PARTE 1 – GRANDES DEMAIS PRA QUEBRAR, GRANDE DEMAIS PRA SALVAR
Introdução
A bolha das empresas ponto-com foi um período de otimismo e muita especulação
em torno de uma nascente indústria de tecnologia, com incontáveis startups
atingindo valores de mercado estratosféricos, baseados em pouco mais do que um
nome bonitinho e uma promessa de negócio.
Mas quando a bolha estourou, em março do ano 2000 – há exatos 23 anos –
muitas daquelas empresas revelaram ter baixo ou nenhum valor real, deixando investidores
e o mercado cambaleantes por anos a fio.
Hoje vivemos uma febre especulativa com consequências desastrosas para
onde quer que se olhe: da implosão da FTX e dos mercados de cryptoativos
à hype furada que ronda o metaverso, das demissões em massa em inchadas
empresas de tecnologia à uma sinistra ascensão da IA e mais recentemente, a
implosão impressionante de vários bancos que um dia foram considerados confiáveis.
Será que a história pode ensinar algo aos fundos de pensão? Ou estamos
fadados a repeti-la?
Nessa série especial vamos analisar, em retrospectiva, a história fascinante
que definiu a era dos grandes bancos, das empresas “.com” e do crescimento dos
fundos de pensão no Brasil e verificar se podemos tirar algum ensinamento daqueles
episódios, enquanto nos preparamos para os novos tempos que se avizinham, na previdência
complementar, na tecnologia, nos negócios e na sociedade.
_________________________________
A crise de solvência dos bancos, essa que estamos enfrentando agora em
2023, é consequência de decisões tomadas em duas semanas, há vinte e cinco anos.
No dia 06 de abril de 1998 chegou a notícia surpreendente da fusão do Citicorp
com o Travelers Group, um conglomerado financeiro que àquela altura incluía
o banco de investimentos Salomon Smith Barney e a companhia de seguros Travelers.
A fusão contrariava uma lei americana da época da grande depressão, lá dos
idos de 1929, o chamado Glass-Steagall Act criado em 1933 por Franklin
Roosevelt depois da quebra de Wall Street, que separava bancos comerciais de
bancos de investimentos e proibia os bancos de serem donos de seguradoras.
As fusões e aquisições no sistema financeiro dos EUA vinham desafiando o
Glass-Steagall Act há anos, permitindo que os bancos comerciais estendessem suas
atividades àquelas dos bancos de investimentos, mas a fusão Citi-Travelers exigiria
uma revogação completa e definitiva da lei.
John Reed – então CEO do Citi e Sandy Weill do Travelers já vinham instando
os políticos a pôr um fim no Glass Steagall Act, o que acabou acontecendo em
1999.
Uma semana depois do negócio Citi-Travelers, foi anunciada a fusão do NationsBank
de Charlotte-NC com o BankAmerica de São Francisco-CA, dando lugar ao
que é hoje o BofA - Bank of America.
Esse foi o prego final no caixão de mais um dos princípios de regulação
do mercado, surgidos nos anos pós-depressão de 1929, que pulverizava o sistema bancário
devido às regras rígidas contra a existência de bancos interestaduais (i.e., proibia-se
bancos operando em mais de um estado dos EUA).
Bancos e seguradoras eram regulados em nível estadual e operavam dentro
das fronteiras de cada estado. Isso criou nos EUA um sistema financeiro com milhares
de bancos, diferente do sistema existente nos demais países desenvolvidos.
A maioria dos bancos eram pequenos demais para criar risco sistêmico, em
caso de quebra. Operando em pequena escala, não era muito caro garantir seus depósitos
e era mais fácil para os órgãos reguladores identificarem problemas.
Há décadas os banqueiros americanos e seus advogados vinham minando a
regulação que impedia bancos interestaduais. Hugh McColl – CEO do
NationsBank explorou brechas na leniente legislação de seu estado, a
Carolina do Norte (NC), construindo franquias que cobriam a maior parte do país
ao leste do Mississipi.
O edifício sede que construiu em Charlotte foi apelidado de “Taj McColl”.
A criação do BofA uniu as duas maiores redes de agências bancárias dos EUA, fazendo
surgir um banco com atuação nacional. Muitos outros vieram depois dele.
Crise de confiança
Grandes bancos deveriam oferecer economias de escala e melhores
serviços. Ao invés disso, provaram ser “ingerenciáveis”. Bancos gigantescos
mergulharam de cabeça em créditos estruturados com consequências desastrosas na
crise de 2008.
A crise financeira global de 2008 foi detonada pelo colapso do Lehman
Brothers, uma instituição financeira que não ultrapassou a linha traçada pelo Glass-SteagallAct,
permanecendo como banco de investimentos.
Mas a tensão que tomou conta do mercado nos meses que se seguiram a
queda do Lehman se originou na certeza de que os grandes bancos estavam balançando,
com existência seriamente ameaçada. Não se poderia deixá-los quebrar.
Os EUA seguiram o exemplo da Europa, onde os bancos operavam como “supermercados
financeiros” e cada país era dominado por um punhado de bancos enormes, os campeões
nacionais. O processo de consolidação na Europa ainda estava acontecendo.
Dias após os negócios do BofA e do Citi, houve a fusão do Union Bank of Switzerland
com o Swiss Bank Corp., surgindo o atual UBS.
Esses gigantes se saíram pessimamente durante a crise financeira global
de 2008, porque a maioria encheu os cofres com hipotecas americanas tóxicas. A dificuldade
prolongada dos grandes bancos europeus criou uma crise aguda na dívida soberana
da Comunidade Europeia.
Juntar os bancos, para formas instituições financeiras gigantes, deveria
gerar maior economia de escala e aumentar a lucratividade, mas o que gerou de
fato foi a perda da confiança no setor financeiro inteiro.
Isso fica claro olhando no gráfico abaixo os múltiplos do valor contábil dos bancos (valor contábil é o capital resultante após a subtração dos passivos de seus ativos – linha horizontal 1) com que os bancos eram negociados no último quarto de século. Em 1998 os bancos europeus eram negociados por cinco vezes seu valor contábil e os bancos americanos por três vezes. A quebra do Lehman jogou a negociação das ações de todos eles abaixo do valor contábil, de onde os bancos europeus nunca mais saíram. A crise das últimas semanas também jogou os bancos americanos abaixo do valor contábil.
Problemas com bancos tendem a significar problemas para todo mundo. O gráfico abaixo mostra a performance dos bancos na linha branca e a performance da bolsa medida pelo índice S&P500 na linha azul. Quando os bancos caem fortemente em relação aos demais setores da economia, o mercado geral tende a declinar (retângulos coloridos) um pouco adiante ou quase na sequência.
O mantra “grande demais para quebrar” cedeu lugar ao “grande demais para salvar”. Toda a análise acima, feita a partir dos mercados financeiros americano e europeu, é válida para o Brasil, dominado por meia dúzia de grandes bancos que resultaram de um colossal processo de consolidação nas últimas décadas. Em terras de Cabral, os bancos não apenas são enormes, como são donos das maiores seguradoras. Seus tentáculos amarram a economia inteira debaixo deles.
É necessário um novo conjunto de regras para assegurar a solvência dos bancos,
regras baseadas em tecnicidade e não ideologia. Isso vai requerer um amplo debate
político que leve a um modelo solido como o que havia sido criado em 1930.
Consolidação de fundos de pensão preocupa (ou deveria)
Entre os anos 80 e 90 o Brasil viveu um boom de crescimento na quantidade
de fundos de pensão, patrocinados principalmente por empresas privadas
nacionais e multinacionais.
Foram criados quase duas centenas de fundos de pensão apenas naquele
período. Lembro bem disso porque no início da minha carreira, fazia parte da
minha rotina ler o D.O.U. (Diário Oficial da União), onde eram publicadas as
portarias com autorização do governo para funcionamento dos novos fundos de
pensão.
A época de ouro da previdência complementar no Brasil havia arrefecido no
começo dos anos 2.000, quando a curva de ascensão atingiu um platô (o pico foi
de 365 fundos de pensão) e logo depois começou a se inverter.
Costumo usar os três gráficos a seguir em apresentações que faço sobre o
passado e o futuro dos fundos de pensão, para ilustrar a inversão na curva de
crescimento.
Mais importante do que os anos a que se referem os dados que geraram esses
gráficos (bastaria atualizar) é a clara, a inequívoca tendência de redução
mundial na quantidade de fundos de pensão nas últimas duas décadas:
Brasil: em 2012 eram 337 fundos de pensão, sobraram 275 em 2021;
Holanda: em 1997 eram 957 fundos de pensão, em 2020 restaram 141;
Austrália: em 2004 eram 1.088 fundos corporativos, em 2018 meros 24.
Uma análise mais profunda mostra que em consequência da consolidação está havendo uma concentração de negócios em uns poucos fundos de pensão.
O Brasil inclusive copiou o Reino Unido há alguns anos, incentivando essa
consolidação do sistema.
Daí ao surgimento de gigantes da previdência complementar será um pulo,
algo que deveria nos preocupar, devido aos mesmos perigos que a longa história
contada acima, de consolidação dos bancos, nos mostrou.
Fundos de pensão também podem gerar risco sistêmico e diferente do que
acontece com os bancos, o governo não garante nem um centavo dos saldos das contas
mantidas em previdência complementar.
O mesmo chicote que bate em Chico, deveria bater em Francisco e ambos
deveriam aprender as mesmas lições ...
Grande abraço.
Eder.
Fonte: No, it's not like 15 years ago. What
matters is 25, escrito por John Authers | Economic Downturns Mark a Return toSanity (and Returns) for Venture Capital, escrito por Tal Elyashiv
Nenhum comentário:
Postar um comentário