Quando as máquinas assumiram o trabalho braçal, tínhamos algo mais a oferecer
Fredric Brown foi um escritor americano de ficção cientifica, fantasias
e mistérios que viveu entre 1906 e 1972. Conhecido pelo senso de humor,
escrevia novelas muito, muito curtas, de 1 a 3 páginas. Frequentemente, com um final
surpreendente.
De acordo com sua mulher Fredric detestava escrever, então, fazia tudo
para evitar. Tocava flauta, jogava xadrez ou brincava com seu gato siamês chamado
Ming Tah. Mas quando se sentava, produzia pérolas como essa, a seguir.
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A
RESPOSTA
Dwar Ev, de modo cerimonioso, soldou a última conexão com ouro. Os olhos de uma dúzia de câmeras de televisão o observavam, enquanto uma dúzia de fotos do que ele estava fazendo viajava pelo sub-éter através do universo.
Ele se endireitou e acenou com a cabeça para Dwar Reyn. Em seguida,
passou para uma posição ao lado do interruptor que completaria o contato quando
terminasse de soldar.
O interruptor que conectaria, de uma só vez, todos os monstruosos
computadores de todos os planetas habitados do universo – noventa e seis bilhões
de planetas – um super circuito que conectaria todos eles numa só super
calculadora, uma máquina cibernética que combinaria todo o conhecimento de todas
as galáxias.
Dwar Reyn falou brevemente para a audiência de trilhões, que assistiam
e ouviam. Então, após um momento de silencio, ele disse: “Agora, Dwar Ev”.
Dwar Ev ligou o interruptor. Houve um enorme zumbido, um pico de
energia de noventa e seis bilhões de planetas. Luzes piscaram no painel com um
km de extensão e então, silenciaram.
Dwar Ev deu um passo para
trás e respirou fundo: “A honra de fazer a primeira pergunta é sua, Dwar Reyn”.
“Obrigado”, disse Dwar Reyn, “deve ser uma pergunta que nenhuma máquina
cibernética foi capaz de responder até hoje”.
Ele voltou sua face para a máquina e perguntou: “Deus existe?”
Uma voz poderosa respondeu, sem hesitação, sem o clique de um único
relé:
“Sim, agora Deus existe”.
Repentinamente, o medo surgiu na face de Dwar Ev. Ele pulou em
direção ao interruptor.
Um relâmpago rasgou um céu sem nuvens, o derrubou no chão e fundiu o
interruptor na posição: "ligado".
Fredric Brown
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A primeira ferramenta de IA – Inteligência Artificial foi lançado no domínio
público mundial em novembro de 2022, portanto, há apenas cinco meses.
Milhões de pessoas ao redor do globo puderam experimentá-la em primeira
mão e perceber o quão impressionantes são esses sistemas.
Muitos já se deram conta de que esses softwares representam um ponto de
inflexão, causarão enorme turbulência no mercado de trabalho e na economia.
A excitação inicial rapidamente deu lugar a preocupação e um debate furioso
vem questionando se devemos dar um tempo, interrompendo por seis meses ou mais o
desenvolvimento da IA.
Mal conseguimos digerir e entender o significado e desdobramentos disso
tudo para nossas vidas e surgiu no mês passado o GPT-4.
Mas afinal, que tipo de coisa o GPT-4 pode fazer?
O que o GPT-4 pode fazer hoje numa reunião do conselho
Imagine que você está numa reunião do conselho deliberativo do seu fundo
de pensão. O GPT-4 pode ouvir e gravar toda a reunião através do seu telefone
ou de um laptop.
Ele vai reconhecer (entender) tudo o que foi dito, melhor do que os
conselheiros em volta da mesa que muitas vezes falam ao mesmo tempo. O GPT-4 vai
transcrever – transformar voz em texto – e produzir para você um sumário de toda
a reunião.
A partir desse sumário, você pode escolher como os comentários serão
priorizados, você pode mudar o sumário, você pode falar com ele.
Você pode dizer: “Eu gostaria de ouvir na íntegra o que o Sr. Sérgio
Nabas disse, diminui o volume da conversa dos outros conselheiros. Então, o
GPT-4 fará isso.
Aí, você pode dizer: “Tudo bem, não tem nada importante, pode diminuir a
voz do Sr. Sérgio”. Você pode conversar verbalmente, interativamente, com o
GPT-4.
O GPT-4 pode escrever a minuta da ata de reunião do conselho (ou de um
relatório de consultoria), pode produzir um relatório de análise
Pode construir uma tabela a partir de dados que você fornece, pode
produzir gráficos a partir dessa tabela e depois responder perguntas especificas
sobre o comportamento das informações mostradas nos gráficos, para que os conselheiros
possam tomar decisões.
São tempos interessantes para quem trabalha com conhecimento, ou seja,
todos os funcionários de um fundo de pensão.
Impactos do GPT-4 (hoje) no futuro ambiente de trabalho
Suponha que você é o diretor de investimentos de um fundo de pensão e
sua equipe produz relatórios de análise para dar apoio às decisões de
investimentos.
Se você tiver 10 analistas, isso significa que graças ao GPT-4 você pode
se livrar de 9 deles? Ou significa que você vai manter os 10, eles farão um
trabalho com valor agregado muito maior e produzirão relatórios e análises dez
vezes mais interessantes e melhores?
Difícil dizer, mas é mais provável que acontece algo no meio dessas duas
possibilidades. O receio é com desemprego permanente causado pela tecnologia.
Desemprego causado pela tecnologia não é novidade, resulta da automação
e automação não é algo novo, a automação está presente entre nós há muito tempo.
Começou na agricultura. Nos anos 1800 cerca de 80% dos americanos
trabalhavam no campo, em 1900 esse número havia caído para 40%, hoje é 1%.
Os netos das pessoas que trabalhavam na agricultura trabalham hoje em lojas
e escritórios e tem uma vida melhor trabalhando em funções mais seguras e
interessantes.
Quando surgiu a mecanização, as pessoas tiveram que se mudar do campo
para as cidades. O fato dos empregos terem sido tomados pela mecanização não
foi um problema no longo prazo para os humanos.
Quando as máquinas assumiram o trabalho braçal, tínhamos algo mais a
oferecer, tínhamos nossa capacidade cognitiva.
Isso foi ótimo para nós, mas foi péssimo para os cavalos. Os cavalos têm
músculos fantásticos e mais nada. Em 1915 existia 21,5 milhões de cavalos trabalhando
nos EUA, hoje há 2 milhões de cavalos - que nem estão em trabalhos pesados.
Agora temos outro tipo de automação surgindo, que não é mais uma mecanização,
é uma automação da cognição.
Para causar desemprego em massa, as máquinas teriam que ser capazes de
fazer tudo que fazemos para ganhar dinheiro, o que (ainda) não é o caso.
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O que vem pela frente? Eu não sei, ninguém sabe. Uma coisa, porém, é
certa. Aqueles que resistirem às mudanças ficarão para trás.
A história ultrapassa sem pedir passagem.
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “GPT-4 and the twoSingularities, Times Network, Delhi, March 2023”, video
apresentado por Calum Chace