas. Se um conselheiro tem sempre a última palavra nas discussões, peça que ele inicie a discussão dando sua opinião para que os demais possam colocar em discussão a ideia dele. O presidente do conselho pode, propositalmente, expressar sua por último após as discussões.
Viés de confirmação
As pessoas tendem, subconscientemente, a buscar e supervalorizar evidências que confirmem seu modo de pensar e a desvalorizar e descartar aquelas que contrariem suas crenças. Conselheiros, sendo humanos, também caem na armadilha do viés de confirmação, afetando o processo de tomada de decisões objetivas.
Dica para contornar: O melhor caminho para combater o viés de confirmação é incentivado a diversidade de pensamentos. Quando as patrocinadoras e seus conselhos buscam membros que se encaixem no seu perfil, frequentemente estão buscando pessoas que partilhem dos mesmos pontos de vista e concordem com questões consideradas chave. Isso apenas aumenta o viés de confirmação do colegiado porque fatos que sustentem as opiniões que compartilham tem mais peso. Assim, vão deixando escapar aquilo que verdadeiramente beneficiaria a reunião de um conselho de fundo de pensão, que é um debate e rigorosa troca de ideias entre membros com diferentes perspectivas e pontos de vista. Ter pessoas com diferentes visões de mundo ou que enxergam os assuntos sob ângulos diferentes em um conselho, acrescenta ao colegiado a capacidade de enxergar e entender as questões da forma mais ampla possível.
Viés do status quo
Mudanças podem ser aterradoras, por isso muitas pessoas resistem a mudar. Quando as coisas estão funcionando razoavelmente, as pessoas preferem mantê-las do jeito que estão. Não surpreende que os conselhos dos fundos de pensão prefiram o conjunto de normas e valores que lhes são familiares e com os quais estão acostumados. Claro que os conselheiros podem supervalorizar aquilo que sabem e relutar em adotar iniciativas que envolvam mudanças substanciais – como, por exemplo, transformar o atual modelo de negócios dos fundos de pensão em resposta a disputara que se avizinha na previdência complementar – simplesmente porque enfrentar o desconhecido representa um risco individual muito alto.
Fico até imaginando muitos conselheiros lendo os posts e artigos dIn, abordando inovações, transformações sociais e novas tecnologias, que publico aqui no LinLinkedIn, se perguntando como poderiam incorporar em seus fundos de pensão algumas daquelas ideias. Mas dado que seus fundos de pensão estão funcionando bem hoje e considerando a dificuldade de levar adiante grandes transformações, esses conselheiros logo desistem e se apegam as estratégias atuais.
O viés do status quo pode ser demonstrado em conselhos com pouca rotatividade de seus membros ou onde se constata inatividade na troca da diretoria executiva ou no planejamento sucessório de seu diretor presidente. Um conselho pode racionalizar e aceitar a redução na quantidade de fundos de pensão sob a justificativa de que a manutenção de uma entidade fechada de previdência requer escala e custa muito caro para manter hoje em dia, ao invés de aproveitar a oportunidade para mudar o modelo de negócios e reconhecer que a transformação mundial no setor vem sendo impulsionada nas ultimas décadas pela redução na quantidade de empregados das empresas - provocada pela automação da manufatura e novos processos produtivos - pela adoção de diferentes contratos de trabalho, pela aposentadoria da aposentadoria e tantas outras disrupturas.
Dica para contornar: se o viés do status quo está ameaçando o futuro do seu fundo de pensão, então está na hora de fazer mudanças estruturais na governança do conselho do seu fundo de pensão e incorporar nas discussões estratégicas a pergunta: “para onde caminha o setor de previdência complementar?”. Isso implica em responder outras três questões: Que mudanças estruturais precisamos fazer para posicionar nosso fundo de pensão na nova era da previdência complementar? O que vai acontecer se não levarmos adiante mudanças profundas em nosso atual modelo de negócios? Quanto tempo temos? Alternativamente, o conselho do seu fundo de pensão pode trazer experts de fora da organização para falar de futuro (estou a disposição), repensar a agenda das estratégias de longo prazo ou dar uma chacoalhada nos conselheiros fazendo uma viagem para o Vale o Silício (também posso ajudar com isso).
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A dinâmica de um conselho só muda quando ele se dispõe a enxergar os vieses e práticas de seus próprios membros, lançando mão das ferramentas amplamente disponíveis para mudar.
Até que isso aconteça, as reuniões continuarão a ser agradáveis momentos para se tomar um café com iguais, entremeados por decisões que pouco ou nada acrescentam na busca de um novo modelo para sobrevivência dos fundos de pensão no longo prazo.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Four common bias in the boardroom culture, escrito por Maria Castañón Moats, Paul De Nicola e Leah Malone.