domingo, 12 de março de 2023

O QUE A QUEBRA DO SVB E OS FUNDOS DE PENSÃO BRASILEIROS TÊM EM COMUM?

 


De São Paulo, SP.


Se você nunca ouviu falar do SVB, essa semana te garanto que vai ouvir falar ... e muito. O SVB, como é conhecido o Silicon Valley Bank, é um banco tradicional, onde está o dinheiro de metade das startups financiadas por capital de risco (venture capital) nos EUA.

Foi uma surpresa para todo mundo quando o banco sofreu uma perda bilionária (foram US$ 1,8 bilhões) na venda de títulos e tentou levantar capital vendendo parte de suas próprias ações.   

A surpresa logo se transformou em pânico, que se traduziu numa corrida devastadora (mas clássica) ao banco no início da sexta-feira passada. Em um único dia os correntistas resgataram US$ 42 bilhões de suas contas correntes, um quarto do total de depósitos, deixando o banco insolvente, com um saldo de caixa negativo de US$ 958 milhões.

Com ativos de US$ 209 bilhões o SVB se tornou a segunda maior quebra de um banco na história americana - depois da falência do Washington Mutual em 2008 - algo impressionante para um banco que foi avaliado em US$ 44 bilhões há apenas 18 meses (figura abaixo)


A quebra do SVB vem no mesmo momento da implosão de um banco menor, o Silvergate Capital, que emprestava dinheiro para startups de cryptomoedas, mas o SBA não é um banco de crypto, há apenas uma sobreposição parcial entre o foco do Silvergate e o do SVB, não confunda as coisas.

Para ambos, essa parte do problema se deve a uma base de clientes bastante volúvel e não muito usual no sistema financeiro: startups de tecnologia, mas o maior problema do SVB nem foi esse.

A maior ameaça para o sistema financeiro americano e a origem da quebra do SVB é o aumento crescente das taxas de juros dos títulos públicos do tesouro.

O aumento dos juros foi deixando os bancos abarrotados com títulos que pagam taxas de juros mais baixas, que não podem ser vendidos às pressas no mercado sem que isso implique em enormes perdas.

No caso dos bancos, se muitos clientes de repente quiserem tirar seu dinheiro e o banco tiver que vender esses títulos para pagá-los, arriscam-se a entrar num ciclo vicioso como o que matou o SVB.

As autoridades reguladoras da Califórnia e de Washington, em menos de 24 horas assumiram o controle fazendo uma intervenção no SVB, para estancar a crise e o risco de contágio de todo o sistema financeiro do país.

Por que a debacle do SVB deve assustar a todos

O SVB tem rating de crédito A1, faz parte da lista dos 20 melhores bancos dos EUA, segundo a Forbes e é um dos bancos mais confiáveis nos EUA. Seu CEO foi membro do conselho do Federal Reserve Board de São Francisco, um dos braços do Banco Central Americano.

Entre 2010 e 2020 houve uma média anual de 33 quebras de banco nos EUA, mas desde 2020 nenhum banco quebrou. A insolvência do SVB aconteceu da noite para o dia, em 14 horas foi para o vinagre uma instituição com 40 anos de existência.

Na fila da quebradeira está o First Republic e os rumores dão conta de outros nomes flutuando em torno do olho do furacão. A maior preocupação é com o contágio e as pessoas se perguntam: o que os reguladores deixaram escapar?

A raiz do problema do SVB reside na péssima gestão de um risco específico, que tem a ver com títulos do tesouro americano – o ativo “mais seguro” na face da Terra.

Tipo, sabe, os títulos do Banco Central do Brasil, que formam uma montanha na qual os fundos de pensão estão sentados, cuja gestão muitos pensam não ter riscos ...


A cadeia de fatos que levou a insolvência do SVB, foi mais ou menos a seguinte:

1 - Quando as taxas de juros estavam super baixas, perto de zero, o banco pegava $$$ no curto e emprestava no longo prazo. Colocava o dinheiro dos clientes em títulos do tesouro (fundos de investimentos) com vencimento no longo prazo, em troca de rendimentos.

2 – Tudo muito bom, tudo muito bem, exceto, obviamente, o fato da carteira de títulos de longo prazo não estar “hedgeada” (protegida).

3- O risco da marcação-a-mercado foi crescendo, ficando mais crítico na medida em que a curva de juros começou a achatar, a partir de 2022. O banco, porém, foi deixando a carteira de títulos, sem hedge.

4 – Chegou um ponto em que a curva de juros finalmente se inverteu atingindo -1%, então, os correntistas naturalmente começaram a buscar fundos de investimentos pagando rendimentos mais altos ao invés de deixar o dinheiro em suas contas correntes e fundos atuais no SVB.

5 – O banco se viu diante da insuficiência de caixa para pagar os resgates dos fundos de investimentos, carregados de títulos com juros mais baixos e sobrou como única alternativa vender os títulos da carteira que, naquela altura, estavam sofrendo perdas imensas em função do cenário de intenso aumento dos juros.

6 – As perdas foram tão grandes, que o banco ficou insolvente

7 – Se o banco tivesse feito um simples hedge da carteira de títulos longos, por exemplo, via operações de swap de taxas de juros, a maior parte das perdas poderia ter sido mitigada, evitando uma corrida dos correntistas se estes soubessem que o banco não estava insolvente.

Nos fundos de pensão não acontece corrida de participantes para saque, como ocorre em bancos cambaleantes, mas a gestão dos títulos públicos - que hoje representa em média mais de 86% do patrimônio dos fundos de pensão, pode muito bem se transformar em grandes perdas e num grande problema de liquidez se para pagar os compromissos os fundos tiverem que vender títulos com taxas de juros mais baixas do que aquelas praticadas no mercado atual, caracterizado por taxas estratosféricas.

A quebra do SVB, o escândalo das Lojas Americanas, a crise financeira de 2008, cada episódio desses tem uma explicação, uma origem, um problema por trás. Cada um deles, a sua maneira, destruiu valor e tirou dinheiro do bolso de pessoas comuns, como você e eu.   

O que acontece agora?

O Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), o equivalente ao nosso FGC - Fundo Garantidor de Crédito, paga aos correntistas até US$ 250 mil em caso de quebra de um banco nos EUA.

O problema é que segundo estimativas, cerca de 96% dos depósitos no SVB excedem o valor garantido pelo FDIC ou nem sequer são cobertos por ele. Só para comparação, no BoFA – Bank of América, apenas 38% dos valores dos clientes não são cobertos pelo FDIC.

Dependendo da reação do governo americano, o colapso do SVB pode levar a uma extinção em massa no ecossistema de startups dos EUA (tipo o que aconteceu com os dinossauros).

A maioria dos clientes do SVB são startups que precisam pagar seus empregados e o próximo dia 15 de março é dia de pagamento no Vale do Silício. A questão agora é se o problema vai passar da mesa dos conselhos de administração para as mesas das cozinhas.

O incidente lamentável com o SVB é um alerta para investidores institucionais, fundos de pensão e o sistema financeiro moderno.

No mundo complexo e veloz em que vivemos, os riscos são crescentes, nada é verdadeiramente garantido e a segurança financeira cuidadosamente construída ao longo de uma vida, pode desaparecer sem aviso prévio, num piscar de olhos.

Você sabe o que está rolando com sua poupança para o futuro ou acha que isso não é coisa para você se preocupar, deixa lá na mão dos especialistas, dos caras que entendem, dos conselhos ... ¯\_(ツ)_/¯


Grande abraço,

Eder.


Fontes: “Fear of contagion after SVB implodes”, escrito por Victoria Cavaliere e Ian Fisher | “Crypto is Easy”, escrito por Mark Helfman | Silicon Valley Bank shut down by US banking regulators, Finantial Times


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Cuidados na Portabilidade

Hora no Mundo?

--------------------------------------------------------------------------

Direitos autorais das informações deste blog

Licença Creative Commons
A obra Blog do Eder de Eder Carvalhaes da Costa e Silva foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em nkl2.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://nkl2.blogspot.com/.

Autorizações


As informações publicadas nesse blog estão acessíveis a qualquer usuário, mas não podem ser copiadas, baixadas ou reutilizadas para uso comercial. O uso, reprodução, modificação, distribuição, transmissão, exibição ou mera referência às informações aqui apresentadas para uso não-comercial, porém, sem a devida remissão à fonte e ao autor são proibidos e sujeitas as penalidades legais cabíveis. Autorizações para distribuição dessas informações poderão ser obtidas através de mensagem enviada para "eder@nkl2.com.br".



Código de Conduta

Com relação aos artigos (posts) do blog:
1. O espaço do blog é um espaço aberto a diálogos honestos
2. Artigos poderão ser corrigidos e a correção será marcada de maneira explícita
3. Não se discutirão finanças empresariais, segredos industriais, condições contratuais com parceiros, clientes ou fornecedores
4. Toda informação proveniente de terceiros será fornecida sem infração de direitos autorais e citando as fontes
5. Artigos e respostas deverão ser escritos de maneira respeitosa e cordial

Com relação aos comentários:
1. Comentários serão revisados depois de publicados - moderação a posteriori - no mais curto prazo possível
2. Conflitos de interese devem ser explicitados
3. Comentários devem ser escritos de maneira respeitosa e cordial. Não serão aceitos comentários que sejam spam, não apropriados ao contexto da dicussão, difamatórios, obscenos ou com qualquer violação dos termos de uso do blog
4. Críticas construtivas são bem vindas.




KISSMETRICS

 
Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil License.