De São Paulo, SP.
Quando seu maior acionista decide “já deu, chega”, você realmente tem um problema. Foi exatamente isso que aconteceu ontem com o Credit Suisse.
O Saudi National Bank, que detém 9,9% das ações do banco suíço – a legislação do país impede que alguém controle mais de 10% – anunciou que não vai colocar mais nenhum capital para apoiar sua recuperação.
As ações do Credit Suisse despencaram 20% imediatamente e as negociações com as ações do banco foram suspensas. No final da tarde foram retomadas, mas fecharam em queda de 24%.
Sim, os Sauditas jogaram no lixo o valor de sua própria participação, evidentemente reconhecendo que esse é um caminho melhor do que continuar colocando dinheiro bom num problema ruim. As ações do Credit Suisse vêm caindo por mais de uma década, na esteira de escândalos, erros de gestão e perdas financeiras.
Em se tratando de um banco, isso cheira a morte e não adianta pensar o contrário.
Isso pode representar uma crise no sistema financeiro em escala global. Pode até não ser tão profunda como a de 2008, mas a ideia de que a insolvência do SVB - Silicon Valley Bank foi um caso isolado, termina aqui.
Na segunda feira as ações dos bancos americanos despencaram. Na quarta foi a vez dos bancos europeus, chegaram a perder até 10% do valor.
Investidores e clientes nos quatro cantos do mundo começam a fazer perguntas sobre bancos de qualquer tamanho. O problema para os bancos, mais do que para qualquer outro negócio, é que eles funcionam com base na confiança.
Se todos os clientes decidirem ao mesmo tempo que querem tirar seu dinheiro, acabou, zilt, tchau querido, fim. Os bancos sobrevivem porque isso geralmente não acontece.
Sobrevivem, também, por causa da garantia que os governos dão para os depósitos, até determinada quantia. Nos EUA estão garantidos valores abaixo de US$ 250 mil, no Reino Unido até £$ 85 mil, no Brasil até R$ 250 mil.
Para a maioria dos correntistas e investidores a quebra de um banco não representa maiores problemas. O problema, como descobrimos em 2007 com o Northern Rock na Inglaterra e agora com o SVB, é que existe uma grande quantidade de correntistas (e empresas) que tem mais do que o limite garantido pelo governo.
Isso só piora as coisas.
Na crise de 2008 muita gente graúda no sistema financeiro insistiu que o Northern Rock e o Bear Stearns no Reino Unido e o Lehman Brothers nos EUA eram casos isolados, que os bancos maiores estavam bem capitalizados, que não corriam risco de insolvência.
SQN (só que não), na crise de 2008 os “especialistas” erraram feio. Quem vai acreditar agora que o caso do SVB e do Credit Suisse são pontuais?
O que vai ficando claro é que a promessa que nos fizeram de uma regulamentação melhor, que evitaria a repetição da crise que aconteceu em 2008, não rolou.
O Credit Suisse admitiu “insuficiência material” no sistema de reporte de sua posição financeira. As boas intenções de reguladores, bancos centrais e ministros da economia evaporaram já em 2009. Agora estamos pagando o preço.
Michael Ferguson, no espetacular documentário sobre as origens da crise de 2008, intitulado “Inside Job” (vale muito a pena assistir), alertou que o problema voltaria a acontecer. Ninguém acreditou, ninguém deu ouvidos.
A mecânica de funcionamento dos fundos de pensão
Fundos de pensão recolhem as contribuições dos participantes e das empresas patrocinadoras (passivo) e investem esses recursos para gerar retornos que podem ser vistos nos saldos de conta individuais (ativos).
É obrigação dos fundos de pensão fazer com que o prazo de devolução do dinheiro coincida com o prazo que ele fica preso nos investimentos (indisponível), de tal forma que quando os participantes aparecerem para resgatar seus recursos ou receber benefícios, o dinheiro esteja lá para ser pago.
A lógica econômica por trás disso é que quanto mais participantes estiverem recebendo benefícios (ou quiserem resgatar seu dinheiro) mais essa conta precisa ser precisa, ser muito bem feita.
Isso é crucial em fundos de pensão maduros, geralmente os maiores e mais antigos, nos quais sai mais dinheiro para pagar benefícios do que entra de novas contribuições.
Os fundos não têm em mãos todo o dinheiro para pagar benefícios e resgates, a diferença então vem do retorno dos investimentos e dos próprios investimentos em si.
Podemos colocar essa mecânica de lado e mostrar o ponto importante, que é o fato do dinheiro não estar lá, estar trabalhando, investido em alguma coisa.
A diretoria de investimentos do fundo de pensão é que avalia os riscos e decide (baseado na mecânica do capitalismo) qual taxa de retorno é boa o suficiente.
Se você é um fundo de pensão, você monitora os riscos aos quais seus ativos estão expostos. Um desses riscos tem a ver com a escolha ruim, de negócios ruins que quebram – algo menos relevante para o cenário atual.
Outro risco é a taxa de juros aumentar e desvalorizar significativamente os ativos de longo prazo – muito relevante para o cenário atual.
Os fundos de pensão brasileiros optaram por investir a maior parte do dinheiro em títulos do tesouro nacional, hoje cerca de 86% do patrimônio dos fundos está nessa classe de ativos.
Isso é permitido? Sim é, mas trata-se uma enorme concentração do patrimônio dos fundos de pensão em uma única classe de ativos e que interessa ao governo porque financia as contas publicas, apesar de contrariar a logica da diversificação de investimentos para evitar concentração de riscos.
Fazendo um paralelo com o risco do SVB, veja o quadro abaixo. Está claro como cristal o risco que o banco representava.
No eixo vertical (esquerda) está a quantidade de depósitos / correntistas oriundos do varejo, ou seja, de pessoas físicas (ao invés de empresas). No eixo horizontal (embaixo) é mostrada a soma [empréstimos + títulos] em percentual do total de depósitos do banco.
O que o eixo vertical mostra é que o SVB tinha uma base de correntistas formada esmagadoramente por empresas e todo o dinheiro dos depositantes estava emprestado ou investido (a maioria em títulos do tesouro americano).
Depósitos do varejo são pulverizados, portanto, mais difíceis de serem retirados de uma vez só em caso de corrida aos bancos e geralmente estão abaixo do limite de US$ 250 mil garantido pelo governo. Enquanto depósitos de grandes empresas podem ser resgatados mais facilmente, drenando enormes valores, por isso requerem mais hedge, maior liquidez e maior garantia do governo.
A outra dimensão, eixo horizontal, que mostra a soma de empréstimos mais títulos (ambos mantidos até o vencimento) é uma medida de quão fácil ou difícil será transformar os investimentos em liquidez para cobrir uma corrida aos bancos. Quanto mais depósitos (no caso dos fundos de pensão, contribuições) forem investidos em títulos públicos e privados, mais difícil será cobrir retiradas (nos fundos de pensão, pagamento de benefícios e resgates).
Estava tudo dentro da lei com o SVB, mas o banco certamente representava uma enorme concentração de riscos que os reguladores ignoraram, da mesma forma que acontece hoje com a concentração dos fundos de pensão em títulos do tesouro nacional.
Com a subida que as taxas de juros vêm experimentando desde o final da pandemia, os títulos com taxas menores perderam valor contábil, significando que valem menos hoje, muitos bilhões a menos no patrimônio dos fundos de pensão.
Isso por si só não é um problema, seria caso os fundos tivessem que vender ou negociar os títulos nesse momento, mas os fundos podem manter os títulos em carteira até o vencimento de cada um deles, recebendo os juros menores por 10 anos ou mais e resgatando no vencimento o valor de face, sem perdas.
Os profissionais de gestão de riscos dos fundos de pensão, claro, têm um monte de outras coisas com que se preocupar e tem soluções para o problema da subida dos juros, como comprar derivativos para fazer hedge, que protegem o balanço contra flutuações drásticas dos juros.
Mas deixa eu te contar uma coisa, o Lehman Brothers, o Bear Sterns, o Goldman Sachs, também acharam que estavam protegidos com hedge das operações ...
Como diz um ditado árabe: aquilo que acontece uma vez, poderá nunca mais acontecer, aquilo que acontece duas vezes, certamente acontecerá uma terceira.
Fica a dica.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: Will Credit Suisse trigger a global banking crisis?, escrito por Ross Clark | Understanding your risks, Fintech Blueprint
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