sexta-feira, 31 de março de 2023

QUANDO FALHAS DO MERCADO COLIDEM COM FALHAS DE SUPERVISÃO: BANCOS, BOLHAS E FUNDOS DE PENSÃO – PARTE 3 (FINAL)



PARTE 3 (FINAL) – O APOCALIPSE DAS “.COM” E A INTELIGENCIA ARTIFICIAL


Duas décadas atrás estourava a bolha das empresas conhecidas por “.com”. Para a garotada que não viveu aquele crash é difícil imaginar um reset mais severo do que este que estão vendo acontecer atualmente no Vale.


O estouro das ponto-com exterminou 78% da capitalização de mercado do setor de tecnologia, atingiu até as melhores empresas de Internet da época e congelou os investimentos em inovações por ao menos dois anos.


Apesar de tudo, grandes empresas emergiram daquele crash. Google, PayPal, Sales Force, começaram pouco antes da bolha estourar e não apenas sobreviveram, mas floresceram no obscuro período de 24 meses que se seguiu.


Da mesma forma Uber, WhatsApp, Square, todas começaram poucos meses depois que a crise financeira global de 2008-2009 atingiu o mundo, jogando a economia mundial numa grande recessão, a segunda maior depois de 1929.


Todas as empresas que floresceram naquelas épocas turbulentas tinham um produto excepcionalmente aderente ao mercado, mas tiveram, também, muita persistência, resiliência e frugalidade para navegar com sucesso durante a recessão. Elas mostraram que não existe momento ruim para começar um negócio.


Dentre as inúmeras lições que se pode aprender ao navegar uma crise, o estouro da bolha das ponto-com deixa aprendizados importantes. Aqui vão alguns deles tanto para a molecada da economia digital quanto para os fundos de pensão.


Aprendizado # 1: Bolhas são efêmeras, seus efeitos são duradouros


ChatGPT é o acrônimo de “Chat Generative Pre-Trained Transformer”, em tradução livre seria algo tipo: Processador Pré-Treinado Capaz de Gerar um Bate-Papo.


Adobe Stock | Art by 2ragon


Foi desenvolvido pela OpenAI, uma organização fundada com capital de US$ 1 bilhão em dezembro de 2015 por gente como Sam Altman, Elon Musk, Amazon Web Services (AWS) e Infosys, dentre outros.


Na época de sua criação a OpenAI divulgou pela imprensa que colaboraria livremente - leia-se, sem esconder o jogo - com outras instituições e centros de pesquisas, abrindo suas patentes e seu estudos ao público. Não é à toa que o nome OpenAI em português signifique “Inteligência Artificial Aberta”.


O ChatGPT e outras ferramentas de IA – Inteligência Artificial vem chacoalhando o mundo todo. Não há um setor da economia que não esteja numa corrida desenfreada para incorporar soluções de IA em suas atividades.


A Microsoft assinou um acordo com a OpenAI que pode transformar seus produtos e o próprio futuro da Microsoft. Com tráfego mensal em torno de 96 milhões de visitantes, o ChatGPT acendeu a luz vermelha no Google que já se prepara para lançar um demo de sua ferramenta de busca incorporando um chatbot de IA.


Em um estudo do Bank of England, o banco central inglês mostra que 72% das instituições financeiras no Reino Unido estão usando ou desenvolvendo aplicações baseadas em machine learning - uma subárea área da IA.


Um relatório da Deloitte fala das implicações da IA para o setor financeiro. Acredita-se que a IA vai fazer avançar dramaticamente a capacidade dos computadores reconhecerem padrões, anteciparem eventos futuros, tomarem boas decisões e se comunicarem com as pessoas.  


Um dos relatórios da Deloitte sobre os impactos da IA


Outro relatório, também da Deloitte, indica que a hiper personalização dos investimentos é um imperativo, não uma opção. Os consumidores querem que suas interações com os bancos sejam sofisticadas, imediatas e personalizadas, como já acontece em outros setores.


A mensagem para os fundos de pensão é clara: os produtos de investimentos não serão mais padronizados. Planos CD com três perfis de investimentos - conservador, moderado e agressivo - nos quais o participante só pode escolher um dos três, estão com os dias contados.  Vai haver o seu perfil de investimentos, o meu perfil etc.


O boom das ponto-com marcou nos anos 1990 uma corrida do ouro pela tecnologia. O investimento insano em startups, o não cumprimento das expectativas, o valor das ações despencando, levaram ao estouro da bolha em março de 2000 e mostraram quão rápido um mercado pode entrar em colapso quando falta regulamentação e disciplina financeira.


A ascensão da IA pode nos levar ao estouro de outra bolha? Talvez, mas seus desdobramentos vieram para ficar. É bom os fundos de pensão abraçarem a IA.


Aprendizado # 2: Muitas coisas ficam mais fáceis diante das dificuldades


A sabedoria popular nos diz que tudo fica mais difícil nos momentos em que a economia está passando por dificuldades.


Isso é verdade para a maioria das atividades. Por exemplo, levantar capital torna-se mais difícil mesmo, mas várias outras atividades tornam-se, na verdade, mais fáceis.

Essa é a razão pela qual tantas empresas fenomenais surgem durante as recessões. Recrutar grandes talentos fica mais fácil, porque existem mais pessoas talentosas disponíveis e menos competição por elas, olha eu aqui :)


Atrair novos clientes torna-se mais fácil também, porque cai o custo de propaganda e marketing. Como há menos empresas iniciando negócios, a competição pelo seu cliente alvo é menor.


O espaço comercial para montar um negócio torna-se mais barato e muitos outros custos, igualmente, diminuem.


A crise econômica atual lembra o estouro da bolha das empresas ponto-com, ocorrida 23 anos atrás, quando muitas startups se viram diante da dificuldade de obter capital para prosseguir.


Criar um novo fundo de pensão ou uma nova PensionTech | PrevTech no segmento de previdência complementar não é fácil num cenário assim, com tantas incertezas à frente. Não é mesmo UFund!



Porém, indubitavelmente, veremos um conjunto de novos players surgirem, startups inovadoras, grandes empresas e fundos de pensão emergirem desse período recessivo.

Se você tiver visão, flexibilidade e disposição para ser frugal, se for persistente, você poderá ser um deles 😊


Aprendizado # 3: Os valores das eras de depressão, constroem culturas fortes


A genialidade do Primeiro-Ministro Britânico Winston Churchill nos brindou com muitas frases famosas. Ao longo da II Guerra Mundial ele costumava dizer: “se você vai passar pelo inferno, não pare de andar”.


Nossos valores nos ajudam a passar pelos momentos difíceis, mas inegavelmente algumas características tornam mais fácil enfrentá-los. Aqui vão três delas:

  • Frugalidade: “Quando você está tentando apagar um incêndio na sua casa, você não se preocupa de onde a água está vindo”, disse certa vez Andrew Young, ex-candidato às eleições presidenciais americanas. Em épocas de economia turbulenta, precisamos ser econômicos com nosso dinheiro porque em geral, não temos muito dele e é difícil obter capital. O foco dos investimentos dos planos de previdência nesses momentos, deve ser de proteção da poupança acumulada e não de obtenção desenfreada de altos retornos;
  • Flexibilidade: durante períodos difíceis precisamos nos adaptar às circunstâncias e frequentemente temos que alterar o rumo das coisas. Isso requer flexibilidade e disposição para ziguezaguear na medida em que as condições vão mudando. A maior lição que a pandemia deixou para as pessoas foi a importância de ter uma poupança para emergência. Porém, o desenho dos produtos de previdência complementar hoje existentes são super engessados, sem a necessária flexibilidade para o dono do dinheiro (participante) ter acesso a ele, sem perdas por acessar o $$$ durante as emergências. Isso precisa mudar nos fundos de pensão.
  • Persistência: você não deve deixar o clima de desanimo geral afetar seu comprometimento com o atingimento de seus objetivos. A despeito dos obstáculos significativos que aparecem, é preciso olhar adiante e seguir em frente.

Passados os tempos difíceis, os valores desenvolvidos tornam-se parte permanente do DNA coletivo das organizações.


Aprendizado # 4: Atenção para a bolha dos escritórios


Incredible Post-Apocalypse Art | www.iliketowastemytime.com


O novo normal do trabalho remoto, uma tendência apenas acelerada pela pandemia do Covid-19, veio para ficar.


Com potencial para se alastrar, o “work from home” pode se transformar numa bolha (mais uma) que já vem sendo chamada nos EUA de o Apocalipse dos Escritórios.

O mercado de espaços comerciais tem o tamanho de US$ 5,6 trilhões nos EUA. Os analistas da Goldman Sachs estimam que os bancos são responsáveis pelo financiamento imobiliário de metade disso, a maioria, bancos pequenos e médios.


Desde a quebra do Silicon Valley Bank, os correntistas vêm migrando dos pequenos e médios para os bancos maiores, deixando os bancos pequenos com menos capacidade para refinanciar os empréstimos imobiliários.


Empréstimos imobiliários são, geralmente, refinanciados a cada cinco a sete anos nos EUA e quando isso não acontece ou quando as prestações não são pagas, os contratos entram em default (ficam inadimplentes) levando à renegociação da dívida, com perdas para o banco que emprestou o dinheiro.


Se a inadimplência aumentar, pode piorar a pressão sobre o valor dos espaços comerciais (prédios e lajes) levando os bancos a deixar de conceder crédito imobiliário, exacerbando ainda mais a inadimplência e as perdas dos bancos.


A utilização de espaços de escritórios está baixa se comparada aos números pré-pandemia. Quase 30% das empresas seguem com os empregados trabalhando remotamente ou de forma hibrida (gráfico abaixo).


% das empresas do setor privado que seguem trabalhando em “home office”


A locação comercial caiu nas grandes cidades e a avaliação para venda de imóveis comerciais diminuiu 25% em fevereiro/2023 comparado com o mesmo mês do ano anterior. Sinais de deterioração do mercado começam a surgir. A inadimplência atingiu 2,4% comparados com 1,5% de inadimplência há seis meses.


Imóveis comerciais geram 20% a 40% do seu valor em receita de impostos para estados e municípios nos EUA. Se o valor dos imóveis despencar, os governos terão que cortar serviços, aumentar outros impostos ou ambos, tornando as cidades menos atrativas para se morar.


Finalmente, os fundos de pensão têm alguns bilhões de $$$ enterrados em imóveis comerciais. De acordo com a Revista Pension & Investments, os vinte maiores investidores institucionais nos EUA detinham cerca de meio trilhão de dólares nessa classe de ativos em 2022.


Se o problema com o mercado de imóveis comerciais piorar muito, pode prejudicar os bancos, reduzir a concessão de crédito imobiliário, afetar a rentabilidade e o patrimônio dos fundos de pensão, freando a economia. Isso vale para tanto para cima, como para baixo da Linha do Equador.

___________________


Chegamos, assim, ao fim dessa série especial.


Ninguém sabe se a hype da inteligência artificial vai criar outra bolha soprada pela tecnologia ou se a crise do setor bancário, dessa vez, vai levar ao surgimento de uma nova regulamentação do setor financeiro ou, ainda, se o futuro do trabalho mudará a cara do mercado de imóveis comerciais e como (não se) tudo isso afetará os fundos de pensão.


Os fundos de pensão não podem aprender com o futuro, mas certamente podem tirar lições do passado para evitar cometer erros há muito conhecidos.


Além disso, os conselhos dos fundos de pensão precisam acompanhar (seguir) as tendências para identificar as mudanças que afetarão seu funcionamento.

Como ensinou Aristóteles há dois mil anos: “Aquele que não consegue ser um bom seguidor, não consegue ser um bom líder”.


Aristóteles, 384 a.C. – 322 a.C, Atenas


Grande abraço,

Eder.



Fonte: The Original Apocalypse: 5 Lessons from the Dot-Com Crash, escrito por Jeff Fluhr | Will ChatGPT spark the next financial bubble? escrito por Michael F. Buckley | Axios Market, escrito por Matt Phillips e Emily Peck.



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